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Justiça num Estado de Direito e numa sociedade democrática

Por: Péricles O. Tavares

Justiça e Estado, entidades abstratas dotadas de instrumentos jurídicos proporcionais de acesso igual sem restrição, que permitem a todos os cidadãos reivindicar perante o estado, e a tutela, o seu direito constitucionalmente previsto e revisto com obtenção de resultados de forma célere e dar a cada um, consoante o seu merecimento, a justiça que requerem.

O poder judicial no exercício da justiça, aplica e comuta a pena; o cidadão, a sociedade que apela pela justiça perante um fato criminal, vai ao Estado na espectativa de ver o litígio sentenciado de acordo com a lei prescrita. A justiça é parte integrante da cultura e História de um povo que assenta no consenso social em relação aos conceitos do bem e do mal, sendo de livre interpretação formal do juiz designado por idoneidade e mérito de presença pública.  

Justiça, pelo direito, permite às sociedades viverem de forma ordeira, com as comunidades em paz e segurança para tanta hipoteca; doa a liberdade de outros tempos, o tempo da selvajaria ao presente, o tempo dos confrontos, todos contra todos, e que agora é moda, com fantasmas voadores intercontinentais, um desconforto generalizado, onde cada um apresenta as suas aptidões técnicas em propositadas manufaturações de armamento sofisticado e que permite a utilização de aditivos químicos mortíferos para avassalar o próximo Estado aventureiro e resiliente, com a evolução cognitiva humana relevante. 

O comportamento, a mentalidade e a organização social na comunidade humana em tribo, com o direito decisório recaindo sobre a pessoa mais experiente vinculada na antiguidade, e escrupulosamente observada. Antes, nos bosques e nas cavernas, prevalecia a lei do mais forte em que, o homo sapiens em plena liberdade em África, em traços comportamentais comparativos à atual civilização palaciana na Europa, pouco diferem, com as superpotências a confrontarem-se, por dá cá aquela palha.

Cabo Verde do antigamente, há décadas e meia, no tempo da implantação da primeira república, era uma surpresa nova, com a instituição do tribunal popular sem defensor oficioso e com o partido Estado a julgar, foi de fato uma afronta nacional com um impacto nefasto no mundo rural, algo que faz parte do passado histórico, o “quero, posso e mando” nas nossas Ilhas.  

No Estado de Direito, todos os cidadãos acham-se por baixo da lei e submetem-se tanto o governante e o governado, o magistrado para que a lei se cumpra integralmente, sendo a justiça valores em permanente mutação temperamental social, exige do poder judicial a garantia dos direitos sejam eles os individuais ou coletivos; mediar conflitos entre cidadãos e o Estado, no papel dos agentes na representação da administração pública territorial; pede que hajam de forma igualitária, para atribuir confiança e bem estar a todos os habitantes, pelo seu desenvolvimento económico.

O Estado de Direito emerge com a queda do sistema de absolutismo de governo ditatorial durante a revolução francesa e inglesa, possibilitando uma nova organização social, como o parlamentarismo designando e orientando pela constituição. Deveria ser assim, à luz da lei, o sistema de governo cabo-verdiano, ajustado à realidade nacional e jamais uma masturbação normativa plagiada.

O sistema parlamentar, onde tudo que se executa deve constar na lei prescrita pelo legislador com a aprovação da assembleia do povo, é o ator político fora das normas e espera-se que seja deposto pelo direito natural associado ao contrato social.

A Inglaterra, submetida ao absolutismo durante séculos até à mudança, foi eventualmente condenada a um basta e passou a um sistema parlamentar que respeita os direitos individuais dos seus cidadãos.

A França, de estado totalitário absolutista, passa para governo republicano obediente às normas emanadas da constituição integralmente.

