Há quase um mês que a Câmara Municipal da Praia tem nas ruas a Guarda Municipal para obrigar as vendedeiras ambulantes a regressar ao mercado. Como sempre, esta decisão com vista ao cumprimento do Código de Postura Municipal e ordenamento da cidade, está a ser aplaudida por uns e reprovada por outros, gerando prós e contras entre as vendedeiras e até os munícipes.
Numa tentativa de reorganizar e ordenar a vida na cidade capital, por parte da Câmara Municipal da Praia (CMP), presidida por Francisco Carvalho (PAICV), as vendedeiras de frescos, frutas e peixes que ocupavam os passeios, nas principais vias entre Fazenda e Sucupira, foram obrigadas a regressar às “pedras” dentro do mercado, quer no Platô, quer no Sucupira e no mercado “Cotxi Pó».
Neste momento, circular pela rua principal do Sucupira, em frente ao BCA, mostra- -se bem mais fácil e tranquilo do que antes. Os olhos atentos conseguem, ainda, qual jogo de gato e rato, ver uma ou outra vendedeira que, discretamente, persiste em não abandonar o espaço, procurando ludibriar a vigilância dos guardas municipais.
A medida, que começou a vigorar no dia 17 de Maio, não agradou, no primeiro momento, às rabidantes que se dizem acostumadas a vender na rua e onde são encontradas mais facilmente pelos seus clientes.
Ao A NAÇÃO, algumas alegam que nos mercados indicados não há lugar para todas e que “lá dentro”, apesar de melhores condições de acomodamento, não conseguem ter o mesmo rendimento.
“Por aqui passa muita gente que, sem tempo para entrar no mercado, pede os produtos e nós vendemos em pleno trânsito. Estas pessoas não saem do carro para comprar aqui, imagina se vão ao mercado?”, questiona uma vendedeira de frutas que, consciente de estar a infringir as novas ordens, não se quis identificar.
Como prossegue, essas pessoas preferem, então, comprar nas lojas. “E nós, que somos coitadas, ficamos sem pão para os nossos filhos”, argumenta.
“Deixei a minha banheira lá dentro e trago em pequenas quantidades as frutas. Qualquer abordagem dos guardas, digo que vim fazer uma entrega ao cliente”, conta a nossa entrevistada que diz ganhar a vida na zona do Sucupira há cerca de 10 anos.
O “braço de ferro” que se mantém
Entretanto, a mesma vendedeira diz saber que os dias na rua estão contados, estando os guardas municipais nas ruas a monitorar, até agora, com histórico de produtos apreendidos, inúmeros desentendimentos, episódios de agressão e até de desmaios.
Diferente dessa entrevistada, outras vendedeiras, que já aceitaram regressar aos mercados, dizem reconhecer os esforços da CMP em arranjar soluções para as “ambulantes” das principais artérias da cidade. Mas, como sempre, este tipo de medida, não importa a cor política de quem esteja na CMP, é sempre difícil de lidar.
Medida acatada e aplaudida por uns
Celestina, da Achada Eugénio Lima, garante que a CMP, através da Guarda Municipal, está no terreno “não só para perseguir as rabidantes”, mas também para as ajudar. Isto, referindo-se às medidas já anunciadas pela autarquia, nomeadamente, um ano de isenção das taxas no mercado e apoio de 15 mil escudos para o reforço dos negócios por seis meses, para que as vendedeiras que ocupam os passeios no Sucupira regressem aos mercados.
“No mercado temos outros problemas. Por exemplo, os produtos estragam, por vezes são roubados, e há quem diga que os prejuízos podem ultrapassar os 15 mil escudos que estamos a receber agora.
Mas esta é uma boa medida”, diz uma outra rabidante que, ao fim de três anos na rua, resolveu agora baixar a guarda, ocupando uma das “pedras” no mercado do Sucupira.
“Fomos avisadas antecipadamente de que deveríamos começar a vender dentro do mercado, inclusive na sexta- -feira,7, recebi o meu primeiro cheque para reforçar o negócio. Isto pode não resolver todos os problemas, mas resolve parte deles”, acredita.
Fazer valer para “todas” Para aquelas que já estão nas devidas “pedras” dentro dos mercados, falta agora fazer valer o apoio financeiro para todos.
A lei, para mim, deve ser lei para todos. Ou todos vêm para dentro, ou todos regressaremos para as ruas. Não podem exigir de uns e fechar os olhos para outros”, considera uma outra vendedeira que, para receber os “incentivos” da CMP, diz já ter assinado um “termo se comprometendo” de que não regressará para a rua.
Outras zonas da cidade
A acção dos agentes da Guarda Municipal ocorre também, neste momento, em outros bairros da capital, nomeadamente, Palmarejo e Achada de Santo António, duas zonas da cidade com grande concentração populacional e movimento comercial.
Aos olhos dos munícipes a medida da CMP de estabelecer ordem na cidade tem, contudo, prós e contras. Uns acreditam que se impõe, de uma vez por todas, repor a legalidade, sobretudo tirar os vendedores dos passeios e das portas das lojas onde fazem “concorrência desleal aos comerciantes”. Estes estão formalizados, pagam ao fisco e à Câmara Municipal e, no dia a dia, têm que enfrentar a concorrência dos “coitados”, que não pagam nada, apenas têm direito a tudo, “porque coitado é quem manda nesta terra”.
Eleições…
Mas há também aqueles que que acreditam que, sobretudo, na via principal do Sucupira, tirar as vendedeiras do local é quebrar a dinâmica dessa zona da cidade: “Muita movimentação de pessoas, o pulsar da economia informal”, numa urbe onde o desemprego é grande.
E nesta luta pela vida, com o aproximar das eleições, está-se mesmo a ver. Tanto assim é que a UCID na Praia, através do seu presidente, Juciliano Vieira, expressou a sua solidariedade e apoio às vendedeiras, alegando que os mercados da Achada Santo António, Achadinha, Terra Branca e Palmarejo não oferecem condições, quer em termos de saneamento, quer em termos de segurança dos produtos.
Ainda conforme Vieira, “as obras de requalificação de que envolvem o Sucupira estão prontas, mas sem qualquer movimento”, continuou considerando excessiva a nova taxa de 100 mil escudos para cada espaço a ser pago. E, no seu entender, também, a Avenida Cidade de Lisboa continua sendo obstruída, quando a edilidade praiense havia prometido resolver a situação no passado mês de Outubro de 2023.
“Os condutores de hiace estão todos desanimados porque ainda não regressaram para onde estavam antes e ainda continuam no lugar alternativo, sem quaisquer condições”, referiu, acrescentando que a CMP continua a “agredir as senhoras com pauladas”, pelo que exortou a medidas concretas para resolver a celeuma de obrigar as vendedeiras apenas a trabalhar dentro dos mercados.
Leia na íntegra na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 876, de 13 de Junho de 2024