PUB

Convidados

O desafio da profissionalização da gestão escolar em Cabo Verde

Por: António Moreira*

Atualmente, com a crescente demanda por uma educação inclusiva e de maior qualidade, a gestão escolar tem ocupado um espaço central nos debates e políticas educacionais, tendo em conta o papel crucial dos gestores escolares na eficácia educativa das escolas e, consequentemente, no sucesso escolar dos alunos. Por conta disso, defende-se hoje (mais do que antes) a necessidade de profissionalização da gestão escolar, de modo a garantir aos gestores que dirigem as escolas competências necessárias e condições propícias para o bom exercício das suas funções.

Em Cabo Verde, a gestão escolar, mormente a sua importância e profissionalização, tem merecido ao longo dos tempos pouca atenção, não só por parte dos dirigentes que tutelam o sistema educativo, como também no campo académico. Por exemplo, a Lei através da qual se geriu, até há pouco tempo, as escolas públicas no país datam de 2002 (Decreto – Lei nº 20/2002 de 19 de Agosto). Somente em 2019, isto é, 17 anos depois, é que se introduziu novas mudanças e melhorias na legislação.

No âmbito das mudanças legislativas implementadas, procedeu-se à constituição dos agrupamentos de escolas e instituiu-se um novo modelo de organização e gestão escolar (Decreto-lei n.º 8/2019 e Decreto-lei n.º 9/2019, de 22 de Fevereiro). Deste modo, as escolas básicas e secundárias, antes com uma gestão autónoma, passaram a integrar uma mesma unidade de gestão, de maior dimensão e mais complexa. Assim, alterou-se completamente a estrutura organizacional dos estabelecimentos escolares, inaugurando, desta forma, uma nova e complexa etapa de transição e mudança na estrutura, gestão e funcionamento das escolas públicas do ensino básico e secundário no país.

Nesse novo contexto, os responsáveis e membros dos órgãos de gestão dos agrupamentos confrontam-se, agora, com múltiplas exigências e complexos desafios. Isso porque, por um lado, os agrupamentos escolares, por serem estruturas organizacionais de maiores dimensões e mais plurais e complexas (Lima & Torres, 2020), acabam por ampliar e complexificar os processos de gestão. Por exemplo, há agrupamentos constituídos por 11 escolas (localizadas geograficamente dispersas) e outros a funcionar com mais de 2500 alunos e professores, o que demonstra o complexo trabalho dos gestores/diretores dos agrupamentos de escolas no contexto atual.

Por outro lado, o Decreto-lei n.º 8/2019 estabelece como princípios basilares de administração, gestão e funcionamento dos agrupamentos a gestão democrática, a autonomia e transparência, o planeamento estratégico, através do Projeto Educativo, a gestão racional e partilhada dos recursos humanos, pedagógicos e materiais, a articulação pedagógica (horizontal e vertical), a autorregulação da ação educativa e a institucionalização da autoavaliação (artigo 4.º). Esse conjunto de mudanças e desafios exige, naturalmente, dos gestores escolares novos conhecimentos, competências e habilidades técnicas e diversificadas.

Porém, segundo um estudo realizado em nove agrupamentos da ilha de Santiago, em 2020, apenas uma minoria (17,4%) dos membros das direções escolares dos agrupamentos estudados (incluindo os diretores) possuía formação académica (de base) na gestão escolar (Moreira, 2021), o que não se coaduna nem com o quadro legal vigente e, muito menos, com a exigência de competências gerenciais e de liderança requeridas aos gestores/diretores face à complexidade organizacional dos agrupamentos

Esse facto é um indicador de que a gestão escolar constitui umas das grandes fragilidades no contexto educativo cabo-verdiano. Aliás, é pertinente relembrar que em 2016, no âmbito da elaboração do Plano Estratégico da Educação (PEE) 2017-2021, identificou-se como um dos principais problemas do setor da educação no país a fraca gestão educativa/escolar, a nível administrativo e, sobretudo, pedagógico. Essa fragilidade foi apontada como uma das causas para o baixo nível de eficiência e eficácia das escolas, e da própria qualidade de ensino garantido aos alunos. Por conseguinte, a gestão educacional/escolar foi definida no referido plano estratégico como o pilar da mudança.

