Por: João Serra
Segundo dados compilados a partir do relatório sobre migrações do INE, quase 18.000 cabo-verdianos emigraram nos cinco anos anteriores ao RGPH2021, realizado em 2021. Emigraram para Portugal 11.111 cabo-verdianos (61,8%), 3.196 (17,8%) para os EUA e 1.182 (6,6%) para França.
Em 19 de outubro de 2022, os governos cabo-verdiano e português assinaram um memorando de entendimento sobre Mobilidade Laboral. Nessa altura, multiplicavam-se ações de recrutamento de empresas portuguesas no país, para vagas em áreas como hotelaria, restauração ou transporte urbano, com milhares de candidatos cabo-verdianos a comparecerem a entrevistas para algumas dezenas de vagas, na sequência da alteração da ratificação do acordo de mobilidade da CPLP e da alteração da lei de vistos em Portugal.
No fundo, o documento assinado visa garantir a transparência no processo, mas também organização e planeamento.
Conforme foi dito, na ocasião, pela representante do Governo português, foram sinalizadas ofertas de emprego por parte de 35 empresas portuguesas que manifestaram interesse e ofertas de emprego já concretas, que identificam logo o salário que se propõe a pagar e as condições que têm para oferecer.
Entretanto, foi recentemente noticiado, nos órgãos de comunicação social, que os cabo-verdianos pediram mais de 16 mil vistos para a Europa, só no primeiro semestre do ano em curso. E foram concedidos quase 13 mil, dos quais quase sete mil para Portugal e pouco mais de três mil de trabalho, conforme dados oficiais.
Assim, ao que tudo indica, a emigração de cabo-verdianos voltou a aumentar bastante. Ou seja, pôs-se como opção, particularmente para muitos jovens, mas com uma particularidade relativamente à emigração no passado: hoje os jovens com maior grau de escolaridade tendem a ter mais facilidade em abandonar o país à procura de um emprego.
Com efeito, dos 17.961 cabo-verdianos que o INE identificou como na situação de emigrante nos últimos cinco anos antes do RGPH2021, 10.322 (57,5%) possuíam o ensino secundário e 2.269 (12,6%) ensino médio ou superior.
Mas porque os jovens cabo-verdianos estão tanto predispostos a mudar de país para trabalhar?
Não tenho uma resposta definitiva à pergunta, mas, à primeira vista, parece-me que o elevado nível do desemprego jovem, os baixos salários e a precariedade laboral, bem como, oportunidades de trabalho surgidas na Europa, particularmente em Portugal, são três dos fatores que poderão ser apontados para responder à questão.
Principalmente o desemprego e os baixos salários e o elevado custo de vida, mormente nos principais centros urbanos, impedem os jovens de alcançar a sua independência e prejudicam a atratividade do nosso país e motivam a sua saída.
De facto, apesar da recuperação que se deu depois da crise económica de 2020, Cabo Verde continua com uma elevada taxa de desemprego e de inatividade entre os jovens. De acordo com dados do Inquérito Multiobjectivo Contínuo (IMC) do INE, em 2022, 51.654 jovens entre os 15-35 anos, tanto estão sem emprego como fora do sistema de ensino ou formação, representando 29,2% do total dos jovens nesta faixa etária. Já considerando a faixa etária de 15-24 anos, a proporção de jovens sem emprego e fora do sistema de ensino ou formação é de 27,8%, equivalente a 22.464 jovens.
Segundo a mesma fonte, o desemprego afeta, sobretudo, os jovens na faixa etária entre os 15 e os 34 anos de idade, habilitados com ensino secundário e médio ou superior, bem como, as mulheres e tanto os residentes na zona urbana como rural.
Os níveis de desemprego e inatividade entre os jovens, relativamente altos, podem explicar a maior predisposição dos jovens cabo-verdianos, hoje, para abandonar o país para encontrar um emprego.
Os jovens são ainda mais penalizados quando se fala em exploração laboral, precariedade e salários baixos. Conforme o já referido IMC-2022, um total de 50.514 empregados, representando 28,4% da população empregada, encontrava-se na situação de emprego precário, caracterizado por ser sazonal, ocasional, temporário ou a tempo parcial. Estimo que a maioria daqueles que se encontravam nessa situação são jovens.
