PUB

Mundo

A festa da família: O Natal por África

É a chamada festa da família, num continente onde a celebração constante é uma forma de vida. Apesar dos aspectos comuns, legados por anos de colonização, cristãos africanos festejam o nascimento de Cristo com o seu toque local, demonstrando uma generosidade que está enraizada na sua matriz cultural, desde a noite dos tempos.

O Natal está aí, como todos os anos acontece, marcando o nosso calendário. Acontece aqui, em Cabo Verde, como em vários países do continente africano, bastando para isso a existência de uma comunidade cristã ou mesmo de uma família de crentes em Jesus, que seja. Em Cabo Verde, seguimos a tradição portuguesa, deixada por séculos de colonização, à semelhança dos outros países por eles também colonizados.

Nas ilhas, alcance da festa de celebração sempre variou da cidade para o campo, dos mais pobres para os remediados e daqueles com mais posses. É difícil pensar em ceia de bacalhau pelos vales e cutelos das ilhas, ou mesmo em peru assado no forno, nas casas das nossas ribeiras. Habitantes da Praia e do Mindelo, com mais posses e mais facilmente abastecidos destes produtos, vindos da Metrópole, através das suas casas comerciais, terão degustado estes pratos, na ceia de Natal, ao longo dos tempos.

Alguns terão tido como opção um ‘capóde’, cabrito, galinha, xerém, batata e outros legumes da terra, com ervilha, milho ou feijão, para marcar a passagem na natalidade de Jesus. Mas, a maioria da população ter-se-á mesmo ficado pela missa do galo e outras festividades religiosas da Quadra, à boleia da igreja, comendo aquilo que havia. A comida especial, nesta data, ficava para quem se podia dar ao luxo.

Apesar de algumas semelhanças, noutras paragens africanas, as coisas passam-se de maneira diferente, quando se trata de celebrar esta festa. Quando olhamos para o resto do continente, vemos como os europeus impuseram aos povos colonizados os seus costumes cristãos, colidindo muitas vezes com costumes e religiões africanas.

Muitas destas ou se perderam ou se misturaram, transformando-se sob a influência da catequização, por exemplo. Há quem fale em declínio de alguma tradição religiosa com a chegada das celebrações dos colonos, como por exemplo, esta festa do Natal. Estas vieram substituir celebrações de povos politeístas, que adoravam elementos da natureza e do cosmos: o sol, a lua, a chuva e o vento. Mas, seguindo a tradição natalícia portuguesa, nos países onde há cristãos, vai-se ao supermercado e fazem-se compras, sobretudo para as crianças.

Um elemento fundamental e que em Cabo Verde dá uma cor especial à quadra natalícia é a chegada dos emigrantes, de férias. Esta sempre foi a época em que quem andava embarcado ou estava fora e podia voltar, escolhia para estar com a família. Era o caso dos marinheiros crioulos, nas marinhas mercantes europeias, como a Holandesa. E aqui, já era normal nessas casas haver um pouco de bacalhau, cabrito ou porco.

Nascimento do Sol e de Cristo

A celebração do Natal a 25 de Dezembro está ligada ao nascimento de Jesus Cristo. Mas é sabido que há dúvidas de que assim tivesse mesmo sido, pois não há registos que confirmem essa informação. Há mesmo referências desse nascimento noutros meses, e essa data foi variando ao longo da história. Segundo os historiadores, a imposição do dia 25 de Dezembro deve-se ao imperador Constantino, porque era o dia da celebração da grande festa solar em Roma.

O imperador, que governou entre os anos 306 e 337, terá fundido este culto solar com o culto cristão. Mas, indo mais atrás, em busca das origens mais remotas da celebração deste preciso dia, há a referência de que há mais de 6000 anos, em Kemet (antigo nome do Egipto) já se prestava o culto ao Sol e se celebrava o mito do ‘salvador’ – filho do Deus do ‘Sol’. A razão está, dizem os historiadores, no solstício de Inverno, o dia mais curto do ano. E este, três dias depois, a 25 de Dezembro, começa a crescer. No solstício, o Sol começa a morrer e a 25 desse mês dá-se o seu renascimento.

E é por isso que alguns defendem que tudo terá mesmo começado em África, já que o território do Kemet e depois Egipto, se encontra neste continente. Mas seja através do Sol ou de Cristo, o Natal, tal como o conhecemos, chega a este continente por via da colonização. E reflectindo esse mesmo fenómeno, cada região ou país adoptou a forma de celebrar dos seus colonizadores, sejam ela católica ou protestante, um pouco pelos 54 países que constituem o continente.

‘Natais’ de África

Dando uma olhada por algumas formas de celebrar o Natal, no continente, observamos que uma das mais fortes tradições é a missa da meia- -noite. Quer na sua preparação quer na expectativa como são aguardadas. Assim como todos os nascimentos em África, a de Jesus é vivida com muita euforia. Os presentes que se trocam, marcam também este dia especial, com a família reunida – e aqui trata-se de famílias grandes, na tradição africana – e pronta para contar histórias e relembrar os que já não se encontram presentes, fisicamente.

