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Regresso ao Passado: Blick Tchutchi, símbolo da nova temática na música de Cabo Verde

Por: António Andrade  

Natural do concelho do Tarrafal que se localiza a norte da ilha de Santiago em Cabo Verde, onde nasceu em 1955, o homem em título, e baptizado pelo nome de Estevão Costa, mais conhecido por Blick Tchutchi, ou Blyk, segundo sites da especialidade, é considerado por muitos – incluindo obviamente o articulista – um dos artistas mais versáteis e conceituados da música de Cabo Verde, da geração de compositores e intérpretes que terão surgido, quer no país, quer na diáspora, no alvorecer da década de oitenta, ou pelo menos, tornaram-se muito conhecidos do público, nessa altura, ab initio, com um disco gravado.

Tais cantores e compositores, tiveram grande receptividade em Santiago e um pouco por todo o arquipélago e ganharam estatuto e notoriedade, tanto de compositores, como de cantores de temas próprios, de entre os quais, perfila o Blick, numa razão muito simples: por conferir às suas letras e melodias, clareza, leveza e harmonia, à semelhança dos seus pares, mas ao mesmo tempo atribuindo-se-lhes conteúdo e expressividade num tema pouco explorado.

Ou pelo menos nunca dantes cantado ou composto, até aqui por qualquer artista, da forma como o fez, depois de emigrar, mostrando e pondo a nú, uma das vertentes do comportamento humano, tida por tabú entre nós, como é o relacionamento Homem-Mulher de tendência sexual e seus problemas, e pelo meio o amor, a estima e o respeito dos quais goza totalmente o ser Feminino.

Mas, antes de debruçarmos no tema propriamente dito, tem-se que o concelho que o viu nascer, celebrará no próximo dia 15 de Janeiro, o seu Padroeiro, o Santo Amaro Abade, que coincide com as festividades do município.

O Tarrafal é rico em festas e romarias a maioria das quais possui fortes tradições religiosas. São cerca de dez delas. Mas as festas que sobressaem são as do Município e  de “Nhu Santo Amaro”, que sempre se celebram no mesmo dia, sensivelmente, a meio do primeiro mês do Novo Ano.

Por esse motivo, antes e nesse dia, deslocam-se ao concelho em massa, milhares de festivaleiros, de fiés e de peregrinos, que vão juntar aos residentes, a fim de participarem nas actividades profanas e religiosas, naquelas que são consideradas das mais socializadas, emblemáticas e devotas Festas de Romaria da ilha de Santiago e do país.

Emigração para Terra Longe

Blick Tchutchi viveu sua infância e adolescência nesse concelho santiaguense, nos anos 60, até a altura de emigrar para o estrangeiro.

Nessa fase do arrebol escarlate e doirado da vida, o adolescente de 15 anos, tinha então deslocado ao Colonato Chão Bom de Mangue, uma zona concentrada à volta da farta baía ladeada de um denso manguezal, que deu nome ao lugar – Mangue, à procura de trabalho que lhe foi recusado, alegadamente por ser menor.

Chegando em casa descontente, contou o sucedido à sua mãe, e da sua ideia em emigrar – na sua mente não havia outra solução – tendo a mesma aceitado e lhe abençoado, e pela primeira vez, em 1971, viajou para Portugal, à procura de dias melhores e com intenção de conseguir o provento com que pudesse ajudar a família que deixara no seu concelho. O episódio gravou-o na faixa A1 “N´Bem Pa Estranjero” do LP “Libra De Boca Mundo” de 1983.

Muito jovem ainda, como se disse, tinha acabado de seguir idêntico itinerário à época da maioria dos cabo-verdianos e cuja vontade e propósito, seriam, além da busca de uma vida mais desafogada, mas também para fugir às secas que assolavam o arquipélago em anos sucessivos.

