O relatório de auditoria da Inspeção Geral de Finanças (IGF) à Câmara Municipal de São Domingos (CMSD) detectou várias irregularidades e ilegalidades na gestão de Franklin Tavares, no período entre 2012 e 2016. Um dos casos considerados graves foi a falsificação de documentos para fugir ao fisco, no processo de importação dos materiais para o arrelvamento do estádio municipal.
De acordo com o relatório de auditoria a que A NAÇÃO teve acesso, a CMSD, durante a presidência de Franklin Tavares (2012-2016), utilizou uma declaração de relva sintética de “conteúdo falso”, emitida pela Federação Cabo-verdiana de Futebol, para obter isenção de direitos na importação de relva sintética, calculada no valor de 4.821.095 escudos (ECV), beneficiando com este montante, e de forma indevida, a empresa que deveria assumir esse encargo decorrente do contrato celebrado com essa edilidade.
Por outro lado, a CMSD pagou “indevidamente” um total de 9.778.994$00, sendo 4.061.306$00 relativos aos trabalhos contratualizados não executados, 2.038.743$00 relativos aos trabalhos executados e pagos no quadro do contrato (pagamento duplicado) e ainda forneceu materiais no valor de 3. 678.095 escudos para a utilização na obra e que foram pagos no âmbito do contrato.
A auditoria realça ainda que não foram elaborados os relatórios de fiscalização e que não existe nenhum outro documento escrito que comprova a presença da fiscalização na obra nos termos da lei.
Concurso
A IGF detectou ainda situações pouco transparentes em relação ao processo concursal da referida obra. Como, por exemplo, a não publicitação prévia dos factores de ponderação e, por outro lado, “no relatório não estão demonstradas de forma clara e inequívoca as pontuações atribuídas a cada um dos itens das propostas concorrentes.
“O valor da proposta financeira do agrupamento é inferior à média das propostas apresentadas e da segunda proposta mais baixa em cerca de 20 mil contos”, realça o relatório, sublinhando que, durante a execução da obra, o empreiteiro beneficiou “de forma indevida” com fornecimentos de “tout-venant” pela CMSD que “também assumiu pagamentos para trabalhos não executados e isenção aduaneira” no valor superior a 14 mil contos.
Outras irregularidades e ilegalidades
O relatório da IGF considera que a escolha do procedimento de “ajuste directo” para a empreitada da zona de serviço de Ribeirão Chiqueiro, adjudicada a uma empresa no montante superior a 16 mil contos, é “ilegal”, porquanto ultrapassa os 3.500 contos estabelecidos na lei e “não está devidamente fundamentada”.
Para a requalificação do pavimento e muro da estrada Mendes Faleiro Cabral e acesso à entrada de Chaminé, “foi pago indevidamente” a uma determinada empresa o valor de 2.699.665$00 para obra que “não foi executada”. Por outro lado, o contrato foi adjudicado por ajuste directo, “sem projecto, nem caderno de encargos”.
Para o arruamento da povoação de Vale da Custa, de acordo com o relatório, a CMSD pagou “de forma indevida” cerca de 3500 contos relativos a trabalhos de movimentação de terrenos que “nunca foram executados”.
A CMSD adquiriu uma viatura com mais de 26 anos por ajuste directo, com a fundamentação de que as empresas convidadas não apresentaram propostas. “Não tem base legal, porque as referidas empresas não têm como objecto social a comercialização de viaturas. Por outro lado, a empresa contratada não tem também como objecto social a comercialização de viaturas”. Também não ficou garantido que a viatura adquirida estava em boas condições, porque “não foi efetuada avaliação por um perito e a mesma era usada e tinha 26 anos.
Contraditório
A IGF realça ainda que o executivo camarário responsável pela gerência da CMSD no período em que incidiu essa acção inspectiva tinha cessado as suas funções e que, por isso, não foi possível exercer o contraditório informal no decurso dos trabalhos no terreno.
Porém, “por força do artigo 9º do Decreto-Lei nº 23/2016, de 06 de Abril, foi notificado, por e-mail, o ex-presidente da CMSD (Franklin Tavares), responsável referenciado para se pronunciar sobre as observações do relatório de auditoria, todavia, esgotados os prazos concedidos, o referido executivo não se dignou exercer o contraditório”.
Franklin Tavares refuta acusações
Contactado pelo A NAÇÃO, a partir do exterior onde passou a viver, o ex-autarca de São Domingos, Franklin Tavares, refuta as acusações de que é alvo pela auditoria da IGF, pelo que se diz de consciência tranquila.
Sobre a colocação do relvado sintético no Estádio Municipal de Nora, garante que foram respeitados os procedimentos legais concernentes a adjudicação da referida empreitada, tendo sido selecionada o agrupamento que apresentou a melhor proposta financeira, de acordo com os documentos em anexo. “O Contrato foi visado pelo Tribunal de Contas, após a remessa do dossier completo relativo a esta obra”.
“Não concordamos com o ponto referente a não realização de auto e vistoria constante do Relatório de Inspecção, pois, para efeito de acompanhamento desta obra, foi emitida um auto de vistoria com a data de 22 de Setembro de 2016”, realça.
Outrossim, assegura, “os trabalhos de movimentação de terra para colocação de relava sintética foram realizados, de modo a facilitar a realização da obra que consiste em aterro e compactação e que foram executados por uma empresa subcontrata para o efeito”.
Contudo, Tavares não se pronunciou sobre a alegada falsificação de um a declaração emitida pela Federação Cabo-verdiana de Futebol para obter isenção de direitos na importação de relva sintética.
Sobre a infraestruturação da urbanização de Ribeirão Chiqueiro, Franklin Tavares diz que “contrariamente” ao Relatório de Inspeção no que se refere a não previsão das despesas no Orçamento de 2014, “as receitas no âmbito da Infraestruturação da urbanização de Ribeirão Chiqueiro estão devidamente previstas no Orçamento Municipal para o ano económico de 2014, na rubrica ‘Venda de terrenos’. No que se refere as despesas, estão foram previstas na rubrica “Melhoria de Planificação Urbanística Habitacional e Requalificação”.
Em relação à construção do troço de estrada de Mendes Faleiro Cabral, o ex-edil diz também que, contrariamente ao referido no Relatório de Inspeção, essa obra contém todos os justificativos legais no que se refere a sua execução, incluindo o visto do Tribunal de Contas, datado de 13 de 12 de 2014.
No que tange a requalificação, pavimentação e muro de estrada de Mendes Faleiro Cabral e Estrada de Chaminé, contrapõe que o montante desembolsado foi utilizado para a obra em questão, pelo que “discordamos em absoluto com o Relatório de Inspecção, em que se afirma que a mesma não foi executada”.
“Trata-se de uma afirmação sem cabimento e que põe em causa a idoneidade e seriedade das instituições envolvidas na execução das obras públicas”, assegura.
Por fim, sobre a compra da viatura, com mais de 26 anos por ajuste directo, Franklin Tavares admite que “não foram respeitados os procedimentos normais de aquisição dessa viatura, considerando que a CMSD tinha urgência em adquirir um meio de transporte para as obras municipais”.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 848, de 30 de Novembro de 2023