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Diáspora

Portugal: Imigrantes cabo-verdianos perdidos nas plataformas da regularização

Milhares de cabo-verdianos residentes em Portugal aguardam há mais de dois anos por uma resposta à sua regularização. Com a abertura da nova agência migratória, a AIMA, esta semana, espera-se que as pendências e os problemas informáticos sejam resolvidos. Mas, para a dirigente associativa Felismina Mendes, a solução deveria passar por uma regularização extraordinária.

 Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) passou, a partir desta segunda-feira, a substituir o antigo Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de Portugal. E, entre os cerca de 347 mil processos pendentes, milhares pertencem a imigrantes cabo-verdianos, que aguardam uma resposta. O governo português prometeu contratar mais 190 funcionários, para resolver a situação. 

Mas, para Felismina Mendes, presidente da Associação Cabo-verdiana de Setúbal e da Federação das Organizações Cabo-verdianas, em Portugal, o caos que se instalou, com a pandemia da Covid 19, só poderá ser resolvido com uma regularização extraordinária. 

Acumulação de processos

Felismina Mendes lembra que o antigo SEF já estava com um atraso de dois anos, na resposta aos processos. “Desde a covid, não conseguiu retomar as renovações e os pedidos de reagrupamento familiar e a este atraso, vem agora juntar-se a reestruturação do SEF e um impasse nos serviços”. 

Para aquela dirigente associativa, o clima entre a comunidade cabo-verdiana é de desalento e desmotivação. “Isso sente-se, quando as pessoas nos dizem que fazem 300 chamadas para o call center indicado, num dia, sem que sejam atendidas uma única vez. Facilmente vemos como as pessoas não estão nada satisfeitas com esse anúncio da remodelação”. 

O problema, adianta, é que “se deixou acumular este número impressionante de processos e quem vier depois que o resolva. Criou-se um caos nesta situação dos pedidos pendentes, estamos a falar do artº 88, da Lei da Imigração (documento de manifestação de interesse, a única forma dos imigrantes regularizarem a sua situação) que é fundamental para gente que já trabalha aqui, em Portugal, há dois, três anos”.  

Com base nesse artigo da lei portuguesa, se o imigrante entrou com visto legal, desde que tenha um contrato de trabalho e três meses de descontos para a segurança social, pode fazer a manifestação de interesse ao SEF para obter a Autorização de Residência. 

Manifestação de interesse e visto CPLP

De acordo com Felismina Mendes, na prática, nada muda no que respeita à lei vigente, com a reestruturação do SEF e a criação do AIMA. O problema está na acumulação das manifestações de interesse, por parte dos imigrantes, e no tempo que ainda levarão a ter resposta. E para complicar ainda mais, diz também, chegou o visto CPLP, para cidadãos destes países, que atraiu igualmente muitos imigrantes cabo-verdianos. 

“Com um visto normal de 90 dias, o imigrante pode, reunindo aqueles critérios legais, fazer manifestação de interesse para obter a legalização. Mas, com a demora e as pendências já referidas, muitos optaram pelo visto CPLP, em alternativa. O problema é que ao fazê-lo, a sua primeira opção, de manifestação de interesse junto do SEF cai, deixa de existir. E depois, com os problemas na plataforma do CPL, que encrava e ninguém vai resolver, ficam igualmente ‘entalados’, sem uma coisa nem a outra, num limbo”. 

A plataforma do visto CPLP foi criada de forma independente para, supostamente, dar resposta a este visto que o governo português passou a emitir para os cidadãos da comunidade lusófona. Mas, Felismina acredita que a nova plataforma tem gestão independente. 

“Antes desta AIMA abrir as portas, cheguei a contactar inspectores do SEF meus conhecidos, tentando encontrar uma solução para o ‘encravamento’ dos processos e a resposta é que só através do e mail disponibilizado seria possível”. 

São muitos os imigrantes cabo-verdianos nesta situação de problemas informáticos. “Umas vezes gerou código de pagamento e não saiu, outras vezes não gerou código de pagamento, não fez a leitura e a pessoa não recebeu o documento em casa. Nós estamos a acompanhar e a reportar todas essas anomalias detectadas”.  

Para Felismina Mendes, parece haver só uma solução: “Não vejo como poderão resolver esse atraso, sem mais prejuízo para as pessoas, se não tomarem uma medida extrema, do estilo regularização extraordinária para todos os emigrantes que têm documentação pendente e depois fazer o controlo no ano seguinte, durante as renovações”.

Nova AIMA

O visto CPLP, que pode ser solicitado nos países de origem, e que muitos acreditaram ser uma vantagem, revelou-se afinal um problema. “Há muitas entidades, instituições, que nem sequer aceitam este documento, que é uma folha A4 e sem fotografia, que tem de ser apresentado junto com o passaporte. Mas, como não foi suficientemente divulgado, as instituições não o conhecem e não estão a aceitá-lo, os imigrantes não conseguem abrir contas bancárias com ele, porque nem todos os bancos estão a par disso.”

A AIMA, nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo, que abriu as portas na última segunda-feira, é uma resposta à remodelação no SEF, prometida pelo governo de António Costa, após os acontecimentos no aeroporto de Lisboa, de que resultou na morte de um imigrante ucraniano, Ihor Homenuik, em 2020, por agentes ligados a este serviço

Comissão Europeia “aperta” Portugal

Os chamados vistos CPLP, que supostamente permitem a residência em Portugal de cidadãos destes países, assim como de poderem trabalhar, levaram a Comissão Europeia (CE) a declará-los “não conformes” às normas comunitárias. 

Por causa disso, Bruxelas iniciou um “procedimento de infração” contra Portugal, pela emissão dos referidos vistos, por Lisboa, desde Março passado. A CE considera que “Portugal não cumpriu as suas obrigações no âmbito do regulamento 1030/2002, que estabelece um modelo uniforme para o título de residência para os nacionais dos países estrangeiros”. 

A nota emitida pela CE considera que “o título de residência não está em conformidade com o modelo” no regulamento europeu”. Um dos aspectos mais melindrosos apontado a este tipo de visto, e que terá levado muitos candidatos a solicitá-lo, terá sido a expectativa de poderem viajar para outros países europeus. 

E a nota declara, nesse sentido, “tanto os títulos de residência como os vistos de longa duração para efeitos de procura de emprego aos nacionais dos Estados CPLP não permite aos seus titulares viajar no espaço Schengen”. 

Desde a sua criação, segundo o SEF, tinham sido concedidos, até ao início de Outubro passado, 151.575 vistos CPLP e, de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, 14.500 vistos de procura de emprego. No entanto, há quem rejeite qualquer incompatibilidade entre o regime de vistos europeu e o português. Entre eles estão o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o advogado moçambicano, Eduardo Malalane.

 

Joaquim Arena

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 844, de 02 de Novembro de 2023

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