Contudo, no Relatório de Avaliação da Implementação do Plano Estratégico da Educação (RAIPEE) (2017-2021), publicado em março de 2021, constatou-se que, a nível da gestão educacional, apenas 37% das ações previstas foram realizadas e 50% parcialmente realizadas. Isso mostra, portanto, que a gestão escolar constitui ainda um grande desafio, que deve ser superado com a máxima prioridade.

Nesse contexto, defendemos a necessidade de profissionalização da gestão escolar. Para que isso se concretize, é necessário empreender diversas políticas e ações, nomeadamente: 1º) melhoria legislativa, para estabelecer os requisitos e critérios de escolha (não apenas por nomeação), formação e competências dos gestores escolares no atual contexto educativo nacional; 2ª) maior aposta na formação (inicial e contínua) em gestão e liderança, tanto dos atuais gestores como dos aspirantes ao cargo, mediante levantamento prévio das necessidades formativas e acompanhado de um programa de monitorização e avaliação; 3º) melhoria das condições de trabalho dos gestores, através da disponibilização de recursos que lhes permitem praticar uma gestão autónoma, eficiente e de proximidade. 

Para esse efeito, torna-se necessário, como consta nas recomendações feitas no RAIPEE (2017-2021), a capacitação das direções dos agrupamentos de escolas e das delegações em áreas como avaliação, autonomia na gestão administrativa e pedagógica, elaboração e execução dos instrumentos de gestão, como destaque para implementação e seguimento do projeto educativo. Além disso, é preciso ainda definição de um quadro de pessoal especializado nas diferentes funções dos serviços de gestão educativa e regulamentação dos subsídios destinados aos órgãos dos agrupamentos de escolas.

Todavia, importa frisar que a profissionalização da gestão escolar impõe-se, de forma mais contundente, aos responsáveis das direções escolares, com destaque para os diretores. Como sabemos, o Diretor possui competências em todas as dimensões da gestão escolar (pedagógica, administrativa, financeira e patrimonial). É também o principal responsável pelo cumprimento da lei, dos regulamentos e das orientações (nacionais e internas) e pelo estabelecimento da ordem e boa convivência na escola. Ademais, a sua ação, enquanto líder da instituição escolar, tem repercussões diretas na eficácia da escola no cumprimento dos seus objetivos educacionais e no bom desempenho dos alunos e professores.

Enfim, consideramos que a gestão escolar constitui uma área fundamental da educação, pois, através dela, se procura criar nas escolas as condições necessárias para garantir uma aprendizagem sólida aos alunos (Lück, 2009). Isso implica, portanto, ter gestores/diretores escolares com percursos formativos mais sólidos, melhores condições de trabalho e compensações remuneratórias atrativas, para que possam gerir os agrupamentos com motivação, competência e sucesso. Vencer esse desafio será, sem dúvida, de importância crucial para o desenvolvimento estratégico e sustentável do país, cujo principal recurso é, sem dúvida, o seu capital humano.

Obras e documentos consultados:

Lima, L. C., & Torres, L. L. (2020). Políticas, dinâmicas e perfis dos agrupamentos de escolas em Portugal. Análise Social, 55(4 (237), 748-774.

Lück, H. (2009). Dimensões de gestão escolar e suas competências. Editora Positivo.

Moreira, A. C. (2021). Administração e gestão dos agrupamentos escolares em Cabo Verde: Desafios para o Conselho Diretivo. [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade Jean Piaget de Cabo Verde.   

Decreto-lei nº 20/2002 de 19 de agosto.

Decreto-lei nº 8/2019 de 22 de fevereiro.

Decreto-lei nº 9/2019 de 22 de fevereiro.

Plano Estratégico da Educação – 2017-2021. Praia, junho, 2017.

Relatório de Avaliação da Implementação do Plano Estratégico da Educação (2017-2021), 2021.

*Mestre em Gestão Escolar

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 838, de 21 de Julho de 2023

PUB

PUB

PUB

To Top