Se ainda existem muitos tabus à volta da saúde mental, em se tratando de saúde mental materna, eles são ainda maiores. O ideal de maternidade, romantizado pela sociedade, esconde um conjunto de processos pelos quais passa a mulher durante a gestação, deixando-a propensa a desenvolver transtornos emocionais e psiquiátricos. A campanha Maio Furta-cor procurou chamar a atenção para essa realidade.
Em cada 100 mil nascidos vivos no Mundo, 3,7% das mães cometem suicídio, sendo esta uma das principais causas de morte durante a gravidez e até um ano pós-parto. Muitas outras mulheres experimentam, durante esse período, pensamentos suicidas e de automutilação.
Entre 60 e 85% das mulheres sofrem com disforia pós-parto, também conhecida como baby blues, considerada a forma mais ligeira dos quadros psiquiátricos do puerpério e um factor de risco para a depressão.
Numa sociedade onde prevalece uma versão romantizada da maternidade, o sentimento da mulher mãe é ainda invalidado. E é desta necessidade de se tomar consciência da maternidade real, que para além do belo, tem também inúmeros desafios, que nasceu a campanha Maio Furta-cor, para sensibilizar a sociedade e trazer à luz a causa da saúde mental materna.
A campanha nasceu no Brasil e chegou a Cabo Verde em 2022. Este ano, durante o mês de Maio, um grupo multidisciplinar de profissionais, voluntários, liderados pela psicóloga clínica, especialista em psicologia perinatal e da parentalidade, Maria Dias, trabalharam, em nove ilhas, um conjunto de ações relacionadas ao tema.
Palestras, rodas de conversas, actividades em vários centros de saúde do país, conferências nas universidades, workshop, envolvendo várias instituições, mas também feira de mães empreendedoras e de informações e actividades nas comunidades fazem parte do rol de ações levadas a cabo durante a campanha.
Romantização da gravidez e a sobrecarga da mulher
Um dos males a combater quando se fala da maternidade é desconstruir a romantização da gravidez, enfatizando apenas o lado bom, conforme explica a psicóloga Maria Dias.
“A campanha procurou mostrar que existe, sim, este lado bom, mas também existe o outro lado que não deve ser ignorado. A sobrecarga, o descobrir que afinal a mulher viveu um pós-parto ou uma gravidez difícil, mas não sabia reconhecer que estava vivendo uma ansiedade, ou uma disforia pós-parto, ou quase entrou numa depressão”, aponta a profissional.
Apesar dos sentimentos e dores comuns, as mulheres ainda não têm espaços para falar da sua dor enquanto mães. E é este tipo de espaço que a campanha procurou proporcionar, levando a que mães se identificassem umas com as outras e se sentissem validadas.
Paternidade responsável
A paternidade responsável – ou a ausência dela – é um dos principais factores implicados na saúde mental da mulher. Afinal, um pai presente, elucidada Maria Dias, não é um pai presente fisicamente, mas um pai implicado nos cuidados com a criança. É um pai que leva o filho à escola, aos centros de saúde e consultas, que troca a fralda, dá banho, conta histórias e conversa.
Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), citados por Maria Dias, dizem que há em Cabo Verde cerca de duas mil crianças sem registo e mais de 50% que não vivem sob os cuidados do pai. Tudo isso, conforme explica, tem uma implicação no desenvolvimento afectivo e cognitivo da criança, mas, também, na própria saúde mental da mulher.
“A ausência do pai gera uma sobrecarga emocional, física e um desgaste na mulher, porque os cuidados ficam só para ela. Ela que leva a escola, ao PMI, ela que falta ao trabalho para acompanhar o filho”, aponta.
Por outro lado, há ainda uma realidade muito enraizada culturalmente na ideia de que o pai é o provedor e a mãe a responsável para educar e dar afecto. Esta realidade contrasta com o facto de que as mulheres hoje já não estão somente em casa.
“Hoje ela está também no mundo laboral, mas continua a ter as mesmas responsabilidades. Então a actividade laboral é mais uma responsabilidade acrescida que ela vai ter”, pontua, indicando que a sobrecarga materna foi uma das principais queixas da mulher no decorrer da campanha.
Este ano, pela segunda vez, a campanha promoveu o seminário “Um pai presente muda o Mundo”, tendo em vista que um dos factores de risco para o adoecimento materno é precisamente o abandono do parceiro.
“Pai não é rede de apoio”
Para atenuar esta sobrecarga, Maria Dias sublinha que é importante a mulher ter uma rede de apoio, desde creches ou jardins, uma empregada, um familiar próximo ou até amigos, para ajudá-la nos cuidados do bebé. Entretanto, deixa claro que o pai não é e não faz parte desta rede suporte.
“O pai não está a ajudar a mãe. Está a cumprir a sua obrigação. Ele está a exercer a sua parentalidade, da mesma forma que a mãe está a exercer a sua maternidade. Ele está a aprender, da mesma forma que a mulher não nasce aprendida. E a mulher também tem que dar o espaço para o homem cuidar. Porque muitas vezes queremos que ele cuide do nosso jeito, mas, entretanto, ele tem a sua forma específica de cuidar”, alerta a profissional.