Crianças e adolescentes, com idades entre 10 e 17 anos, têm estado a causar distúrbios e perturbação da ordem na zona de Kebra Canela, Praia. Segundo relatos recolhidos pelo A NAÇÃO, estes menores, muitos das quais aparentam viver nas ruas, formam-se em grupos, de mais de cinco, e ficam a pedir dinheiro, furtar objetos pessoais e até mesmo a agir de forma violenta, chegando a aterrorizar as pessoas.
Um frequentador regular da área descreve a situação com preocupação à nossa reportagem. “Chegam aqui, na maioria das vezes, na parte da tarde, pedindo moedas às pessoas. Há quem dê, mas o problema é que não é só isso. Por vezes, se tiverem uma oportunidade de furtar, aproveitam, e ainda fazem outras travessuras”, relata.
Inclusive, a nossa fonte, que teve receio de se identificar, já presenciou estes meninos a apanharam bolsas e carteiras. Segundo conta, o caso mais recente por ele, presenciado, ocorreu há uma semana, quando pediram dinheiro a um casal, que lhes deu, mas mesmo assim levaram a carteira da senhora.
“Não sei bem de onde são todos, mas alguns vêm de Paiol, Lém- Cachorro, Ponta D’Água e outros acho que até vivem na rua, porque passam vários dias com as mesmas vestes. Reparo que os responsáveis dos espaços tentam fazer com que saiam daqui, mas voltam de novo. A polícia vem e os leva, mas quando são largados voltam aqui para importunar a vida das pessoas”, prossegue.
A nossa fonte acrescenta ainda que estas crianças “não respeitam ninguém” e “atiram pedras” e que, inclusive, já quebraram o carro de uma pessoa.
“Há um taxista com o qual tiveram problemas porque lhe queriam quebrar o carro, também porque este tentou por fim numa confusão que tiveram com uma das suas vítimas. Eles atuam em empreendimentos onde há turistas. Estão a ser insuportáveis”, enfatiza.
Mais relatos
Mas há mais relatos de perturbações e desacatos. Empregados de estabelecimentos comerciais locais também estão alarmados. Uma funcionária de uma loja de variedades compartilhou que “eles ficam a circular nos comércios, perturbando clientes. Tentamos afastá-los pedagogicamente, mas é difícil, eles não ouvem. Quando veem turistas, são ainda mais insistentes”.
“Ficam a pedir dinheiro a toda a gente. Há quem, às vezes, os sensibilize e lhes dê algum alimento. Já ouvi relatos de pessoas a dizer que entram nas lojas do Praia ‘Shopping’ para tentar roubar, mas eu nunca vi isso. De vez em quando vejo a polícia atrás deles. Infelizmente, estes meninos estão a incomodar as pessoas pedindo dinheiro e atrapalhando os seus momentos de lazer e em família”, lamenta.
Também um empregado de um supermercado no Praia ‘Shopping’ ouvido pelo A NAÇÃO, afirma que a situação tem sido “um pouco chata”.
“Ficam na beira da estrada pedindo às pessoas que lhes paguem alguma coisa. Às vezes perturbam as pessoas nas mesas e até arrebatam carteiras. Basicamente é isto. Quando a polícia chega saem a correr e são muitos ligeiros. Não sei de onde vêm. Aqui na loja ficamos em cima para não levarem nada, mas acho que eles causam distúrbios maiores nos restaurantes, incomodando clientes. Todos os dias estão pessoas atrás deles, mas não adianta, são crianças traquinas”, finaliza.
Campanha “Não Dê na Rua” quer educar turistas sobre doações a menores no Sal
O Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA) e a Associação “Nu Bai”, na ilha do Sal, lançaram na semana passada uma campanha intitulada “Não dê na rua”. A iniciativa visa sensibilizar turistas e moradores sobre os impactos negativos de oferecer dinheiro ou alimentos diretamente às crianças nas ruas.
A campanha surge num contexto de preocupação com a segurança e bem-estar desses menores, que muitas vezes são vistos pedindo esmolas ou cometendo pequenos furtos, como relatado na zona de Kebra Canela, na cidade da Praia. Zaida Freitas, presidente do ICCA, destacou que, embora o gesto de doar possa parecer nobre, ele acaba incentivando um estilo de vida prejudicial às crianças.
Desafios e perspetivas da campanha
Durante a sua visita de dois dias à ilha do Sal, Zaida Freitas explicou que, sendo esta a ilha mais turística de Cabo Verde, a questão das crianças nas ruas torna-se ainda mais preocupante. “O turismo traz muitos benefícios ao desenvolvimento do país, mas também pode perpetuar problemas sociais. Estamos a intensificar esforços para educar não só os turistas, mas também a população, em geral, sobre os perigos de dar dinheiro ou outros bens diretamente às crianças, nas ruas,” afirmou.
A campanha “sem fotos, sem dinheiro, sem comida e sem donativos diretos” está a ser divulgada pela ilha, envolvendo até os guias turísticos, que são encorajados a destacar escolas e jardins como pontos de interesse, deslocando a atenção das ruas para ambientes mais controlados e seguros para as crianças.
Geremias S. Furtado
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 870, de 02 de Maio de 2024