Assim, e, com objectivos únicos que Blick finalmente pisou – o el dorado dos cabo-verdianos na Europa que era Lisboa – juntando-se aos muitos dos nossos patrícios na antiga Metrópole, com o espírito animado e cheio de expectativas para vencer, motivos suficientes para o tornar esperançoso, onde assentou arraiais em Alverca, cidade da freguesia do mesmo nome do Ribatejo do distrito lisboeta.

Desta forma, estando em Portugal e ali permanecendo, teve de engrossar a estatística da emigração cabo-verdiana para a terra longe, este termo, referenciado pelo poeta são-nicolauense Pedro Corsino de Azevedo, depois deste também ali ter emigrado, mas por doença que sofria de tuberculose, e num dia de grande inspiração, ele escreveu um dos seus melhores poemas de sempre “Terra-longe”, eternizado numa publicação da revista Claridade, provavelmete em 1947/48, no qual narrou que estando lá longe, sonhou com a sua progenitora, ao tempo em que aqui vivia no torrão natal, e poetizou simplesmente, mas com mestria isto: “Terra-longe tem gente-gentio, gente-gentio come gente“, que lhe foi alertado pela mãe – quanto aos perigos e desafios da emigração.

Desígnios de Deus

Mas Blick, pelos vistos, não tinha ou pelo menos, não sentia muito essa apreensão ou ressentimento do anormal que poderia ocorrer da sua estadia em terra longe, à semelhança do que ia na alma de quase todos os cabo-verdianos que um dia escolheram o caminho da emigração na fuga às intempéries, também no interior do seu espírito de busca permanente, tendo como meta alcançar algo diferente no horizonte da vida, mesmo sendo jovem adolescente – senão, não teria emigrado – porque veio provar isso mais tarde, tudo que ambicionava estava emergindo na sua veia poética, em outras palavras, nos desígnios de Deus, e para esteticamente dispô-lo em letras de música.

Os desígnios contidos no destino irrevogável que a Providência atribui a cada criatura, cada um com o seu próprio destino, iria utilizar de forma diferente, através do seu talento nato, naquilo que muitos consideram ser, as trivialidades no relacionamento Homem-Mulher e outro tipo de relacionamento, que não seriam aceites, todavia, pela sociedade, se quem os pratica, for além da razoabilidade imposta pela lógica ou pelo bom senso.

Melhor dizendo, quando tais comportamentos ultrapassarem os limites da normalidade, Blick os imaginou, tal como aconteceram na realidade, de forma brejeira, nas letras das músicas que viria compor mais tarde.

Evidentemente que isso não iria cair do céu, como diria o outro.

Confiante, e para evitar ao que por vezes muita boa gente dizia naquele tempo, que alguém caiu de pára-quedas, sempre quando surgiu com um disco gravado, sendo contudo, menos conhecido nessas lides, como Blick era, nessa altura, aqui em Cabo Verde, obrigou-lhe – antes que tudo acontecesse – que fosse estudar música.

Escola de Música

Segundo o site CABO VERDE info, que contém algumas informações da sua actividade musical na emigração, Blyck entrou, em 1976, para a escola de música de Alfredo Marujo, em Alverca, onde residia e ainda hoje reside desde que emigrou.

Nessa escola começou a aprender a tocar viola, instrumento muito importante ao longo de toda a sua carreira.

Diz ainda aquela página online, que anos mais tarde conheceu os músicos Simão, Zeca, Chico e Eduíno, todos eles naturais da ilha de São Nicolau em Cabo Verde, sendo que, eles tocavam violão e cavaquinho, pelo que tocando nas Serenatas, aos fins de semana, o artista em apreço, começou com estes músicos, a aprender os ritmos cabo-verdianos e a colocar à prova a sua voz na esperança de no futuro, conseguir gravar o seu próprio álbum

Nova Temática

Mas, o que resulta de engraçado e importante na sua história de vida musical, é que o artista conseguiu reunir diversas composições sobre o relacionamento Homem-Mulher, fruto da sua meditação e observação do que vinha ocorrendo na sociedade, e teve o ensejo e a coragem de expor, uma delas, logo no primeiro disco que gravou nominado “Na Quel Dia Tão Lindo”, cuja composição homónima ouve-se na faixa A1, num resultado típico do que caracteriza um fenómeno.

