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Sociedade

Os perigos das “drogas digitais”

A psiquiatra norte-americana Anna Lembke considera os telemóveis, a internet e a chamada ‘mídia digital’ drogas potentes e que qualquer pessoa pode desenvolver o vício. Em entrevista à revista brasileira Veja, a psiquiatra não deixou dúvidas: “Elas (as drogas digitais) activam os mesmos circuitos que as drogas mais tradicionais, como o álcool”. 

Segundo Anna Lembke, “isso significa que estas drogas digitais libertam dopamina (que é o nosso neurotransmissor de prazer) no sistema de recompensa do cérebro. Quanto mais dopamina libertada, mais viciante é a experiência’’.

Em determinados países, as consequências do vício das “drogas digitais” estão já à vista: aumento do número de jovens com depressão, ansiedade, automutilação, desatenção, sensação de perda de significado e propósito, e até transtornos de personalidade. 

A internet é uma droga

Falando do estigma social que recai sobre a adição, o vício, em que se culpa um segmento cada vez maior da sociedade, a psiquiatra diz que a “culpa deve ir para o mundo que tem vindo a ser criado, onde quase tudo se pode tornar uma droga”. Adianta ainda que, “em vez de ver a dependência como um problema de força de vontade ou carácter, devemos pensar como uma enfermidade que resulta da incompatibilidade entre o nosso maquinário neurológico ancestral e o mundo de hoje. É um problema de saúde pública’’.

Fazendo uma perspectiva, naquilo que poderão vir a ser os efeitos no futuro, e apesar de a maioria das pessoas poderem ainda autocorrigir os efeitos do vício, Lembke adianta que entre 10 a 15% da população acabará com dependências potencialmente prejudiciais a essas tecnologias e terá necessidade de intervenção profissional. 

Os riscos, diz, “poderão ser os mesmos que se aplicam às drogas tradicionais. O exemplo é como ter um pai ou avô biológicos que lidam com o vício. Outros factores são a pobreza e o desemprego”.

Doenças mentais

No que respeita às doenças mentais e o que o apego às redes sociais pode contribuir para o seu aumento, a psiquiatra não faz de imediato uma correlação. Isto apesar de, em determinados países, como os Estados Unidos, haver um número crescente de pessoas com problemas de ansiedade, depressão e tendências suicidas.“Eu nunca diria que é tudo culpa dos meios digitais, mas é uma hipótese razoável que essas tecnologias contribuam para o cenário”. 

Mas a médica lembra os casos de pessoas que se afastaram das redes sociais durante algum tempo e a melhoria que isso provocou no seu humor e nos sintomas de ansiedade.

Outro dos riscos do uso exagerado das redes sociais, lembra, e que afecta em especial os jovens, são “a comparação com as outras pessoas, a hostilidade, o bullyng, a humilhação, e os algoritmos de inteligência artificial projectados para nos levar a confrontos e conteúdos mais extremos”.

‘Jejum’ de dopamina

E já que o problema está na dopamina libertada, essa sensação de prazer incontrolável, a psiquiatra recomenda um “jejum de dopamina”. A fórmula é a seguinte: “Com a repetição constante da sensação de prazer, o cérebro tenta acomodar o aumento diminuindo a produção e transmissão da dopamina, o que resulta num déficit crónico. Então, ficamos inquietos com o desejo de usar a droga, para evitar nos sentirmos miseráveis — em suma, voltar a níveis saudáveis de dopamina”. 

É esse mecanismo que impulsiona aquele desejo de assistir a mais um vídeo no TikTok, por exemplo. A ideia do jejum é dar ao cérebro tempo suficiente (cerca de três a quatro semanas) sem altas recompensas para que ele retorne ao nível de dopamina ideal”. Isso não cura o vício, adianta Anna, mas ao menos “mitiga o ciclo e permite a autoanálise de nosso comportamento”.

A boa notícia, diz a psiquiatra norte-americana, “é que muitos jovens estão a perceber que o tempo que passam no mundo virtual está, na verdade, a piorar as suas vidas, e estão gradualmente desconectando-se”.

“Nação Dopamina” é o título do livro desta respeitada psiquiatra de 55 anos, que se tornou num enorme sucesso mundial, e que fala sobre a dependência química. Anna Lembke é professora na Universidade Stanford e chefia uma clínica desta instituição voltada para o estudo do tema dos vícios e transtornos de saúde mental.  

 

Joaquim Arena 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 842, de 19 de Outubro de 2023

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