Mas é também o momento para o descanso e de fazer uma viagem mais longa a visitar amigos e parentes, de hospitalidade. Nas grandes cidades africanas, é o rebuliço também dos negócios, da oportunidade de se ganhar um dinheiro extra, aproveitando a maior disponibilidade dos clientes e suas necessidades imediatas, nesta quadra natalícia. As temperaturas altas que se registam neste período levam muitos crentes a celebrarem o Natal nas praias – ficando a neve e o Pai Natal da Coca-Cola para os ecrãs de televisão.

Na Libéria, a maioria das casas tem uma palmeira como árvores de Natal, decoradas com sinos. As famílias reúnem-se no exterior para o jantar, sentadas em círculos para compartilhar a refeição de arroz, carne e biscoitos. No Dia de Natal, cantam-se louvores e trocam-se presentes, coisas simples e úteis, como canetas lápis, sabonetes, desodorizantes. Na parte da tarde, recuperam-se jogos tradicionais de Natal, antes do fogo de artifício da noite.

Na RD do Congo, existe o desfile anual de Natal, preparado por um grupo de pessoas. Na manhã do Dia de Natal, os crentes caminham em volta da aldeia cantando canções natalícias. A roupa especial para esta celebração é tirada do armário e levam-se presentes para serem trocados nos locais de culto, para a festa do aniversário de Jesus. No final, há a ceia de Natal, organizada na frente das suas casas, para a qual são convidados os amigos.

No Gana, na África Ocidental, a decoração das casas e das igrejas começa um mês antes do Natal. Esta também é a época da colheita do cacau e sua venda, o que faz com que haja maior disponibilidade financeira das famílias. Trabalhadores regressam às suas casas e nas ruas crianças cantam cantigas de louvor a Cristo. A ida à missa é preparada ao pormenor, sobretudo com os seus trajes tradicionais, coloridos, turbantes masculinos e femininos, muito apreciados, nesta região, que vai do Senegal à Nigéria.

Depois da decoradas com ramos verdes, folhas de palmeira e velas, as igrejas enchem-se para o serviço especial. Tal como em Cabo Verde, é costume decretar-se tolerância de ponto para as pessoas poderem descansar das festas.

Na África do Sul, também composta por comunidades católicas, protestantes e coptas, é costume as famílias aproveitarem para viajar. Muitas escolher para visitar o Parque Nacional Kruger. E apesar das decorações de luzes tradicionais, não existe a tradição de celebrar a noite de 24. Tudo acontece no dia 25, com a ida das famílias à igreja e depois para o tradicional almoço de Natal em família.

Aqui, para além das famílias, participam amigos e vizinhos.

As trocas de presentes acontecem na tarde. Come-se peru ou pato, frango, arroz amarelo, rosbife, tortas e o tradicional Malva Pudim. Os restaurantes servem Turducken, prato curioso, composto por três aves dentro de uma: frango inteiro recheado, que recheia um pato e estes recheiam um peru.

É neste período que se registam também o maior número de acidentes na estrada, no país, devido ao consumo excessivo de álcool. Outra razão é a escolha desta época natalícia para os habitantes dos países do interior, sem mar, como o Botsuana e o Zimbabué, fazerem férias junto à costa sul-africana. Tradicionalmente, regressam aos seus países apenas depois do fim do ano.

Na Etiópia, a grande maioria dos seus 120 milhões de habitantes são católicos coptas, que seguem a Igreja Ortodoxa do Egipto. Talvez por isso, a festa é diferente, mais austera e sem troca de presentes e mesmo para as crianças. Em muitos casos, os idosos fazem jejum. Mas a ceia natalina é rica: pão, alho, arroz, carne cozida e o ‘fata’, um prato típico egípcio.

Mas, quem passar pela capital, Adis-Abeba, por esta altura, irá estranhar não encontrar luzes ou enfeites natalícios pela cidade. É que, neste segundo país mais populoso de África, o Natal não é celebrado a 25 de Dezembro, mas sim a 7 de Janeiro. O calendário local seguido não é o nosso, o Gregoriano, mas sim o Calendário Etíope ou Eritreu.

No Egipto, os fiéis da Igreja Ortodoxa reúnem-se na véspera do Natal, vestindo roupas novas e mais elegantes para a missa que termina à meia-noite. Após o serviço religioso, regressam a suas casas para jantar o ‘fata’, tal como na Etiópia, o prato mais tradicional e que consiste num ensopado de carne, pão, arroz e alho. É comum ver-se os carros decorados com folhas de palmeira.

Joaquim Arena

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 851, de 21 de Dezembro de 2023

PUB

PUB

PUB

To Top