Por: Santa Clara*
Estamos a 19 de Janeiro de 2013, no Estádio Nacional (ex-Stad Soccer City), no Soweto, arredores de Joanesburgo. Cabo Verde entra em campo para inaugurar a sua primeira presença numa finalíssima da CAN. E fá-lo justamente frente aos anfitriões, os Bafana-Bafana, impondo-lhes um empate (0-0). Foi um momento mágico. Mas os Tubarões Azuis viriam a sucumbir aos pés dos Black-Stars do Gana, logo à entrada para as meias-finais (2-0)… e fizeram o caminho de volta, rumo aos respectivos clubes de origem. Foi em Fevereiro de 2013.
Até então, os Tubarões Azuis tinham falhado oito tentativas de participação numa finalíssima da CAN: Tunísia/94 (em 1992), Nigéria-Gana/00 (1997), Mali/02 (2000), Tunísia/04 (2002), Egipto/06 (2003), Gana/08 (2006), Angola/10 (2007), Gabão-Guiné Equatorial/12 (2010).
E à nona seria de vez. Cabo Verde inaugurava a sua presença naquela que continua a ser a maior competição do continente africano a nível de selecções nacionais – a Taça de África das Nações, sob a égide da CAF. E agora entrava para valer. Para aqui chegar, deixou pelo caminho, na última fase preliminar, os Barea do Madagáscar – 0-4, no Estádio Mahamsina (Antananarivo), e 3-1 no Estádio da Várzea (Praia); os Leões Indomáveis dos Camarões – 2-0, no Estádio da Várzea e 2-1, em Yaoundé.
O seleccionador nacional, Lúcio Antunes (LA), e seus pupilos chegaram à terra de Nelson Mandela no dia 17 de Janeiro, com Cabo Verde a integrar o Grupo A, conjuntamente com a África do Sul (anfitriã), os Marrocos e Angola.
23 atletas foram convocados para esta operação. O guarda-redes Vozinha veio do Progresso de Sambizanga (Angola). Com ele, os suplentes Rilly do Mindelense e Fock (sem clube); o sector defensivo foi povoado por Pécks do Gil Vicente, Nivaldo da Académica de Coimbra, Gegê do Marítimo (todos de Portugal), Josimar do Dordretch e Guy Ramos do RKC Waalwijk (ambos da Holanda), Nando do Chatearaux (França), Carlitos do AEL FC Limassol (Chipre) e F. Varela do VC Vaslui (Roménia); para o sector médio, Dany Silva e Babanco, ambos do Olhanense, Sténio do CD Feirense e Platini do Santa Clara (Portugal), T. Varela do Sparta de Roterdão (Holanda), M. Soares do Omonia (Chipre), Rony do Fola (Luxembugo); o sector ofensivo foi confiado a Ryan Mendes do Le Havre (França), Djaniny do Olhanense, Rambé do Belenenses, Heldon do Marítimo (Portugal) e J. Tavares do Dijon (França).
Sem dúvidas, uma das selecções mais fortes que Cabo Verde já tivera até então.
E a estreia deu-se no dia 19 de Janeiro, frente à anfitriã África do Sul, comandada pelo técnico Gordon Ingesund, no emblemático Estádio Nacional (ex-Stad Soccer City), no Soweto, arredores de Joanesburgo. Os Tubarões Azuis não foram para além de um nulo (0-0), score que lhe deu direito a apenas um ponto, num jogo presenciado por cerca de 87.000 espectadores nas bancadas.
Mas mantiveram o consolo pelo empate entre as duas outras equipas do mesmo grupo – os Leões do Atlas marroquinos (seu próximo adversário) e os Palancas Negras de Angola. Significava que, por ora, tudo estava na estaca zero, pelo que não era difícil refazer as contas: ficar na dianteira do “Grupo A” e marcar terreno seguro em direcção à passagem para a fase seguinte desta CAN/2013, impunha agora aos Tubarões Azuis derrotar os marroquinos no jogo seguinte e aguardar que os Bafana-Bafana voltassem a empatar, agora frente aos Palancas Negras de Angola.
Mas nessas coisas, contas são contas e jogo é jogo. E justamente por isso, os Tubarões Azuis outra coisa não fizeram, senão, reeditar o resultado do primeiro jogo. Ou seja, não foram para além de mais um empate (1-1, golo de Ryan) frente aos marroquinos, entregando a dianteira do pelotão aos sul-africanos que, depois de imporem uma derrota de 2-0 aos angolanos, assumiram-se como líder do grupo.
