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Sociedade

Guerreiras e Sobreviventes: Câncer não é sentença de morte

Sandra Barros, Eurídes Inês e Osvaldina Cardoso são três sobreviventes do cancro de mama que não escondem a doença. Dão a cara, partilham as suas dores e experiências, ao mesmo tempo que unem as suas forças para enfrentarem esta que é a terceira causa da morte em Cabo Verde. Isto, num cenário onde não faltam mulheres abandonadas pelos companheiros em pleno tratamento, embora haja casos também, estes mais raros, de mulheres que deixam os companheiros. 

Sandra Barros, 35 anos, lida com o cancro de mama desde 2021. Ao A NAÇÃO conta, abertamente, como tem sido a sua vida, desde então. 

“Os meus seios endureceram. No início, considerando que eu estava a amamentar a minha filha, parecia ser uma situação normal, coincidindo com a fase do desmame. Só que não era. Depois de três meses, fui fazer uma consulta no Centro de Saúde de Tira Chapéu…”, começa por contar sobre as suas primeiras consultas que coincidiram com as actividades do Outubro Rosa, campanha de prevenção e luta contra Cancro da Mama.

“No Centro de Saúde pediram-me uma ecografia mamária. Na mesma altura comecei a sentir muitas dores no lado direito. Fui fazer a ecografia na Verdefam e a doutora Jaqueline encaminhou-me para os serviços de oncologia no Hospital Agostinho Neto…”, lembra.

Sandra diz que, no início, sem informações sobre o seu problema, não tinha ainda motivos para se preocupar. “Quando estava a aguardar o meu atendimento, perguntei a um dos presentes sobre o procedimento. Foi ali, naquele momento, que eu soube que estava no lugar onde se tratava o cancro”, avança, referindo que a sua reacção, na hora, foi de espanto: “Eu devo estar no lugar errado, pois não tenho cancro”.

“Os 14 dias mais turbulentos da minha vida”

A partir desse momento, começaram as preocupações e foram cerca de 14 dias, de angústia, até receber o resultado dos exames realizados.  

“Foi a 18 de Novembro de 2021, no mesmo dia em que a minha filha completou dois anos de vida. Quando vi o resultado positivo, veio o desespero”, acrescenta a nossa entrevistada, na altura não pensava diferente de muitas outras pessoas: “Cancro, para mim, era sentença de morte”.

 Apesare disso, e por ter descoberto a doença num dia como aquele, segundo aniversário da sua filha, Sandra não deixou que o seu desespero estragasse a festa que era justamente para celebrar a vida daquela que ela ajudou a trazer ao mundo. 

“Tentei reagir normalmente, cantámos parabéns e não deixei a tristeza alastrar. Mas, naquela noite, não consegui dormir”, recorda referindo que foram várias noites sem dormir com muita aflição, apesar do apoio dos familiares que já estavam a par da sua condição.

No caso desta nossa entrevistada, o cancro de mama estava no nível 4, tendo feito uma ligação com o fígado. Portanto, era preciso agir rápido. Passados alguns dias, Sandra procurou os serviços de Oncologia no Hospital Universitário Agostinho Neto (HUAN), disposta a lutar pela sua sobrevivência.

“Fiz a minha primeira quimioterapia no dia 3 de Dezembro de 2021. Foram nove meses neste tipo de tratamento que não é nada fácil. Mas, sempre com muita fé, força de vencer e, sobretudo, com o apoio dos meus familiares”, relata a jovem.

Outubro Rosa

Mais do que lutar pela vida, Sandra resolveu dar a cara contra o cancro de mama, uma das principais causas de morte em Cabo Verde, hoje em dia (ver caixa). Engajou-se nas campanhas de luta contra essa doença e faz parte de iniciativas que vão para além do Outubro Rosa. 

“Por incentivo de uma outra ‘guerreira’, comecei a fazer vídeos motivacionais nas redes sociais. O meu primeiro vídeo publiquei um dia após uma sessão muito difícil de quimioterapia, tendo merecido muita atenção dos cabo-verdianos e não só nas redes sociais. Recebi muitas mensagens, uma energia positiva que vinha de um público que eu não conhecia. Não consigo explicar o que senti na altura”, conta, acrescentando que este entre outros vídeos que ela vem disponibilizando tem ajudado muitas pessoas na mesma situação e não só.

