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Cultura

Menos bagagem e um filme na mochila

Emília Wojciechowska, polaca e jornalista, é uma viajante apaixonada pela descoberta de outras realidades. Mas não só gosta de descobrir para si, como também de deixar novas experiências nos lugares por onde passa. Por isso, um filme na mochila faz sempre parte da sua bagagem, que é pouca, mas carregada de significado. 

É assim que, nos últimos cinco anos, esta jornalista, realizadora e produtora de cinema, da Polónia, tem levado a sétima arte a várias comunidades pelas ilhas de Cabo Verde, especialmente para crianças, através do projecto “Filme da mochila”.

“Coloco uma mochila às costas, dentro da mochila levo um projector, uma coluna Bluetooth. Hoje em dia não precisamos de fitas e de grandes aparatos, basta um computador e basta”, revela Emília Wojciechowska.

O objectivo, segundo conta ao A NAÇÃO, é levar o cinema cabo-verdiano e de outros Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) às comunidades onde vai conseguindo chegar, pelas ilhas. Os filmes são exibidos em escolas, praças, restaurantes e “qualquer lugar que tenha electricidade (ou um gerador), uma parede branca” e um punhado de pessoas para assistir. 

Os filmes exibidos dependem do horário e do público que vai assistir. “Mesmo que seja numa praça, às 20 horas, sei que vai sempre haver uma criança assistindo, então tenho sempre esse cuidado em fazer uma escolha equilibrada”, explica. 

Inspirar crianças 

Uma vertente “muito importante” deste projecto é ir a escolas. “Para as escolas escolho filmes cujas personagens são crianças, assim como as que vão assistir. Tenho uns filmes feitos em São Pedro (São Vicente) com a técnica de ‘stop motion’, em que crianças foram buscar lixo ao mar e fizeram uma cachupada. É um filme de um minuto que nas escolas pode servir de ponto de partida para uma conversa sobre o tema”, exemplifica. 

Emilia diz fazer com gosto a exibição de filmes em qualquer lugar. Porém, revela, nas escolas o sabor é sempre diferente e especial. “Fui a São Nicolau e ver as crianças a reconhecerem pessoas, lugares e histórias que os representam não tem preço. Tenho vários filmes que falam sobre sonhos, então quando perguntamos o que eles querem ser no futuro há sempre alguém que quer ser realizador de cinema, então tenho a esperança que essas sementes que estamos a lançar venham a dar frutos”, aponta.

Discussões nas universidades

Emília Wojciechowska também tem levado filmes às universidades, com temas voltados para a camada jovem, entre os quais o abuso sexual e que servem como mote para debater várias questões sociais.

 “Os filmes acabam por servir muitas vezes como terapia. Há temas que são mais sensíveis e é sempre mais fácil despontar uma conversa sobre eles quando se tem um filme. É como se nos sentíssemos protegidos”, explica. 

Filmes na Mochila está na estrada há mais de cinco anos e já chegou em comunidades das ilhas de São Vicente, Santo Antão, São Nicolau, Boa Vista, Sal e Santiago. É um projecto sem fins lucrativos, que começou sem qualquer apoio e aproveitando as viagens pessoais da mentora. Entretanto, a mesma garante que a iniciativa tem vindo a granjear mais interesse e já começa a contar com algum apoio.

As próximas paragens vão ser no interior de Santiago, Maio, Brava e Fogo, visitando os lugares e ilhas que ainda não tiveram a oportunidade de receber o projecto.

Fica, por isso, o convite/apelo a quem tenha um espaço onde se possa projectar filmes, seja uma casa privada ou um quintal, que entre em contacto para ser uma sala de cinema por alguns momentos.

“Cabo Verde me escolheu”

Emília Wojciechowska, polaca, 41 anos, chegou a Cabo Verde pela primeira vez em 2011, através de um trabalho de voluntariado, ainda na universidade.

“Trabalhava com voluntariado com jovens e crianças, num projecto ligado à educação não formal ou cultural. Depois, quando terminei os estudos, fui fazer um projecto no âmbito da União Europeia para a Itália e a seguir regressei para a Polónia, onde trabalhava no ramo editorial e continuei a fazer voluntariado”, recorda.

Entretanto, segundo conta, por várias coincidências, recebeu uma proposta para fazer um projecto em Santa Cruz, durante seis meses. Regressou a Cabo Verde com um bilhete de ida e volta, mas nunca chegou a voltar de vez. Apenas para ver a família e amigos.

Emília diz que não escolheu Cabo Verde, mas o contrário. Foi escolhida para ficar.

“Desde o início me senti bem acolhida, como se estivesse no meio de primos e primas e isso me fez ficar. O lugar é lindo, sim, mas ao longo do tempo se não tivermos pessoas à nossa volta, das quais nós gostamos e gostam de nós, que nos fazem sentir aceites, fica difícil. Em Cabo Verde encontrei a minha segunda casa”, garante.

Actualmente Emília Wojciechowska trabalha também com a produtora Kori Kaxoru Fims, no âmbito do qual está a co-desenvolver o projecto Mankara Cineclube, ao lado de Natasha Craveiro.

 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 859, de 15 de Fevereiro de 2024

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