Ou seja, por um motivo muito simples: desde os primórdios dos tempos até a actualidade, que casos do género, eram considerados tabus, e por isso, vinham persistindo no segredo dos deuses. Salvo uma ou outra composição sobre o tema, mas dispondo letras com conteúdos em sentido figurado. Só podia ser obra de um observador atento e ousado, como fez-se representar Blick Tchutchi, para os divulgar.

Mas mais, os factos em si, precedentes de gestos, por nós, caracterizados de esperteza e brincadeira, insertos nas suas temáticas, tanto na faixa A1 do supra referido LP “Na Quel Dia Tão Lindo”, editado em 1980, bem como na faixa B3 “Cu Formiga Cu Tudo Gosta” do LP “Na Paz De Deus”, produzido seis anos depois, nas quais interpretou em estilos de funaná da sua própria autoria, consequência – como foi dito – da sua observação, visão e meditação antes de iniciar suas gravações.

São corolários do que estava acontecendo anteriormente, e vêm assumindo aspectos, hoje em dia, de outras formas de comportamento humano, como a violência sexual infantil ou a baseada no género etc.

Neste particular, os últimos fenómenos precisam ser fortemente combatidos (violência sexual infantil e violência baseada no género), além da instância judicial, local onde vêm sendo tratados, mas também com a voz do artista, dado às suas gravidades, à semelhança do que fez com os primeiros, (esperteza e brincadeira), de forma adequada, ajudando para que fossem diminuídos gradualmente seus casos, e consequentemente, afastados do nosso meio.

Entrementes, após aparecer no primeiro disco, o artista, como sempre, apoiando-se na crítica positiva, e em complemento, veio apelar à estima e ao respeito da Mulher, porquanto “Mulher É Amiga De Home”, ilustrado neste reggae crioulo que gravou na faixa A2 do “Libra de Boca Mundo”, já referido.

Uma nota curiosa: há uma tendência social de se avaliar a mulher pelo êxito do seu marido ou do seu próprio filho, e há um adágio popular que diz que: por detrás de um grande Homem há sempre uma grande Mulher. Outro afirma que: ao lado de um grande Homem há sempre uma grande Mulher.

Da parte do significado desses ditados e do artista e sentido da música que compôs, para um bom entendor meia palavra basta. A Mulher é na verdade a amiga do Homem.

Nesse período de tempo, pode-se afirmar que, foi deste modo, que Blick deu sinais seguros e claros para ser um dos mentores da Nova Temática, ou seja, dos novos propósitos, novas melodias e letras diferentes a serem contidos na música de Cabo Verde, e clamando ao respeito da Mulher tout court.

Já que, antigamente as letras, principalmente de mornas e de coladeiras, ou samba cabo-verdiano, quase todas versavam sobre críticas formuladas pela sociedade, tendo sempre a Mulher como protagonista em relação ao Homem seu parceiro sexual, no que respeita à falsidade, ao desprezo, à “injúria”, ao descrédito, à deslealdade e à malícia etc.

Ouça-se para ilustrar a ideia, de entre outras, as letras e músicas do “Amor de fantasia” e “Vra Tchiff” atribuídas a Gregório Gonçalves (Ti Goy) e Manuel d’ Novas, respectivamente.

Num repente e num pensamento sublime, de tendência e sentido solidários com a Mulher, virou a temática em relação ao seu protagonista, isto é, centralizou a vitimização do ser Homem para o ser Feminino.

Convém referir, que nesses estilos apresentou temas interessantes de ritmos ligeiros diversificados, divertidos e adequados à situação em que ocorreram – bem como em canções românticas – designadamente no funaná, na coladeira, samba crioulo, canção, reggae crioulo e jamaicano, morna e morna canção etc.

Por momentos, retratando o cenário ocorrido, sempre a favor do sexo oposto, isto é, da Mulher, aliás ele elegeu o amor, a estima e o respeito em relação a essa criatura – como sói dizer-se  –  a maior parceira do Homem!.

