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Política

Guiné-Bissau, 50 anos: Meio século de muita deriva

Cinquenta anos depois, os guineenses revivem, este fim de semana, nas colinas do Boé, o seu ‘grito do Ipiranga’, de 1973, que ajudou à derrocada do império colonial português. As comemorações servirão para reflectir sobre o presente o futuro do país, que parece continuar adiado, muito por culpa da sua classe política dirigente.

A recriação da primeira assembleia constituinte da Guiné-Bissau, que proclamou a independência do país, em 24 de Setembro de 1973, deverá ser um dos pontos altos das comemorações dessa efeméride.

Para os dias 23 e 24 (sábado e domingo, respectivamente), está prevista a deslocação de deputados e representantes dos vários órgãos de soberania nacionais, até às colinas do Boé, no Leste do país, onde se realizou esta primeira assembleia histórica, num ambiente de guerrilha e oito meses depois da morte do líder histórico do PAIGC, Amílcar Cabral.

A recriação desse “momento fundador” do Estado guineense será feita por um conjunto de jovens, anunciou Ansumane Sanha, chefe do gabinete do presidente da Assembleia Nacional Popular, Domingos Simões Pereira.

A cerimónia conta com a participação de representantes de todos os órgãos de soberania e não só, da Guiné-Bissau, à excepção do Presidente da República, Umaro Sissoko Embaló, que fará uma intervenção através de mensagem de vídeo, pré-gravada.

Para além das celebrações deste fim de semana, o programa arranca no dia 16 de Novembro, passada a época das chuvas. São esperados convidados de vários países, entre eles o Presidente da República e o primeiro-ministro português, mas também de Cabo Verde, cuja independência foi também pugnada, conjuntamente, com a da Guiné, através do PAIGC.

A data de 24 de Setembro marca o culminar da luta armada, ao longo de 11 anos, liderada por Amílcar Cabral e o PAIGC, contra o colonialismo, na então Guiné Portuguesa, com a proclamação unilateral da independência do país, pela voz de João ‘Nino’ Bernardo Vieira, presidente da ANP, nas colinas do Boé, perto de Gabu, e por Aristides Pereira, secretário geral do partido, e Luís Cabral, presidente da República, escolhido na mesma ocasião, em Boé.

Das três frentes de combate contra o colonialismo português, em África (Angola, Guiné e Moçambique), o país de Amílcar Cabral foi o primeiro a proclamar, ainda que unilateralmente, a sua independência de Portugal, logo reconhecida por dezenas de países amigos ou aliados do PAIGC.

O reconhecimento pela antiga metrópole só chegaria um ano depois, a 10 de Setembro de 1974, depois do 25 de Abril, através de uma mensagem ao país pelo então presidente da República, o general António de Spínola, governador da Guiné entre 1968 e 1973, ao cabo de negociações com o PAIGC, através de uma delegação chefiada por Pedro Pires.

País adiado

O percurso da Guiné-Bissau nestes 50 anos está muito longe de ser linear, constituindo, antes, o caso de um país que tinha tudo para dar certo mas acabou por se perder pelo caminho. Golpes de Estado, uma situação social em degradação contínua e uma economia que nunca se afirmou, e mais recentemente com a instalação no país de grupos ligados ao narcotráfico, além de outros ingredientes, têm feito da Guiné um caso delicado e de muito difícil gestão.

O país passou recentemente por eleições legislativas, vencidas pela coligação Tera Ranka (PAIGC e aliados) e um novo governo, cujo programa aguarda, ainda, pela aprovação do Parlamento.

As relações entre o presidente Umaro Sissoko Embaló e o principal partido do país, o PAIGC, liderado por Domingos Simões Pereira, têm sido um factor de tensão, numa sub-região já por si afectada por vários conflitos políticos e militares.

Morte de Cabral

Por coincidência, este é também o ano em que também se assinalam os 50 anos da morte de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, em Conakry. Ou seja, cinco décadas depois da independência e da morte do líder do PAIGC, a Guiné-Bissau enfrenta velhos e novos problemas que têm dificultado o seu processo de desenvolvimento. A começar pela reabilitação do próprio Estado, a credibilidade das suas instituições e reforço da democracia, para o desespero dos seus cidadãos, muitos dos quais procuram na emigração, inclusive para Cabo Verde, a saída para os seus problemas de sobrevivência.

No entanto, em 1973, quando proclamou a sua independência, e em resultado das conquistas militares no terreno e também da projecção internacional de Amílcar Cabral, enquanto diplomata
e intelectual, a Guiné-Bissau era das então colónias a que dava sinais de um auspicioso arranque pós-colonial.

Em pouco tempo, porém, isto é, no espaço de cinco anos o seu primeiro presidente da República, Luís Cabral, seria apeado do poder por um golpe de Estado perpetuado pelo seu número dois, João Bernardo Nino Vieira, em Novembro de 1980, abrindo assim as portas para este tipo de solução para resolver os problemas políticos, tão comuns em África. Aliás, depois de anos como senhor absoluto do país, o próprio Nino Vieira acabaria também ele por morrer na sequência de um dos levantamentos militares que teve de enfrentar ao longo da sua conturbada vida.

Uma outra consequência do golpe de 1980 foi o fim da “unidade” entre a Guiné e Cabo Verde, o que deu lugar ao Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) em ruptura com o PAIGC, que na Guiné conservou essa sigla. Ao contrário do passado, em que eram os cabo-verdianos a emigrar para a Guiné, hoje, milhares de guineenses vivem em Cabo Verde, o que por si ajuda a ilustrar a diferença de rumos entre os dois estados irmanados pelo sangue e pela história comum.

Praia assinala independência da Guiné

O cinquentenário da proclamação da Independência da Guiné Bissau está a ser assinalada, na cidade da Praia, por várias associações de cidadãos e amigos desse país, em parceria com a Embaixada da Guiné-Bissau e Alto Patrocínio da Presidência da República de Cabo Verde.

Conforme nota informativa da organização do evento, o programa tem como pontos altos a organização de uma Recriação Histórica sob o lema “O valor da cultura como elemento de resistência”, marcada para domingo, na Avenida dos Combatentes de Liberdade da Pátria (Largo do Arquivo Histórico), das 12h30 às 18 horas.

Durante o dia de domingo, ou do programa previsto, constam a deposição de coroa de flores no Memorial Amílcar Cabral; Exposição Fotográfica também nesse Memorial; Exposição de Livros sobre a temática da luta e independência na Biblioteca Nacional; Conferência “Guiné-Bissau 50 anos de independência – Os desafios de construção das Políticas Públicas para o Desenvolvimento Socioeconómico”; e Feira Gastronómica com pratos típicos da Guiné-Bissau.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 828, de 21 de Setembro de 2023

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