Trabalhar a mente, manter o foco e… pensamento positivo

Sandra diz que no dia em que iniciou o tratamento contra o cancro de mama, contou com apoio de várias outras mulheres que entraram nesta batalha antes dela. É neste sentido que tenta, também ela, dar o seu contributo e acolher aquelas ou aqueles que vão chegando depois dela e aconselhando as pessoas para cuidarem da respectiva saúde e não chegarem a este ponto.

“Nesta luta, somos praticamente uma família. Somos mulheres guerreiras que valorizam a vida numa perspectiva diferente. Por exemplo, no dia 12 de Setembro de 2022 tiraram-me um dos seios. Nós, mulheres, temos muita preocupação com a nossa estética, a nossa aparência, o seio é uma parte importante do nosso corpo. Mas eu sempre trabalhei a minha mente para manter a força e ignorar esta questão porque ao invés de perder a vida, perdi só um seio”, refere.

Embora por meio de acompanhamento médico, a nossa entrevistada garante que consegue levar uma vida “normal”, respeitando a sua nova condição.

 “Temos acompanhamento com nutricionistas para uma alimentação saudável, psicólogo para aqueles que precisam, que não é o meu caso. Dentro do possível, consigo levar uma vida normal. É claro que não é todos os dias que estamos bem despostos”, avança, referindo que, nas condições em que se encontra, passou a valorizar mais a vida. 

“Estou nesta luta firme e forte, com autoestima em alta e com muita fé para curar, cada vez mais. Actualmente, estou na fase de lidar com uma injeção na perna que faz cair a minha defesa corporal e uma outra no braço, justamente para aumentar a defesa corporal”

A lição que fica

A lição que fica, segundo Sandra Barros, é que devemos cuidar melhor da nossa saúde quando ainda é tempo. “O cancro é uma doença que exige melhores cuidados, sobretudo melhores hábitos de alimentação. Eu, depois de descobrir a doença, tive uma mudança radical, uma verdadeira luta pela sobrevivência”.

Nestes dois anos em que luta pela sobrevivência, a nossa entrevistada diz que não precisou sair do país para tratamento. “Fiz todos os meus tratamentos em Cabo Verde. Não tive a necessidade de me deslocar para estrangeiro e tudo tem corrido bem até agora. Por isso considero que no tratamento de cancro, temos bons profissionais e procedimentos. O acompanhamento é adequado… só não temos radioterapia. Sem contar que é tudo grátis”, explica.

Sandra não condena quem procura tratamento no estrangeiro, mas que, muitas vezes, “o tempo que as pessoas gastam na procura de ajuda, sobretudo financeira, até conseguir sair, era para arrancar já com o tratamento em Cabo Verde”.

“Quanto mais cedo descobrirmos, melhor”, insiste. “Todas as mulheres devem estar alertas, fazer as consultas, sendo que hoje em dia cancro não é uma questão de idade. Antes designavam exames para mulheres acima dos 40 anos. Mas hoje, muitos jovens estão a lutar contra a doença sem ter esta idade”. 

Uma questão preocupante, a seu ver, é que muitas pessoas “negam a doença”, o que torna a luta mais difícil. “Câncer não é sentença de morte como muitos pensam. Todos estamos sujeitos. Eu que já lido com ela não desejo a mais ninguém. Isto é um facto. Mas estando já na luta, o pensamento positivo é um facto importante para a cura. Caso contrário, o próprio corpo não responde ao tratamento e aí sim, vem a morte”. 

Abandono 

Uma outra questão preocupante, conforme relatou, é o abandono das mulheres por parte dos companheiros. “Há muitos casos de homens que abandonam as suas companheiras em plena luta contra o cancro. O que é lamentável, pois é nesta fase que aquele que está infectado precisa de mais apoios e companheirismo”, conta, referindo que também acontece o contrário, mulheres que deixam os seus companheiros. 

“Infelizmente, temos também casos de mulheres que abandonam os maridos, doentes oncológicos. Só que estes casos são menos. No Hospital temos mais mulheres a acompanharem e apoiarem os seus maridos do que o contrário, infelizmente também”. 

Integrante do grupo “Guerreiras Vencedoras de Cabo Verde” – (grupo nas redes sociais com mais de 100 cabo-verdianas, doentes oncológicos) –, Sandra Barros diz que o mais difícil nesta caminhada é ver alguém ficar para trás. 

“Quando morre uma ‘guerreira’, morre uma parte de cada uma de nós. No momento em que alguém perde a batalha vem o medo e as incertezas. Será que eu vou criar os meus filhos?” E esta é a pergunta que “invade a nossa mente”, mesmo sabendo que “só Deus sabe a resposta”. 

 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 849, de 07 de Dezembro de 2023

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