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No olho do furacão

Por: Josep Borrell*

A União Europeia (UE) enfrenta duas grandes provas na Ucrânia e em Israel-Palestina. O fogo da guerra está a arder na fronteira oriental da Europa há quase dois anos, há muito mais tempo do que Putin pensava. Putin acreditava que dentro de semanas o exército russo estaria em Kiev e poderia instalar um regime fantoche, como o da Bielorrússia. Graças à resistência da Ucrânia e ao apoio internacional, isso não aconteceu.

A Europa esteve à altura das suas responsabilidades

A Europa tem estado à altura das suas responsabilidades: a UE tem apoiado fortemente a Ucrânia a nível económico e militar. Treinámos mais de 30 000 soldados ucranianos e o nosso apoio militar totaliza atualmente 27 mil milhões de euros. Aplicámos 11 pacotes de sanções e estamos a preparar o 12º pacote. Este pacote incluirá novas proibições de importação e exportação, ações para reforçar o limite do preço do petróleo e para combater a evasão às sanções.

No entanto, temos de ser realistas: a perspetiva de vitória da Ucrânia sobre a Rússia não é imediata. O regime de Putin precisa da guerra porque é o instrumento da sua sobrevivência política. Temos de nos preparar para um longo conflito que a Rússia não pode vencer, mas cujo fim pode atrasar.

Putin acredita que a perspetiva de eleições nos Estados Unidos da América (EUA) poderá pôr em causa o apoio dos EUA à Ucrânia e levar a que as democracias vacilem. Temos de provar que ele está errado e mantermo-nos unidos para continuar a apoiar a Ucrânia “durante o tempo que for preciso”.

A maior garantia de segurança que podemos dar à Ucrânia é a adesão à União Europeia

A Comissão Europeia recomendou no inicio de novembro a abertura de negociações de adesão à UE com a Ucrânia. Estamos também a trabalhar nas garantias de segurança necessárias ao país. Propus a criação de um fundo plurianual específico no âmbito do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz para assegurar o nosso apoio militar à Ucrânia durante os próximos anos. No entanto, não somos uma aliança militar e a maior garantia de segurança que podemos dar à Ucrânia é torná-la um membro de pleno direito da família europeia.

A segunda grande questão é a situação em Israel e na Palestina após o terrível ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro, que condenámos com a maior veemência possível. Um mês e meio depois, está a desenrolar-se uma tragédia humanitária em Gaza.

Temos de demonstrar que a acusação de duplicidade de critérios é falsa

Embora estes dois conflitos sejam muito diferentes nas suas causas e atores, encontram-se também interligados. De facto, muitos países do chamado Sul Global consideram que estamos a aplicar dois pesos e duas medidas no que respeita ao direito internacional na Ucrânia e em Gaza. Pelos nossos atos e palavras, temos de demonstrar que esta acusação é falsa.

Apoiamos, obviamente, o direito de Israel a defender-se face aos terríveis ataques terroristas de que tem sido vítima. Mas, como disse o Presidente Obama num texto inspirador, a forma como Israel se defende é importante. Tem de respeitar o direito humanitário internacional e tentar minimizar as baixas civis. Cortar a água, os alimentos, a eletricidade e o combustível a toda uma população civil sitiada não é aceitável.

Segundo as autoridades de saúde de Gaza, há já mais de onze mil vítimas mortais, cerca de metade das quais são crianças. Uma estratégia militar que ignora os custos humanos para os civis não vai funcionar porque corre o risco de tornar quase impossível uma futura paz entre palestinianos e israelitas. No entanto, a paz é a única garantia real a longo prazo para a segurança de Israel.

Evitar que a situação se espalhe pela região

Durante os próximos dias, temos de evitar que o conflito se alastre na região e conseguir um desanuviamento imediato. Precisamos de alcançar pausas humanitárias, cessar-fogos, tréguas… o nome não importa, o que importa é limitar o sofrimento das populações civis e tornar possível a libertação dos reféns israelitas.

É necessário assegurar que um fluxo regular de ajuda humanitária entre todos os dias em Gaza, nas quantidades necessárias, incluindo combustível. Há muitos camiões à espera na fronteira e não há falta de dinheiro. O que continua a ser necessário são corredores seguros para levar esta ajuda a todas as pessoas necessitadas e para evacuar os feridos e doentes, bem como os cidadãos estrangeiros. Precisamos de mais acessos terrestres a Gaza e estamos também a estudar a proposta cipriota de abrir um corredor naval para o enclave. A Cruz Vermelha Internacional deve também ter acesso aos reféns detidos pelo Hamas, que o Hamas tem o imperativo de libertar.