Outras vezes, dedicou em exlusivo um tema à Mulher cabo-verdiana, às raparigas, de cariz sentimental intitulado “Criola de Nôs Terra”, inserido na penúltima parte do “Na Quel Dia Tão Lindo”, no qual, com laivos de romantismo, confessou o amor por uma Crioula de “boca cor-de-rosa” que lhe intentava, de “corpo mimoso” que lhe iludia e “olhos brilhantes” que lhe iluminavam o caminho e que o seu amor é sempre “destinado a uma Crioula“, referindo-se, por isso que a sua imagem encontrava-se “gravada na sua memória“.

Daí que, tal postura sobre o tema Mulher e o respeito e outros afectos que ela merece, são encontrados, não somente nos dois primeiros trabalhos discográficos, mas em quase todas as suas produções subsequentes gravadas em terras lusas.

A ponto de alguém afirmar, certo dia, que Blyk só cantava tema de Mulher! Mas, como veremos adiante, interpretou também as diatribes da vida em sociedade, as nostalgias da sua terra natal Cabo Verde, e da mãe, que por cá ficara etc.

Nalgumas das suas criações, apelou também à bondade e expurgar a maldade, exortou igualmente aos Mandamentos e à Paz de Deus.

Dilemas éticos

Do que se apercebe, as razões sublimadas pelas quais Blyck se sentia inconformado do que acontecia ao derredor, na terra onde nasceu, ou de um modo geral algures no arquipélago, é que, assolado pelos dilemas éticos que consubstanciaram a sua adolescência, dos quais ouviu contar ou assistiu nessa época, fizeram-no meditar-se, e de modo crítico, expô-los à sociedade.

Todavia, não da parte do comportamento da Mulher em relação ao Homem, mas inversamente, na qual o indivíduo é o epicentro ou o mau da fita em relação à Mulher, sendo esta por causa disso, vítima de uma situação de relacionamento anormal, desleal e desrespeitoso.

Diz um site sobre a matéria que dois requisitos éticos são conflitantes se o agente pode realizar um ou outro, mas não ambos: o agente tem que escolher um em vez do outro.

Dois desses requisitos não superam um ao outro se têm a mesma força ou se não houver razão ética suficiente para escolher um em vez do outro, sendo que nenhum deles é válido ou aprovado do ponto de vista positivo.

Por mais curioso que seja, Blyk escolheu como tema comportamental do Homem em relação à Mulher na música de Cabo Verde. Inverteu os papéis.

Por isso, não espanta que faz o seu protesto ou então, faz a sua exposição, sobre a situação imposta, causada pela convivência Homem-Mulher, que resultou do acto com característica de violência sexual, não no judiciário, mas no ambiente da criação e interpretação, para também em apelo chamar atenção, por sua vez, ao meio envolvente com vista a um mundo cada vez melhor.

Ele também não sendo advogado do foro, no entanto, mostrou-se sê-lo, como se disse, no campus musical, defendendo as mulheres da sua comunidade e consequentemente de todo o mundo.

Lucubrações filosóficas

Está-se certo de que o indivíduo para satisfazer a sua lascívia e os apetites sexuais, através de esperteza ou brincadeira, envolvendo malícia, iria seguir a vítima aos confins do planeta, até concretizar os seus intentos, obtendo normalmente o que pretendia: a satisfação do seu desejo sexual em detrimento da vitimização da Mulher, resultando dela consequente sofrimento.

Mas, o que o homem cantor e compositor alertava e clamava à atenção social no sentido invariavelmente crítico, era que isso deveria ser denunciado à sociedade embora esta, de alguma forma dele teve conhecimento. E não fez mais do que isso. Por vezes, aconselhando o seu ser-semelhante.

Com o que?

A dado momento, já referido, denunciando a esperteza e a brincadeira da parte do indivíduo “Na Quel Dia Tão Lindo”, e “Cu Formiga Cu Tudo Gosta”.