Obviamente pode haver diferença de posicionamento entre os sistemas francês e inglês: a França admite a separação de poderes igualitários (legislativo, executivo e judiciário) de acordo com os princípios doutrinários do filosofo iluminista Charles Montesquieu. Temporalmente, o sistema de governo presidencialista permanece até à atualidade; na Inglaterra existe o casamento entre o parlamentarismo com a monarquia, na figura do seu monarca como  seu chefe de estado, sendo que na verdade quem governa, é o parlamento como executivo, tendo à testa um primeiro-ministro empossado pelo monarca.

O poder político no estado república, com a separação de poderes, tem entre os seus órgãos de soberania, os três poderes: os construtores das normas, o poder legislativo; o executivo; e o judiciário, sendo que este último tem a competência de fiscalizar e forçar ao cumprimento as leis de vinco e reconhecimento constitucional, com o direito à vida, à liberdade e à igualdade.

Cabo Verde, um território de superfície reduzido e uma população ainda por ascender a meio milhão de almas humanas, é detentor de quatro poderes separados e distintos: legislativo, executivo, presidencial e judiciário, com a interação entre órgãos de soberania e de não interferência direta, um mau adágio num estado repúblico de direito, que só pode ser de fachada em construção e transição para um sistema de vivência coletiva e democrático satisfatório, onde a justiça normativa opera na defesa dos princípios e valores da dignidade. 

Cabo Verde, onde a justiça é um ganho civilizacional universalista, deveria fazer escola, e nunca usar a justiça como um instrumento de vingança, de terror, de silêncio; tem o poder de poda de consciência, de personalidade e carácter do cidadão que se levanta em denuncia das insuficiências e abusos na aplicação da mesma, com o fiel cumprimento das normas do poder instituído, onde prevalece a insegurança, o crime organizado sobre o tráfico das pessoas e as crianças desparecidas sem rasto e sem culpabilização.

Estado de direito democrático, um conceito criado a partir do século transato (XX) para promoção do bem-estar das comunidades, é uma verborreia populista de mau gosto que subpõe o Estado de Direito em tempo de confronto eleitoral partidário, onde o eleitor é enganado com vãs promessas usadas apenas para eleger o governo, sendo um grande salto para a democracia, mas que causa transtorno pois debaixo da hipocrisia existem desfalques dos eleitos, que tentam garantir os desígnios dos direitos fundamentais, com a liberdade e igualdade entre todos, e aí reina o falhanço no sistema politico em Cabo Verde.

Cabo Verde é um exemplo pela negativa, expetante das desigualdades sociais, com a democracia política no sentido que a maioria decide o  governo sem golpes com perdas de vida ou derrame de sangue ou ainda simples batota escaqueirada, relativamente aceite entre atores políticos funcionais; o povo minguado e racionado continua confortado na penúria e pacatez em que sobrevive, a almejar pelo arrebatamento da morte, a derradeira salvação. 

Um Estado de Direito democrático é um poder político que não abusa dos seus cidadãos, ao arrebatar os direitos pelo contrário, e defende os direitos de cada um em soma de todos no espírito constitucional.

A República de Cabo Verde, de forma coerente e responsável, funciona com os três poderes: legislativo, executivo e judiciário. Um sistema presidencialista pode ser um sistema governativo sensato, responsável, com avanço acelerado para o desenvolvimento sustentável credível, no combate e condenação dos tiranos e corruptos para longe dos bens públicos.

A Constituição, instrumento fundamental, é necessária para as mudanças preconizadas, para formatar um novo modelo de governação, do sistema eleitoral e da repartição de poder com a diáspora patriota, com o povo no centro das atenções políticas. 

Só assim as Ilhas de Cabo Verde passam a ser um lugar em que o sol aquece a todos com igual intensidade, onde o mar, a brisa e o céu azul que alumia sejam benditos e suaves para todos os cabo-verdianos, nascidos ou não, e para os seus visitantes se sintam em casa. Para o nosso orgulho, contamos com todos!

Providence, Riverside, Junho, 2023

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