O que está a acontecer atualmente em Gaza é a consequência de um fracasso político e moral da comunidade internacional. 30 anos após os acordos de Oslo, a comunidade internacional não fez o que deveria ter feito para tornar a solução dos dois Estados uma realidade. Atualmente, o número de colonos israelitas nos territórios palestinianos ocupados é quase três vezes superior ao de há 30 anos e este território foi dividido num arquipélago de áreas desconexas, tornando muito mais difícil a implementação da solução de dois Estados solicitada pela comunidade internacional há 76 anos. Temos de defender com igual ênfase os direitos dos palestinianos e dos israelitas à sua liberdade, segurança e dignidade.

Os três “sim” e os três “não”

Uma vez consolidadas as tréguas humanitárias, teremos de passar da ajuda à ação política. E a transição política imediata resumi-los-ia em três “sim” e três “não”.

Primeiro, não a qualquer deslocação forçada do povo palestiniano de Gaza para outros países.

Em segundo lugar, o território de Gaza não pode ser reduzido e não deve haver uma reocupação permanente de Gaza pelas Forças de Defesa Israelitas, nem um regresso do Hamas a Gaza.

Em terceiro lugar, Gaza não pode ser dissociada do resto da questão palestiniana: a solução para Gaza tem de ser enquadrada na solução para o problema palestiniano no seu conjunto.

E os três “sim” dizem respeito aos atores a envolver numa solução.

Em primeiro lugar, Gaza deve ser governada por uma Autoridade Palestiniana, cuja natureza, papel e legitimidade devem ser definidos pelo Conselho de Segurança da ONU.

Mas esta autoridade terá certamente de ser apoiada.

E este é o segundo “sim” a um envolvimento mais forte dos países árabes. Atualmente, os Estados árabes não querem falar do “dia seguinte”, porque estão concentrados na tragédia que se está a desenrolar hoje. Mas não haverá solução sem um forte empenhamento da sua parte, e não apenas financeiro. Não se trata apenas de reconstrução física, mas de contribuir politicamente para a construção do Estado palestiniano.

O terceiro “sim” é um maior empenhamento da UE na região.

Também para nós, a questão não é apenas ajudar a reconstruir Gaza, o que já fizemos várias vezes, mas ajudar a construir um Estado palestiniano plenamente soberano, capaz de restaurar a dignidade dos palestinianos e de fazer a paz com Israel.

Este tem de ser o nosso objetivo e o nosso compromisso. Caso contrário, corremos o risco de permanecer numa espiral de violência e a nossa segurança pode ficar cada vez mais ameaçada: este conflito tem o potencial de criar uma grave instabilidade em todo o mundo. Nós, europeus, por interesse próprio, mas também por responsabilidade moral e política, temos de nos empenhar muito mais para alcançar a paz entre Israel e a Palestina. Uma parte significativa do futuro papel global da União, e em particular das nossas relações com os países do chamado Sul Global, dependerá do nosso empenhamento na resolução deste conflito.

Desloquei-me a Israel, à Palestina, ao Bahrein, à Arábia Saudita, ao Qatar e à Jordânia para discutir estas questões e propostas com muitos dos principais atores regionais.

A necessidade de um tratado de paz entre a Arménia e o Azerbaijão

Por último, temos de ajudar a proteger a Arménia de qualquer desestabilização interna ou externa. Como primeiro passo, reforçaremos a nossa missão civil no país. As negociações entre a Arménia e o Azerbaijão têm de ser retomadas e é necessário concluir um tratado de paz. Estamos empenhados em prosseguir a mediação iniciada pelo Presidente do Conselho da União Europeia Charles Michel. Enviámos também uma mensagem clara ao Azerbaijão de que qualquer violação da integridade territorial da Arménia teria graves consequências para as nossas relações.

Na União Europeia, estamos no olho do furacão, assistindo a conflitos em muitas regiões à nossa volta. Para defender os nossos valores e interesses e proteger a segurança dos nossos cidadãos, temos de pensar e agir com base em princípios e de forma estratégica.

 

*Alto Representante da União Europeia para Política Externa e de Segurança.

 

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