Ou enaltecendo a saudade num adeus de partida “Tempo Ca Ta volta”, da amizade de uma Mulher ao seu parceiro de vida em comum “Mulher É Amiga de Home”. Ou a livrar-se das maledicências da sociedade, “Libra de Boca Mundo”.

Ouça-se, relaxando com as cadências, letras e melodias dos emblemáticos ritmos, “Na Quel Dia Tão Lindo”, “Libra de Boca Mundo”, “Ca Bale Mas” e “Cu Formiga Cu Tudo Gosta”. Um menos ligeiro do que outros, mas considerados por muitos e por nós, e para todos os efeitos, quatro de suas melhores produções musicais no domínio do funaná.

Estando artista maduro, há já alguns anos, viria expor sempre em versos estruturados e expressivos – como é da sua praxe -, i. e., com ritmo e sentido poético-filosófico, as vicissitudes da vida mundana, na faixa 13 “Beleza de mundo” do LP “Pé fincado na Tradiçon”, de 2009, expondo que o mundo era lindo, a maldade é que perpassava aqui e acolá, ao invés de se pensar em Deus, pensava-se no dinheiro, provocando estragos a cada um.

Que os anjos da guarda estariam cansados de nos guardar e Deus quase a abandonar os mortais. A natureza descontente face à maldade dos homens. Mas que o mundo era lindo, concluía – desta forma – Blick Tchutchi.

Deste modo, é caso para dizer, não é demais, exigir-se de todos, um pensamento profundo, à lucubração filosófica mais assertiva, com vista à melhor e mais integração, realização e igualdade da Mulher em paridade com o Homem, em todas as esferas da vida em sociedade. Todos somos seres humanos, e portadores dos mesmos direitos naturais, ou seja, todos dispomos de iguais direitos fundamentais tal como reza a Lei Magna cabo-verdiana e de outras nações com igual regime estabelecido de Estado de Direito.

Amizade Mulher- Homem

Confesso humilde e sinceramente, que qualquer pessoa apreciadora da música, ao ouvir as letras e melodias do artista, percebe-se e vê facilmente tanta indiferença e descaso mesmo em alguns, ter de considerar, em tudo trivial, o comportamento em comum e outro tipo de relacionamento, que envolvem Homem-Mulher, contrariamente, para o artista, o mais importante seria o amor, a estima e o respeito a todas as mulheres de Cabo Verde e da humanidade. É mesmo ele quem compôs e cantou:

“É é é, Mudjer é amiga de Home! É é é, Mudjer ca merece castigo!

… Sima qui Mudjer e ca critura humano,

Mas nhos fica ta lembra Mudjer e amiga de home!

Es ca merece castigo, es precisa de amor  … Si bo ta estima bo mudjer, ami e bo midjor amigo, si bo ta maltrata bo mudjer, ami e bo pior inimigo…”

Com isso, terá entrado pela porta grande na galeria dos cantores e compositores que, como atrás se disse, enaltecem a amizade, a estima, o cuidado e o respeito a ter com a figura da Mulher.

Com olhar de lince e ouvido apurado, na leitura, audição e análise das composições que produziu e seus conteúdos, vai-se concluindo pontualmente, que de facto, além de ser um excelente artista e de topo, Blick era e é, um homem bom, aliás, pelo que se viu atrás, diz o povo, pela bandeira se conhece a nação.

Ildo Lobo e Paulino Vieira nas Suas Amizades

Em 2007, num concerto em Espanha, por ocasião da “Semana de Cabo Verde na Galiza”, aos 51 anos de idade, Blick, que esteve vários anos ausente, na idade madura procurava retomar a carreira depois de um interregno de 16 anos, revelou ao então site Kriolidadi do jornal A semana, datado de 26 de Outubro daquele ano, num trabalho assinado pelo jornalista José Vicente Lopes, que o seu próximo CD denominado “Pé fincadu na Tradiçon”, já referido, que ia sair em Novembro do referido ano, teria 12 inéditos, todos da sua autoria, um dos quais em homenagem a Ildo Lobo, outro artista cabo-verdiano de dimensional excepcional, já falecido, afirmando que: “Ele foi muito meu amigo e a sua morte, naturalmente, foi uma tristeza para mim”. Ouça-se a faixa 12 do citado disco.