Aparentemente, os dois empates dos Tubarões Azuis não eram tão maus assim, tanto mais que o caminho para a fase seguinte – os quartos de final – ainda estaria aberto, desde que vencessem o terceiro jogo, agora frente aos Palancas Negras, e os Leões do Atlas não fossem para além de um empare diante dos Bafana-Bafana.
LA e os seus colaboradores directos não podiam, portanto, perder este jogo, sob pena de se verem ultrapassados pelos angolanos que espreitavam um resultado gordo que lhes permitiria fazer um acerto de contas, o tal jogo do goal-average, que lhes abrisse caminho a um lugar ao sol no torneio – a desejada passagem às quartas-de-final. Era a derradeira partida dos Tubarões Azuis nesta fase preliminar, que agora punha frente-a-frente os dois lusófonos do grupo. Os cabo-verdianos chegaram ao Nelson Mandela Bay Stadium, em Port Elizabeth, com 2 pontos (0-0/1-1), os mesmos que Marrocos (1-1/2-2), contra os 4 dos anfitriões da África do Sul (0-0/2-0) e apenas 1 do lanterna vermelha, Angola (2-2/0-2).
Numa partida presenciada por escassos 5 mil espectadores, LA e seus atletas fizeram um jogo brilhante. Com Gegê e Heldon a marcar, dobraram os angolanos e facturaram os três pontos que estavam em disputa, impondo uma derrota de 2-1 aos angolanos, depois de estarem a perder por 1-0 (autogolo de Nando). Somando agora 5 pontos, os Tubarões Azuis tinham o passaporte carimbado para a fase seguinte, mas dividindo a dianteira do “Grupo A” com os sul-africanos (melhor goal-average), que haviam empatado frente aos Marrocos (2-2).
Em Cabo Verde, os residentes, a mais de 7.100 km (rota aérea) da África do Sul, seguiam via Internet e pela televisão em bares, cafés ou restaurantes o ineditismo da proeza e vibravam pelas ruas. Sequer o Governo ficou indiferente, presenteando jogadores e equipa técnica com um cheque de cinco mil contos. Já com os dois pés assentes nas meias finais, Lúcio Antunes espicaçou o ânimo dos atletas, colocando a fasquia bem alta: vencer a 29ª edição da CAN. Contudo, a ideia das vitórias morais pareceu ter-se feito presente. A tal ideia de que, doravante, qualquer resultado já era bom.
Estamos agora a 2 de Fevereiro de 2013, no dia em que os Tubarões Azuis regressam ao Nelson Mandela Bay Stadium, em Port Elizabeth, agora para os jogos das meias-finais. LA apostou nos melhores: Vozinha (GR), Nivaldo, Nando, F. Varela, Carlitos, T. Varela (Djaniny), Babanco, M. Soares, Heldon, Ryan Mendes (Platini) e J. Tavares (Rambé). Os adversários eram agora os poderosos Black Stars do Gana, que buscavam na África do Sul seu 5º título. O técnico ganês, James Appiah, lançou Dauda, Aftul, Vorsah, Boye, Pantsil, Rabiu (Boateng), Agyemang, Adomah (Mubarak), C. Atsu (Asante), Asamoah e Gyan. E o desfecho é o que conhecemos: com um penalti convertido em golo, aos 52’, por Mubarak Wakaso, avançado dos Rubin Kazan da Rússia, os ganenses resolveriam o jogo aos 95’ com o segundo tento, convertido pelo mesmo Wakaso.
Terminava aqui a aventura cabo-verdiana pelas terras sul-africanas, neste campeonato de futebol de selecções, conquistada pela Nigéria, agora pela terceira vez.
Desde então, nunca mais os Tubarões Azuis foram tão longe numa CAN.
Esta rubrica é quinzenal. Na próxima edição, escrevo sobre as grandes incidências do terrível jogo das meias-finais, frente ao Gana, na CAN 2013, que teve como protagonistas o árbitro Rajindraparsad Seechurn e os atletas do Black Stars Asamoah Gyan e Mubarak Wakaso. Escreva-me para santaclaraj2m@gmail.com
*Pseudónimo de José Mário Correia