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Turbulência na banca e riscos para a estabilidade financeira internacional e em Cabo Verde (1)

Por: João Serra

O colapso do banco californiano Silicon Valley Bank (SVB) e de mais dois bancos regionais, nos EUA, bem como do Credit Suisse (CS), na Suíça, marcaram a agenda deste mês de março. Temeu-se a eclosão de uma crise financeira internacional com as proporções da crise ocorrida em 2008, pairando no ar um cenário dramático face às consequências económicas e sociais daí advenientes.

Por causa desse temor, no panorama internacional, perante o risco de uma rápida perda de confiança no sistema financeiro, os principais bancos centrais tomaram medidas.

Assim, para garantir que os bancos tenham os dólares necessários para operar, o Banco Central Europeu (BCE), a Reserva Federal dos EUA (Fed), o Banco do Japão, o Banco do Canadá e o Banco de Inglaterra, numa operação coordenada, reforçaram o fluxo de dinheiro no mercado com uma série de “swaps” cambiais. 

Segundo reportado pela comunicação social, o SVB era o 16.º maior banco dos EUA. No final de 2022, detinha ativos no valor de 209 mil milhões de dólares e cerca de 175,4 mil milhões de dólares em depósitos, sendo a sua quebra a segunda maior falência bancária da história dos EUA, depois do colapso da Washington Mutual em 2008.

As condições financeiras do SVB vinham a deteriorar-se ao longo dos últimos anos. A queda total do banco deu-se no dia 10 de março, por não ter resistido aos levantamentos em massa de fundos por parte dos seus clientes, sobretudo empresas tecnológicas e “startups”.

Contribuíram para a derrocada do SVB vários fatores, nomeadamente: (i) corrida aos levantamentos; (ii) estratégia questionável de gestão de risco; (iii) exposição a um setor volátil, como o tecnológico; (iv) impacto da subida dos juros no preço das obrigações do Tesouro dos EUA; e (v) uma certa ausência de supervisão pelo regulador. 

Com efeito, após a pandemia de Covid-19, houve um forte desenvolvimento do negócio das “startups” e, a ele associado, a atividade do SVB, o que fez aumentar os depósitos do banco. Estes, oriundos da captação junto de investidores em “startups”, sobretudo  tecnológicas, foram aplicados, em grande parte, na dívida emitida pelo Tesouro dos EUA, sobretudo naquela com maturidade média superior a cinco anos. 

Com a abrupta subida das taxas de juro promovida pelo Fed, o investimento em obrigações desvalorizou, impactando diretamente o capital próprio do SVB, que seria negativo, caso o banco vendesse todo o seu portfolio de dívida, o que significa que não haveria dinheiro suficiente para reembolsar os depositantes. 

E o SVB, ao desfazer-se da referida carteira em dívida pública dos EUA para ter liquidez, sofreu perdas que chamaram a atenção para a crise de liquidez e de solvência no banco, provocando uma corrida aos depósitos e a subsequente falência da instituição.

O SVB é, por assim dizer, a maior vítima da forte subida das taxas de juro levada a cabo pelos bancos centrais em todo o mundo, embora deva o seu fim trágico a si próprio, pela (má) estratégia de gestão de risco. Na verdade, não é normal que um banco tenha uma exposição tão grande, superior a 50%, dos seus ativos alocada apenas a títulos de dívida do Tesouro, quando se sabe que estes são vulneráveis a subidas das taxas de juro. E no momento em que o banco precisou de liquidar parte desses investimentos para ganhar liquidez, acabou por incorrer em perdas avultadas, resultantes de aumentos das “yields”, o que provocou o seu colapso.

Já na Suíça, o segundo maior banco, o Credit Suisse, foi comprado de emergência, no dia 19 de março, pelo seu maior rival, o UBS, num processo que contou com significativas intervenções das autoridades nacionais, com o intuito de evitar que o CS falisse, a eclosão de uma nova profunda crise bancária mundial e, sobretudo, “salvar a face” da reputação da banca helvética e do país, enquanto porto seguro nos mercados internacionais. 

