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Educação

Educação: Os rapazes estão a ficar para trás

Os rapazes são o rosto do abandono escolar em Cabo Verde e, por consequência, os que menos ingressam nas universidades, dentro e fora do país. O Banco Mundial apontou recentemente perda de investimentos na educação e Portugal implementou o semestre zero, vistos como cartões vermelhos para o sistema de ensino cabo-verdiano. Isto num país em que a educação, segundo estudo recente do INE, é a instituição em que mais os cabo-verdianos confiam.

A educação ainda é um valor importante para o cabo-verdiano, sendo esta a instituição pública em que os cabo-verdianos mais confiam, não obstante esta confiança estar diminuindo desde 2013, segundo aponta o Instituto Nacional das Estatísticas (INE), no relatório sobre a Governança, Paz e Segurança, 2023, publicado recentemente (ver página E05).

Não obstante, Cabo Verde recebeu, semanas atrás, dois cartões vermelhos de instituições internacionais. O semestre zero, implementado em Portugal, para alunos do Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e o relatório do Banco Mundial apontando para o subaproveitamento dos investimentos feitos no sector da educação.

Num universo de 130 mil alunos que ingressaram no sistema de ensino, básico e secundário, no ano lectivo 2021/22, uma franja de 0,9% abandonou o Ensino Básico e 1,5% o Ensino Secundário.

No Básico, os abandonos foram notificados no 6º (0,1%), 7º (0,2%) e 8º anos (0,3%) de escolaridade. Já no ensino secundário, o 12º ano de escolaridade teve a maior percentagem (2%), enquanto o 9º ano teve o menor registo (1%). No 10º ano, 1,5% dos estudantes abandonaram os estudos e no 11º ano, 1,8%.

No ano lectivo seguinte, a taxa de abandono escolar sofreu um aumento, que o próprio Ministério da Educação classificou de “preocupante”, tanto a nível do Ensino Básico como do Secundário. “A taxa de abandono aumentou em cerca de 0,5% nos dois níveis de ensino”, contabilizou, na altura, o director nacional da Educação, Adriano Moreno.

Dos 0,9 no ano lectivo anterior, em 2022/23 a taxa de abandono escolar no ensino básico passou a 1,5%, enquanto que, no ensino secundário, saltou de 1,5% para 1,7%.

Essas taxas indicam ainda alguma assimetria regional, quando, de acordo com Adriano Moreno, esse aumento está relacionado com alguns concelhos que apresentam taxas muito elevadas. É o caso de Santa Catarina do Fogo (6%) ao nível do secundário, São Domingos (quase 5%) e São Salvador do Mundo.

No ensino Básico, onde o aumento é mais acentuado, Mosteiros, Ribeira Brava e São Domingos apresentam-se como os locais com maior abandono.

Desaparecimento dos rapazes do sistema

Especialistas ouvidos pelo A NAÇÃO mostram-se preocupados com aquilo que definem como um “desaparecimento” dos rapazes do sistema escolar, com consequências sociais graves e perdas financeiras tanto para o Estado, como para as famílias. Este desaparecimento começa a se acentuar no ensino secundário, com turmas que chegam ao 12º sem um único rapaz, e afunila-se ainda mais no ensino superior.

Na sua tese de mestrado em economia, pela Universidade de Évora, Portugal, 2023, Zuleika Fernandes Gomes mostra que, entre 2015 e 2021, dos mais de 14 mil alunos cabo-verdianos inscritos nas universidades daquele país, apenas 1196 concluíram os cursos de licenciatura. 

Mais, tanto no número de inscritos quanto de diplomados, há sempre, de forma destacada, mais mulheres do que homens. No ano lectivo 2020/21, por exemplo, dos 3291 inscritos, 1927 foram mulheres e 1364 homens. Destes, 224 concluíram os cursos, sendo 152 mulheres e apenas 72 homens. 

Por um lado, a disparidade entre o número de inscritos e diplomados sugere que existe um elevado número de abandono escolar antes da conclusão do curso, por causas financeiras e pedagógicas. Por outro, a diferença entre a percentagem de meninas e rapazes é justificada pela percentagem de reprovações e abandono escolar no ensino básico e secundário que é mais elevada nos rapazes.

Zuleika Gomes conclui, na sua tese, que as principais causas associadas ao insucesso académico são de natureza financeira, relacionadas com o pagamento de despesas essenciais, e também de natureza pedagógica, pela insuficiente preparação prévia no ensino secundário, que agrava as dificuldades sentidas com os conteúdos curriculares dos cursos.

“Chegando mal preparados, boa parte dos alunos acaba por desistir, caindo assim na emigração ilegal”, afirma umas fontes ouvidas pelo A NAÇÃO.

De referir que Portugal anunciou recentemente a implementação do semestre zero para os estudantes provenientes dos PALOP, visando potenciar a integração e o sucesso académico desses alunos, que têm enfrentado barreiras a nível linguístico e do domínio das tecnologias da informação e comunicação.

Celpe-Bras – Brasil

A par de Portugal, o Brasil também, enquanto destino importante de alunos cabo-verdianos, sente a discrepância no preenchimento das vagas para estudos superiores.  

Dados do Instituto Guimarães Rosa (IGR) na Praia, que emite o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para quem é aprovado no exame Celpe-Bras, indicam que, em 2024, um total de 129 inscritos fizeram a prova, apenas 29 eram rapazes (entre os quais dois estrangeiros).

Aliás, conforme a responsável do IGR, Marilene Pereira, são muito poucos os rapazes que conseguem vagas para o curso de medicina no Brasil, por exemplo, mesmo sendo aprovados no Celpe Bras. “A média do ensino secundário não é suficiente para almejar uma vaga nesse curso, normalmente superior a 18,5 valores”, indica.

Uma realidade que considera dramática, resultado de um sistema de educação que não se actualiza diante dos maus resultados escolares dos rapazes, algo detectado há vários anos, o que inclui, igualmente, uma taxa de abono alta a partir do 9º ano.  “Isso reflecte um sistema de educação voltado para as mulheres. A menina é educada para, de certa forma, estar mais concentrada,  para sentar-se numa sala durante uma hora ouvindo o professor; o rapaz não, ele não tem paciência, é criado solto”, indica a nossa fonte, que trabalhou vários anos como professora de FPS no Liceu Domingos Ramos. 

Confira a matéria na integra na edição nº 877 do Jornal A Nação, do dia 20 de junho de 2024

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