E não é difícil imaginar que muitos desses jovens com emprego precário auferem o salário mínimo nacional (SMN), ou nem mesmo isso. Recorde-se que o SMN é de 15 mil escudos (ecv) no setor público e 14 mil ecv no setor privado.
Mas há também muitos jovens com emprego “ful time”, inclusive jovens com uma qualificação académica de nível médio ou superior, que auferem o SMN ou um pouco mais do que isso.
Portanto, para além do nível alto de desemprego, os jovens trabalhadores enfrentam logo uma barreira muito grande à entrada para o mercado de trabalho, que é a dos baixos salários, e deverão ser muitos os que recebem o salário mínimo nacional, que não chega, de todo, para uma vida digna e equilibrada.
A título comparativo, refira-se que o salário mínimo em Portugal, no setor privado, é de 760 EUR, o que corresponde a 83.801 ecv. Esse valor é quase seis vezes superior ao SMN de Cabo Verde. Por seu turno, o valor médio das remunerações em Portugal, também no setor privado, era, em junho deste ano, de 1.387 EUR (152.938 ecv). E 152.938 ecv é quase cinco vezes superior ao salário médio cabo-verdiano, que não deverá ser superior a 33.000 ecv.
Assim, muitos jovens trabalhadores face aos baixos salários, à precariedade e ao aumento do custo de vida, particularmente nos últimos anos, não veem outra alternativa senão lá fora.
Lá fora, parece-lhes ser muito mais compensador. Na verdade, a comparar com o que se recebe aqui em Cabo Verde, é claramente muito mais. Claro que a habitação é, muitas vezes, muito mais cara lá, mas sobra muito mais ao fim do mês, apesar de todas as diferenças de custos.
Porém, é de se lamentar, particularmente, o desfasamento que existe entre as expectativas dos jovens e estudantes do ensino superior e as oportunidades que depois são oferecidas pelo mercado de trabalho nacional. E a ansiedade começa antes do curso estar concluído, porque os jovens já percecionam um conjunto de barreiras e desafios na entrada para o mercado de trabalho.
Os cabo-verdianos com habilitações superiores que emigram chegam a ganhar três vezes mais nos países que os acolhem do que em Cabo Verde. Muitos deles conseguem empregos estáveis e progressão profissional. E para os que partiram eventualmente a pensar no regresso, parece, agora, que a saída é permanente.
Seja como for, a população emigrante tem uma preponderância de jovens ativos e qualificados, o que traz consequências para o desenvolvimento socioeconómico do país, nomeadamente por três motivos:
Primeiro, porque a saída de jovens para o estrangeiro, a prazo, afeta a força laboral do país, provocando a falta de mão-de-obra na economia. Segundo, a fuga dessa população ativa representa uma redução da receita fiscal e do consumo, o que impacta, negativamente, o Orçamento do Estado, a sustentabilidade da segurança social e a dimensão do mercado interno. E, terceiro, faz-se um investimento na formação dos jovens, que depois não têm o devido reconhecimento na sociedade cabo-verdiana e acabam por emigrar. Isto é, não há o devido retorno para o desenvolvimento do país, a não ser as eventuais remessas que alguns deles possam enviar.
Assim, temos de ser mais ambiciosos e procurar evitar a fuga dos jovens cabo-verdianos.
Os jovens devem ter a oportunidade de ter um futuro promissor em Cabo Verde. Para tal, temos de renovar a ambição e sentido de urgência para a mudança, criando melhores condições para o crescimento económico e a criação de emprego.
É absolutamente urgente encontrar soluções para atrair e reter os milhares de jovens qualificados, garantindo-lhes melhores condições de vida. Precisamos, sobretudo, de assegurar melhores salários, tanto pelo aumento da remuneração como pela criação de melhores oportunidades de carreira. Desafios que cabem ao Estado e às empresas responder.
Praia, 20 de agosto de 2023
*Doutor em Economia