Também conforme reportado pela comunicação social, o CS era um banco com 167 anos de antiguidade que, durante muito tempo, esteve envolvido em escândalos, tais como: manipulação de moeda, financiamento corrupto a Moçambique, sobre-exposição a fundos de risco e problemas no controlo de branqueamento de capitais. Por causa disso, os depositantes perderam a confiança no banco, o que originou uma corrida aos depósitos. Só entre 2021 e 2022, os depositantes retiraram do banco mais de 100 mil milhões de euros de depósitos. E com os problemas nos bancos dos EUA, ocorridos no mês de março, essa fuga de depósitos acelerou a um ritmo de 10 mil milhões de euros por dia, nas últimas semanas desse mês.

Segundo um relatório independente, elaborado antes da integração do banco no UBS, o Credit Suisse teve uma “atitude indiferente em relação ao risco” e “falhou em vários momentos para tomar medidas decisivas e urgentes”. Saliente-se que esse relatório se refere a casos em relação aos quais o banco prometeu usar como “pontos de viragem” na forma como as coisas passariam a funcionar para o futuro. 

Da fusão do CS com o UBS nasce um colosso financeiro, detendo atualmente ativos de quase 1,7 biliões de euros (valor equivalente ao PIB do Brasil), além de contar com mais de cinco biliões de ativos sob gestão a nível internacional. Trata-se, efetivamente, de um banco de proporções gigantescas, o que aumenta o perigo de risco sistémico, pelo que constitui, em si, também uma preocupação acrescida.

Como já referido, tanto no caso da falência do SVB como no da aplicação de uma medida de resolução ao CS, foi uma corrida aos depósitos, que se estava a tornar insustentável, que desencadeou o processo. Para o respetivo desfecho, também contribuíram erros, quer por parte da gestão, quer por parte dos supervisores, que não terão dado a devida atenção aos aspetos vulneráveis desses bancos, bem como a perda de confiança por parte dos depositantes e investidores. E a desconfiança, o pior inimigo da economia, é contagiosa e ultrapassa muito depressa as fronteiras, tal como uma pandemia.

Embora por razões diferentes, ambas as instituições impuseram o aumento da incerteza dos depositantes e investidores. Todavia, por enquanto, as perdas dos outros bancos com essas dificuldades bancárias parecem ser reduzidas, apesar das perdas, ainda contidas, que estão sendo reveladas em alguns setores da economia, como o segurador, os fundos de pensões e os fundos de investimento. 

Há consequências económicas, que se deverão traduzir em desaceleração da atividade económica global e, eventualmente, na queda da inflação. Já há alguns dados de queda da confiança nas principais economias mundiais, que se deverá generalizar às outras economias, o que poderá conduzir a um abrandamento da atividade.

De todo o modo, é prematuro afirmar que os problemas bancários estão contidos, e pensar que não haverá consequências na Zona Euro – o principal e o mais relevante parceiro económico de Cabo Verde. Até porque a confiança demora a conquistar e perde-se rapidamente. 

Nesse sentido, a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, avisou, no dia 26 de março, numa conferência em Pequim, na China, para o aumento dos riscos para a estabilidade financeira e que é preciso manter a vigilância.

“A rápida transição de um longo período de baixas taxas de juro para taxas mais elevadas, necessárias para combater a inflação, gera ‘stress’ e vulnerabilidades, como vimos recentemente com o sistema bancário”, afirmou, citada pelo FT e pela Reuters.

Georgieva apontou, por outro lado, que os governos mundiais não devem baixar a vigilância, lembrando que também os bancos centrais atuaram de forma rápida, disponibilizando liquidez em dólares. Ações que a diretora-geral do FMI elogia. “Aliviaram a pressão nos mercados até certo ponto, mas a incerteza permanece elevada e isso evidencia a necessidade de vigilância”, declarou.

E os bancos cabo-verdianos, como estão? A economia do país será afetada? 

Isso fica para a segunda parte do presente artigo.

Praia, 31 de março de 2023

*(Doutor em Economia)

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