PUB

Convidados

Formar médicos… para o desemprego?*

Por: António Pedro Delgado

Li, com apreensão e chocado pelo sentimento de perda, nos Destaques da edição 827 do Jornal A NAÇÃO a seguinte notícia:

“Apesar da falta de quadros: Há dezenas de médicos no desemprego

Cabo Verde mantém dezenas de médicos no desemprego, apesar da falta desses profissionais em diversas estruturas de saúde do país. A maioria, formada pela universidade pública, está há quase dois anos à espera da integração no Ministério da Saúde. Alguns, inclusive, têm deixado o país à procura de trabalho”.

Senti um aperto no peito e como docente nessa formação desde o primeiro dia, decidi saber mais o quê, de facto, se passa com os jovens médicos recém-formados, para os quais tenho contribuído para a sua formação, que adquiriram os requisitos para serem integrados nos serviços de saúde cabo-verdianos públicos ou privados.

Fontes ligadas aos estudantes de medicina confirmam-me que os 39 médicos resultantes das duas primeiras turmas que finalizaram o Mestrado Integrado em Medicina nos anos de 2021 e 2022, ainda não foram recrutados nem pelo sector público nem pelo privado.

Desses jovens quadros médicos, diz-se que 11 (28%) já emigraram a procura de emprego, e muitos falam em seguir o mesmo caminho pelo desânimo que essa situação provoca, entre outros motivos.

Há, nas várias turmas e nos diversos anos de formação em curso, mais de 120 estudantes que podem perder o ânimo, o ensejo para terminar a formação e, sobretudo a esperança de se fixarem em Cabo Verde.

O curso de Medicina foi criado com pompa e circunstância, pelo Estado de Cabo Verde e alocado à Uni-CV em colaboração com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra na expectativa de dotar o país de profissionais de saúde da área, qualificados e em quantidade para melhor responder às necessidades da população.

Parece que o país, que fez e continua a fazer um esforço enorme para os formar, que estende a mão à cooperação para isso, que envolve vários docentes cabo-verdianos e portugueses, não precisa deles como profissionais, quando há instituições de saúde com penúria desses técnicos para melhor servir a população.

São ocupados em “estágios após estágios” fora do programa de formação, com horário completo como se tivessem sido recrutados, mas sem qualquer remuneração.

Não há uma informação pública para explicar as razões dessa aparente irracionalidade, para que se possa aferir sobre a plausibilidade ou não desse (des)caso.

Desconhece-se a reação de instituições envolvidas e com o dever de se interessarem pelo processo, e pergunta-se onde estão e que medidas tomaram ou pretendem tomar:

a.  A Uni-CV, que se vangloria de os ter formado, em cooperação com a FMUC embora assumindo por inteiro o diploma, dá por finda a sua tarefa e sente-se realizada ao não se poder testar a capacidade e a competência desse profissionais, avaliar o produto da formação em causa e reajustar em conformidade?

b.  Que nos diz o Ministério da Saúde, o empregador público por excelência dos médicos, quando não dispõe de RH suficientes para fazer mais e diferente, perante as carências evidentes?

c.  Como o Ministério das Finanças justifica não ter orçamentado verbas para o recrutamento deles quando, desde 2015 se sabia e se podia prever quantos seriam formados a partir da 1ª fornada, seis anos depois, em 2021 e quanto seria de prever de financiamento como o necessário para os recrutar?

d.  O que pensa e faz a Ordem dos Médicos Cabo-verdianos, que não vê nem exprime uma atenção específica em relação à situação desses jovens médicos?

e. Como o Parlamento, em representação do povo cabo-verdiano, enquadra essa questão, e o que faz ou pretende fazer no esforço manifesto de apoiar a juventude, no contexto atual?

f. A Sociedade Civil organizada ou não, perante as penúrias e imprevistos para aceder e obter cuidados de saúde, manter-se-á calada e muda?

Naturalmente que há outros grupos profissionais nessas condições, mas vamos por partes!

Essa questão não é apenas um problema desses JOVENS MÉDICOS, mas é um problema multifacetado, mais profundo da sociedade cabo-verdiana que não consegue amparar os seus jovens.

Terá valido a pena esse esforço de centenas de jovens, de seus pais, dos professores, da sociedade no geral, entre outros, para se deixar ‘morrer na praia’? Vale sempre a pena e é por isso que exorto as entidades responsáveis, decisoras e executoras, para se esforçarem na obtenção de uma solução a mais rápida possível para a satisfação dessa franja de cidadãos e para evitar essa fuga de cérebros jovens de que tanto o país precisa. Todos ganharemos!

Terra Branca, 27 de Julho de 2023

* Titulo da responsabilidade da redacção.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 832, de 10 de Agosto de 2023

PUB

PUB

PUB

To Top