“Kab Verd Band AZ – Música & Tradições” é a nova obra do jornalista, radialista e pesquisador Carlos Gonçalves, que vai ser lançada hoje, sexta-feira, 15, na Biblioteca Nacional. A nova geração de artistas como Trankafulha e SOS Muccin, entre outros, também ganha espaço, por detrás de critérios bem específicos. Segredos e curiosidades prometem aguçar o apetite dos fãs da música e da cultura.
“No lançamento do primeiro livro (Kab Verd Band, em 2006) houve foi uma série de reclamações, porque, quando fiz o primeiro livro, todo o mundo da comunidade musical queria estar nele. A critica, ou críticas que eu recebi, é que faltava isto e faltava fulano, faltava não sei o quê. Mas para estar esse pessoal lá, teria de ser um outro livro. A desculpa que eu dava era que em 200 páginas não podia meter toda a gente e, então, surgiu a ideia deste segundo livro”, começa por revelar em entrevista ao A NAÇÃO Carlos Gonçalves, dias antes do lançamento de Kab Verd Band AZ, Música & Tradições.
Foi então que depois de digeridas as críticas, que em 2007, se começa a debruçar sobre o índice onomástico do primeiro livro, mas se apercebe que o seu acervo sobre a música, cultura e tradições era muito mais basto graças à sua paixão e curiosidade pela música e pelo jazz. Entre os vários dicionários de jazz, livros conexos foi alargando o âmbito deste segundo livro às tradições e composições para além dos actores que fazem a cultura e música das ilhas.
Mais de três mil entradas
Esta obra com mais de três mil entradas e 801 páginas, acaba por ser também um exaustivo trabalho de investigação que retrata a pesquisa que Carlos Gonçalves fez ao longo da sua vida profissional desde 1975, seja como jornalista ou radialista.
“Sempre produzi programas de música de Cabo Verde e jazz e, então, para poder fazer os programas tinha que ter fontes. Então, ao longo dos anos fui criando um arquivo de recortes de jornais e, portanto, de todos os temas ligados à música e à cultura”, recorda.
No fundo, como confidenciou ao A NAÇÃO este segundo livro é fruto da sistematização de todo o material que ia recolhendo, inclusive em papel, muito antes dos computadores da era digital.
“O que está agora livro, existe fisicamente, eu tenho um ficheiro de A a Z, com todos os temas e toda a gente, onde guardo todas as documentações, não só recortes de jornais, como todas as notas de imprensa que chegam. Isto vem desde os anos 80 ou 70, eu tenho em parte física e tenho em digital, a partir de 2005, por aí… Por cada entrada que está no dicionário, existe uma parte física ou digital”, explica.
Contributo
É então a partir desta “base de dados” riquíssima que surge este segundo livro. Mais que um dicionário, a obra é um contributo à preservação da cultura e património de Cabo Verde.
“Ao longo de 150 anos ou mais, foi escrita muita coisa de Cabo Verde, houve muita coisa, há muita documentação. Sobretudo já no século XX, escreveu-se muito sobre a música de Cabo Verde, mesmo em termos literários, e até de contribuições descritivas, mas essas descrições, portanto, saem num jornal e depois morrem lá nos arquivos do jornal e, depois, quer dizer, um belo dia, portanto, há uma pessoa que, por acaso, encontra um documento mas não há um relacionamento de toda essa informação, para quem quiser saber mais”, observa sobre a pertinência do livro.
Com esta publicação Gonçalves espera conseguir transpor para as outras pessoas todo o “prazer” que teve em encontrar todas as informações aqui reveladas. Um trabalho exaustivo, que conta com cerca de 15 anos de preparação com muita persistência à mistura.
“Aprendi desde adolescente uma coisa, que se trabalhares todos os dias um bocadinho fazes uma grande quantidade de coisas e, então, todos os dias, depois do serviço, eu tirava 1 hora para fazer isso. Por exemplo, eu mandava uma ficha para os artistas, os cantores e músicos para preencherem com os seus dados, datas de nascimento, e muitos, não responderam, outros ficaram zangados, não sei quê, não sei quantos, mas eu acho que eles vão entender agora…”
O livro, personalizado na capa com a imagem estilizada da figura da rainha da morna Cesária Évora, garante, vai servir “a todos”. Jornalistas, investigadores, estudiosos, artistas, curiosos da cultura e das artes, etc.
“Eu antes ouvia jazz, eu gostava de música, etc., mas entrei no universo do jazz porque quando a gente começa a ler sobre um determinado artista, ou sobre uma música, e sobre como é que surgiu isto, e aquilo, a gente começa a entrar num novo universo. Eu acho que vai ser a mesma coisa (com o livro) e será com a música de Cabo Verde”, perspectiva.
“Nos já temos um património discográfico muito importante na música de Cabo Verde, desde os anos 30, e que está a ser esquecido e que deverá, portanto, ser alvo de muitas medidas e coisas nos próximos tempos”.
Dados até 2022
Embora tenha sido concluído em 2018, o livro acabou por ser actualizado até à sua edição final, com dados até 2022, incluindo nomes como Trankafulha e SOS Mucin, por exemplo.
“O trabalho mais penoso foi actualizar sempre o livro, muita gente foi morrendo, e fiz um esforço para meter muita gente, muitos jovens que surgiram entre 2019 e 2022, meti muita coisa, mas não podia meter tudo”.
Inclusive, como faz questão de realçar foram estipulados alguns critérios para se figurar no livro. “A pessoa tem que ter um disco editado, no caso do quem é quem, porque o livro não é só quem é quem. Mas pode não ter um disco editado, mas ser uma pessoa que foi badalada nos jornais e na sociedade, portanto, que tenha visibilidade”, elucida.
O lançamento deste dicionário de mais de 800 páginas sobre a cultura e a música de Cabo Verde traz mais de três mil entradas de dados recolhidos até 2022, acontece esta sexta-feira,15, na Biblioteca Nacional. A apresentação estará a cargo do sociólogo e investigador musical César Monteiro.
Curiosidades desvendadas
“Kab Verd Band AZ – Música & Tradições”, o mais recente trabalho de Carlos Gonçalves, tem a particularidade de ter múltiplas entradas para se chegar a um artista ou músico ou até composição. Seja através do nominho, nome artístico e apelido. “Pode-se chegar a um artista por praticamente todas as vias”, reforça.
O livro integra ainda muitos músicos da diáspora, sobretudo dos Estados Unidos da América e da Europa. “Muitos músicos que as pessoas não imaginavam que eram cabo-verdianos. Há, por exemplo, um orquestrador do New Kids on The Block que é de origem cabo-verdiana. Também, a primeira música cabo-verdiana internacionalizada foi uma música internacionalizada pelo Harry Belafonte, que foi um grande cantor dos anos 50, que está no livro. Houve um crioulo nascido na América que sabia dessa música, que é “Tonga Tunguinha”, e então esta foi a primeira música, assim de grande sucesso Internacional planetário, muito antes de Sodade (cantada por Cesária Évora).
Estas e outras curiosidades e pesquisas feitas por Carlos Gonçalves podem ser encontradas neste novo livro, o segundo daquilo que se avizinha ser uma trilogia. É que na forja está uma história sobre a Morna, uma história que garante “vai escandalizar”. Mas, até lá Kab Verd Band AZ, Música & Tradições promete despertar a curiosidade de todos os fãs e curiosos da música e da cultura de Cabo Verde.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 837, de 14 de Setembro de 2023