Mais um outro grande amigo dele de longa data, é Paulino Vieira, por quem Blick disse ao site, ter uma imensa estima, pois, foi ele quem fez a orquestração de quase todos os seus discos da primeira fase, afirmando de entre outras ideias que: “Nem sempre é possível encontrar um músico que seja capaz de ajudar um cantor a transmitir aquilo que quer. Comigo o Paulino conseguia isso”.

Nasci para Cantar

Na ocasião, o site, ainda referiu que Blyk Tchutchi, que já tinha surgido ao meio musical, acima referido, com o álbum denominado “Regresso”, da editora Sons de África, disse que ia retomar a carreira, e tinha a ver com o pedido das pessoas que quando o encontravam queriam saber o que tinha provocado o “eclipse”.

Por causa do carinho e da insistência dessas pessoas decidi regressar, empurrado também pelo Filipe Santos. Estou a ser bem recebido e estou satisfeito. O meu próximo disco sai em Novembro (2009), espero que as pessoas gostem”.

Ali mesmo, o autor de “Cu Formiga Cu Tudo Gosta” e outros hits da época, nomeadamente o badalado funaná “Na quel dia tão lindo” ou o samba crioulo “Tempo ca ta volta”, revelava ao Kriolidadi que: “Além dos géneros que me tornaram conhecidos, agora também interpreto kizomba, de Angola”.

Para concluir com isto:

Num disco meu, digo que nasci para cantar. Não canto só, porque vi alguém cantar e resolvi fazer o mesmo. Eu sinto no meu íntimo que nasci para cantar e se não vivo apenas da música é porque Cabo Verde é pequeno, o nosso mercado é pequeno, mas mesmo assim sinto-me bem quando canto”.

Super Blick!

O seu primeiro disco que veio a público, obteu um estrondoso sucesso, com o já supra referido LP “Na Quel dia Tão Lindo”, contendo 10 faixas, produzido em Portugal pela gravadora Arsom Records, com arranjos do conjunto Tulipa Negra.

Na altura suponho que alguém imbuído de emoções aqui, ali ou algures em Santiago, ao ouvir e apreciar o disco, pela certeza, teria afirmado, Super Blick!

A partir daí, se tornou muito conhecido em Cabo Verde, ao introduzir no LP, a voz sui generis, e as letras praticamente de todo criadas isoladamente, que chamou a atenção, além do timbre da voz, a querer ser rouca que não é, mas sobretudo das letras terem sido concebidas, versando assaz o relacionamento Homem-Mulher, da lavra de um compositor corajoso, narrador, exponente e poético.

Promoção do disco

Após a edição do “Naquel dia tão lindo” no início da década de oitenta, Blick, esteve em Cabo Verde para a sua promoção em concertos de palcos e não só. Também em Portugal e Holanda etc., ali nesses países deslocou-se acompanhado do conjunto Tulipa Negra.

Esteve ainda no seu concelho dando concertos por diversas vezes e na ilha da Boavista, e suas participações tanto no arquipélago, como no estrangeiro, são imensas, apenas informamos aquilo que dele tivemos conhecimento.

O concelho não ficou para trás, teve de lhe dedicar uma canção “Tarrafal É Nha Sonho”, que se ouve na faixa A2 do LP “Pensa Dia de Manhã”, gravado em 1987, juntamente com o irmão Loy D´Tchutchi.

Anteriormente já o tinha feito para com a Capital cabo-verdiana, mas sozinho, com o reggae “Praia é Nha Cidade De Amor” na faixa B2, mas do LP “Na Paz De Deus” (1986).

