PUB

Economia

Confiante que vai ganhar: Grupo RIU quer 6 mil contos de indemnização do Estado pela morosidade da justiça

O Grupo RIU deu entrada na Comarca do Sal a um processo contra o Estado de Cabo Verde por danos provocados pela morosidade da justiça. Em causa está um processo laboral que podia ter sido tratado em três meses e que levou nove anos. O Supremo Tribunal de Justiça, o principal visado, promete uma reacção em breve. Enquanto isso, Olavo Correia admite custos para os contribuintes, devido ao alegado mau funcionamento da justiça.

O caso remonta a Julho de 2013, quando a Cabotel (empresa proprietária/gestora, do Grupo RIU em Cabo Verde), despediu um trabalhador por faltas, num dos seus hotéis da Boa Vista. Só que, no mesmo ano, o trabalhador impugnou o seu despedimento no tribunal local.

Conforme explicou Manuel Pina, advogado do RIU, ainda em Dezembro de 2013 (portanto, quatro meses depois), o tribunal da Boa Vista julgou o processo, tendo condenado a Cabotel a reintegrar o trabalhador e a pagar o salário intercalar à razão de 40.700$00, desde Julho e, caso obstar essa reintegração, a pagar uma indeminização de 300 contos.

Só que, por seu turno, a Cabotel recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Fevereiro de 2014, e, apenas em Julho desse ano, o processo viria a dar entrada e a ser distribuído.

Contudo, mesmo assim, “nada aconteceu”, lamenta.

No dizer daquela fonte, o processo no STJ foi passando de mão em mão e, nove anos depois, e com todos os encargos afectos, é que o mesmo veio a ter desfecho naquela corte, com a produção do acórdão a 28 de Julho de 2022. Ou seja, três meses após a última redistribuição do processo.

A Cabotel, por sua vez, só ficou a conhecer o desfecho da decisão a 22 de Agosto, tendo então sido condenada a reintegrar o trabalhador ou a pagar a indeminização de antiguidade, e, ainda, a pagar as redistribuições intercalares, desde o despedimento até à reintegração. Feitas as contas, em vez dos 300 mil escudos iniciais, são agora 7.032.000$00.  Valor que, segundo o RIU, já foi inclusive pago ao ex-trabalhador na totalidade.

Processo laborais devem ter tratamento célere

Ora, o que a Cabotel alega é que a lei é clara, quando prevê que uma acção laboral seja célere e tratada de forma sumária, nomeadamente, no STJ. O que, conforme a empresa já argumentou, não aconteceu.

Pelo contrário,  como alega Manuel Pina, um processo judicial que poderia ter ficado “resolvido em três meses, demorou nove anos”, o que fez onerar os encargos da empresa, pois, como refere, se o processo foi decidido após três meses de ter dado entrada na última redistribuição, significa que “poderia, igualmente, ter sido decidido em três meses, após a primeira distribuição em 2014”.

“A decisão foi sujeita a recurso para o Supremo Tribunal porque na altura não havia Tribunal de Relação, e, desde 2014, a decisão esteve pura e simplesmente nas gavetas do Supremo Tribunal de Justiça”, anota o advogado.

De mil contos para sete mil devido à morosidade

A indeminização de 6 mil contos que o RIU pede agora ao Estado é precisamente o valor de excedente equivalente ao tempo da morosidade da justiça.

Ou seja, como explica aquele advogado, se o recurso tivesse sido decidido em finais de 2015, no tempo devido, o salário intercalar a pagar ao trabalhador não ultrapassaria os 732 mil escudos, o que acrescido da indeminização, a Cabotel despenderia apenas mil contos e não os sete mil estipulados nove anos depois.

Questionada pelo A NAÇÃO se estão confiantes na vitória do processo intentado contra o Estado de Cabo Verde, a também representante da Cabotel, Maria José Trigueiro, respondeu afirmativamente. 

“Temos, aliás, outros exemplos de outras acções, de outras empresas que também já seguiram o mesmo caminho e acreditamos que vamos ganhar, sim”, afirmou Maria José Trigueiro, representante legal do RIU em Cabo Verde.

Aliás, A NAÇÃO sabe que o Estado já foi, alegadamente, obrigado a pagar 15 mil contos a uma grande empresa de São Vicente, devido a processos da mesma natureza.

Morosidade prejudica os contribuintes

Maria Trigueiro atenta ainda que a morosidade da justiça prejudica os “contribuintes” que, no fundo, também suportam o Estado, e apela, por isso, em nome da empresa e de outros investidores nacionais e estrangeiros, a uma revisão da legislação laboral e processual nesta matéria”. 

Outrossim, há quem entenda que o procedimento do grupo RIU e outras entidades deve fazer escola, de modo a fazer com que a justiça e o Estado, no seu todo, passe a funcionar de maneira mais acertiva.

Olavo Correia considera intrigante se sistema judicial condenar Estado pela morosidade da própria justiça

Contatado pela nossa reportagem, Olavo Correia, vice-primeiro ministro e ministro das Finanças de Cabo Verde, começou por admitir que a morosidade da justiça é um “desafio que precisa ser atacado e vencido com sentido de urgência, de celeridade e de impacto para as pessoas e sobre as empresas”.

Nesse contexto, garantiu que o Governo está a trabalhar para melhorar as respostas do sector da justiça, visando a redução das pendências processuais. “É preciso, igualmente, respostas ao nível do autogoverno do sistema judicial, nomeadamente aumentando a produtividade e fomentando um sistema de inspeção e de responsabilização dos colaboradores do poder judiciário”.

Custo para os contribuintes

Contudo, Olavo Correia considera que não deixa de ser curioso a própria justiça a condenar o Estado pela sua morosidade.  “Obviamente que, se o sistema judicial condenar o Estado pela morosidade da justiça, o Estado tem de responder afirmativamente. A acontecer, não deixa de ser intrigante”. Esse responsável admite, igualmente, que isto pode representar “um custo” para os contribuintes.

Porém, destaca o lado positivo que tem a ver com o facto das pessoas intentarem processos contra o Estado pela morosidade da justiça significar que “confiam” na justiça.

“A justiça funciona. Mas, às vezes é lenta”. Nesse contexto finaliza, reterando que é preciso combater a morosidade da justiça com “urgência”, para se poder “garantir a efetiva realização do Estado de Direito e evitar prejuízos para os cidadãos, as empresas e os contribuintes”.

Benfeito Mosso Ramos

STJ promete pronunciamento

A NAÇÃO tentou ouvir uma reacção do presidente do STJ às declarações dos representantes do grupo RIU. Por se encontrar fora do país, no Brasil, a participar no Fórum dos Presidentes do STJ da CPLP, Benfeito Mosso Ramos prometeu fazê-lo dentro em breve. 

Também a nível do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), órgão responsável pelo funcionamento e gestão dos tribunais, fomos informados que o caso RIU poderá ser apreciado em plenária para efeitos de uma tomada de posição. 

Entretanto, já depois desta notícia ter sido produzida e publicada, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reagiu às críticas do Grupo RIU sobre a morosidade da justiça, enviando uma Nota de Esclarecimento, que pode ser consultada aqui. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 848, de 30 de Novembro de 2023

PUB

PUB

PUB

To Top