Um grupo de trabalhadores, técnicos do extinto Instituto Nacional de Gestão de Recursos Hídricos (INGRH), está insatisfeito com os moldes em que ocorreu o processo de transição (2014) para a Agência Nacional de Água e Saneamento (ANAS), seu actual empregador. Acusam decisões unilaterais e atrasos no pagamento de retroativos desde 2015.
Em entrevista ao A NAÇÃO, os técnicos, que preferiram preservar as respectivas identidades, mostram-se insatisfeitos com as posições em que foram colocadas na ANAS, alegando que não houve uma transição justa, de acordo com o grau que já ocupavam na antiga empresa.
“Temos feito comparações e, enquanto algumas pessoas subiram mais de 20%, outras ficaram abaixo dos 10%. Não houve uma uniformidade na transição. Havia pessoas que saíram da universidade na altura e ficaram na mesma categoria que técnicos com mais de 20 anos na instituição”, apontam.
Os mesmos dizem ter tentado negociar com a instituição “por vários anos”, sem sucesso. Entretanto, em 2021, o caso foi parar ao Tribunal Judicial da Comarca da Praia, num processo, segundo dizem, movido por um dos trabalhadores da empresa.
As partes teriam entretanto chegado a um acordo, à luz do qual a empresa “compromete-se a regularizar as situações pendentes dos seus recursos humanos, procedendo à reavaliação das transições do INGRH e a regularizar as promoções pendentes”, conforme lê-se na acta de julgamento.
Na sua sentença homologatória, o tribunal considerou válido o acordo efectuado entre as partes, ficando as partes “obrigadas ao seu escrupuloso cumprimento”.
Suposta exclusão na definição de critérios
Aqui surge um novo problema, na óptica destes trabalhadores. Segundo dizem, foi criada uma equipa para definir os critérios, no qual participou um representante dos técnicos, para formar os tais critérios de reenquadramento dos quadros.
Entretanto, o trabalhador escolhido em nenhum momento terá dado informações aos seus pares sobre o decorrer do processo, o que levou a que sua representação fosse contestada.
“Não fomos tidos nem achados. Quando o presidente enviou um despacho dizendo que o representante dos trabalhadores estava de acordo com os critérios, todos nós ficamos contra porque em nenhum momento o representante nos deu satisfação de como estava a decorrer o processo. Ele estava lá para defender os nossos interesses. Foi um processo imposto de forma autoritária”, alegam.
Alegada perda de anos de serviço
Há quem se diga também prejudicado no critério anos de serviço, tendo sido “rebaixado” na transição para a ANAS, em cinco anos de trabalho.
“No INGRH todos os anos se fazia uma avaliação de desempenho, todos tinham sua nota e havia um quadro que dizia onde cada um ficava. Havia uma nomenclatura diferente, era só fazer a equivalência. Por exemplo, um tecnico XA equivalente a técnico nível I, o praticado na ANAS atualmente. A única coisa que deveriam fazer era a equivalência, porque o trabalhador já chegou a um patamar, criam uma nova empresa e rebaixam os trabalhadores de categoria”, acusa um dos ouvidos pela A Nação, defendendo que, após a transição, e já dentro esta nova empresa, é que deveriam fazer o reenquadramento conforme o grau de formação de cada um.
Retroactivos em atraso
Outra queixa destes trabalhadores tem a ver com o pagamento de retroativos referentes ao período de 2015 a 2023.
Na sua sentença, o tribunal pede que sejam regularizadas as promoções pendentes, o que os funcionários entendem que deve acontecer desde 2015.
“Isso não foi levado em conta. Nos foi subido dois níveis a partir de Maio do ano passado, e ainda não recebemos os retroativos anteriores”, alegam, apontando que são mais de 15 técnicos a espera dos retroativos.
Após uma promessa do seu pagamento em Janeiro de 2024, em Fevereiro os trabalhadores dizem ter recebido e-mail onde a empresa informava que devido a condicionantes ligadas à disponibilidade financeira da instituição, 50% do valor seria pago até ao dia 15 de Março, e outro 50% até 15 de Novembro de 2024.
Entretanto, para seu espanto e desagrado, receberam um novo email, um dia antes da data do pagamento da primeira tranche, informando que, afinal, devido a “atrasos administrativos e de homologação”, a data para a compensação foi adiada. Não foi apontada uma nova data para o efeito.
ANAS diz-se tranquila e agindo no respaldo da lei
A NAÇÃO procurou a ANAS para o efeito de contraditório, solicitando uma entrevista com o PCA. Este entendeu, entretanto, esclarecer os tópicos avançados no nosso e-mail de pedido de entrevista, garantindo que o Conselho de Administração “tem sido transparente na sua atuação” e que “encontra-se tranquila quanto às decisões que adota e assume, por todas terem sido devidamente fundamentadas e merecerem o respaldo na Lei”.
No que respeita ao processo de transição e alegada exclusão na definição dos critérios, o PCA da empresa, Cláudio dos Santos, confirmou que após a transição, feita em 2015, houve reclamações da maioria dos trabalhadores, tendo a ANAS acordado rever tais transições.
Entretanto, diz ser “falsa a tese de exclusão na definição de critérios, porquanto foi feita a eleição do representante dos trabalhadores (eleito pelos próprios colegas, sem qualquer interferência da ANAS e através de voto secreto)”.
“O representante dos trabalhadores participou na definição dos critérios, em representação dos trabalhadores e aprovou todos os critérios propostos”, garantiu.
Critérios iguais para todos
esma fonte, que não terá havido uniformização dos critérios, uma vez que foram definidos “dois únicos critérios (antiguidade e habilitações) e “ambos foram aplicados em todas as carreiras”.
Quanto aos trabalhadores que se sentiram rebaixados em categoria, Cláudio dos Santos esclarece que houve essa percepção por parte de algum trabalhador, mas que tal não corresponde à realidade, conforme atestou o tribunal.
“Não existe nenhum trabalhador rebaixado. De facto, houve quem entendeu que teria sido rebaixado e intentou uma ação contra a ANAS, mas o Tribunal da Praia veio a dar razão à ANAS em como não houve rebaixe de categoria”, apontou.
Retroativos no orçamento até final do ano
No que diz respeito aos retroativos em atraso, o PCA explica que o pagamento não constava do orçamento do ano de 2023, porque a Portaria foi aprovada apenas em Janeiro de 2023 (após aprovação do Orçamento).
“Neste sentido, ficou previsto o pagamento dos respectivos retroativos no decorrer do ano de 2024, a ser cumprido integralmente na prossecução do orçamento da instituição até 31 de dezembro de 2024”, precisou.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 873, de 23 de Maio de 2024