Reportando, mais uma vez ao site CABO VERDE info, Blick participou, em 1990, do LP Encontro de Artistas, que tem como vocalistas, Zé Orlando, Pedro Ramos, Nuno Santos, Djô, Toy Vieira, Zé Lino e seu irmão Loy.

Esteve na sétima edição do festival Badja Ku Sol em 2015, onde fechou a primeira noite do espectáculo, no dia 11 de Julho, no areal da Gamboa na Cidade da Praia, juntamente com jovens músicos da nova geração, como Mito Kaskas, Kiddye Bonz, Charbel etc.

No mesmo ano, como artista convidado na I Edição do Somos Cabo Verde, ainda na Capital, fez um dueto improvável com Fattu Djakité, com o hit da sua própria autoria “Cu Formiga Cu Tudo Gosta”, inserto no site You Tube.

Em 2020 gravou um clip no mesmo certame de vídeo (You Tube), com a canção “Inimigo Invisível” (Corona vírus), em plena pandemia, onde expôs mensagens que contribuíram para a motivação dos que trabalhavam para debelar o mal do século; os profissionais de saúde e condolências àqueles que morreram vítimas da doença.

Finalmente, recuperou-se em consequência, ainda alguns trechos, apenas um cheirinho, de mais cinco de suas, já referidas, melhores composições de sempre:

NA QUEL DIA TÃO LINDO LP (Faixa A1)

“Na quel tão lindo, te qui céu azul, dia di Sol brilhanti, é dia de exploraçon pami,

Bu fingi cara de nocenti, bu tchomam cu sinceridadi, nha amor obrigan respondebu, bu rabentan bu largan damon…”

TEMPO CA TA VOLTA (faixa A5 LP “Na Quel Dia Tão Lindo”)

“Nha amor sta la sim na janela ta acenam

Cu se lágrima na odju, sima e ta djobem é ta tchora!

Mi cu nha hora marcado , pam bai é pa strangero

Oi tempo ca ta volta, nem avion ca ta speran!

Ma tempo ca ta volta oi nha amor avion ca ta speran!

Djan bai pa nha caminho, mi um leba sodadi di bo…

… Nha coração fica co bo, até um dia qui no incontra!”

LIBRA DE BOCA MUNDO LP (Faixa A3)

Libra de boca´l mundo, odja ma povo…

Anda na bu caminho dreto, cau anda na caminho de alguém, pamodi povo sta rabés, mundo sta mariadu…

… Povo di hoji sta rabés, povo di hoji sta mariadu, povo de hoji sta perdido, povo de hoji tene inveja!

Siu ta vive bem es ta cria inveja, ta vive mal es ta fase troça!

No ca sabe cuzé no ta fase que pa no libra di boca mundo!

CA BALE MAS (Faixa B1 LP “Libra de Boca Mundo”)

“… Horas qui sa ta fladu mé fim di mundu, tudo bedjo qui pega nobu, ma idade no ca cre squeci, nu ca bale mas!

Abo e casadu es flau ca sta na getu, abo e solteru es flau descudadu,

siu cumpra carro es ta stragau vida, na mundu bo ca sabe vivi!

Siu bo papia es tchomau di otário, siu bebe es ta flau coitadu flau dinheru ata custa ganha…

Po na boca tudo alguém cre, es ta bebe es ta atcha sabe!

Ma tra di bolso ninguém ca cre pamodi trabadja ta fase calu…”

CU FORMIGA CU TUDO GOSTA (Faixa B3 LP “Na Paz e Deus”)

“Antoninho bu brinca cu minina es bai cai riba di cama, minina flal!

Oh mos queli e ca brincadera!

o que dja sta, dja sta, pa dexa ramedi ca tem, ma pamodi!

Cuidado si povo odjanu es ta fala na nós…”

Discografia constante do site discogs: Na Quel Dia Tão Lindo (1980), Libra De Boca Mundo (1983), Na Paz De Deus (1986), Pensa Dia De Manhã (1987), O Regresso (2003), Quero Ser Romântico (2005) e Pé fincado na Tradiçon (2009).

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