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Política

Taxa da pobreza levanta dúvidas: Independência do INE posta em causa

Os dados mais recentes sobre a pobreza divulgados pelo INE suscitam dúvidas a vários agentes, especialmente, partidos e analistas. O INE não actualizou o valor do limiar da pobreza de 2015, o que, no dizer de um especialista, pode dar azo a uma redução “fictícia” desse mal sociedade. O ministro Elísio Freire congratula-se, obviamente, com os números anunciados, que contrariam a percepção geral de que o número de pobres aumentou. 

O ministro do Estado, da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social considerou, há dias, “extraordinários” os resultados obtidos pelo governo na redução da pobreza no país. Como fez saber, através do Cadastro Social Único, foi possível saber que havia cerca de 12 mil famílias em situação de pobreza extrema e contra isso o Governo criou programas virados para os agregados em situação de vulnerabilidade.

Referindo-se aos mais recentes dados dos INE, Fernando Elísio Freire disse que entre 2015 e 2022 a pobreza no país caiu de 35% para 28% e que a pobreza extrema, que em 2015 se situava à volta dos 23%, baixou para 11% em 2022.

Jogando com os números

Esta não é, porém, a leitura que a UCID faz, nem tão-pouco de um especialista ouvido pelo A NAÇÃO, acerca da pobreza no país, salientando este que, fazendo fé nos dados oficiais do INE (terceiro IDRF2015), se a taxa de pobreza extrema era de 10,6%, em 2015, a sua redução agora para 11%, é, portanto, irrisória, pois não chega sequer a um ponto percentual (0,4%).

Além disso, recorda a mesma fonte, houve uma redução significativa da população, em 33.600 pessoas, entre 2015 (estimada em 524.833, pelo INE) e 2021 (491.233, Censo 2021), o que, obrigatoriamente, impacta favoravelmente o número de pessoas, tanto na situação de pobreza absoluta, como na situação de pobreza extrema.   

Do total dos pobres em 2015, segundo o INE, 53% eram mulheres chefes de família, 44% correspondiam a agregados familiares monoparentais e em 61% dos agregados existiam seis ou mais pessoas. Da mesma forma que, do total dos pobres, 51% vivia no meio urbano, 58% estava em Santiago e 21% residia na Praia.

Nos últimos sete anos, ou seja, de 2015 a 2022, não se regista praticamente um progresso na situação dos pobres e dos muito pobres e a culpa não é só da pandemia, que só chegou em 2020.

Segundo o INE (dados de Abril de 2023), em 2022 a taxa de pobreza absoluta situou-se em 28,1%. Em Outubro desse mesmo ano, esse instituto estimara que, em 2020, 13,1% da população vivia abaixo da linha da pobreza internacional – população que vivia com menos de 1,9 dólar (cerca de 190 ECV) por dia.

Contradições

Os dados mencionados pelo vice-presidente do INE, Fernando Rocha, na semana passada, onde aponta que a pobreza absoluta ou global é de 20,2 % e a pobreza extrema é de cerca de 9,4%, de acordo com um outro especialista, “não podem, de forma alguma, corresponder à realidade da situação da pobreza em Cabo Verde”. E isso, conforme o nosso interlocutor, sobretudo, por o INE não ter actualizado o limiar de pobreza determinado em 2015.

Recorde-se que são considerados pobres aqueles que, em 2015, viviam em agregados familiares com consumo médio anual por pessoa abaixo do limiar da pobreza, fixado, no meio urbano, no valor de 95.461 ECV (7.955 ecv/mês) e, no meio rural, no valor de 81.710 ecv (6.809 ecv/mês).

Também, para a pobreza extrema, o INE considerou a proporção da população que vivia com menos de 1,9 dólar dos EUA (cerca de 190 ecv) por dia.

Esses valores encontram-se totalmente desfasados da realidade de hoje, diz a nossa fonte: “Pois, com tais valores compra-se, actualmente, muito menos bens e serviços essenciais do que se comprava em 2015, devido à inflação média anual acumulada (IMA) de 2015 a 2022, superior a 12%, mas sobretudo à IMA acumulada do índice referente aos produtos alimentares não transformados e às bebidas não alcoólicas, superior a 20%, penalizando fortemente o poder de compra das famílias mais vulneráveis que gastam uma parte maior das verbas disponíveis ao consumo desses bens básicos”.

Aqui, o nosso analista salienta que esses dados foram avançados à imprensa pelo ministro da Agricultura e Ambiente, Gilberto Silva, à margem da cerimónia de abertura da X reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN), realizada a 21 de Junho. Gilberto Silva também tinha afirmado, então, que os dados mostram que 32% das famílias ainda não têm o acesso financeiro suficiente, 10% da população sofre de desnutrição crónica.

Dizer, como tem dito o Governo, que o limiar da pobreza não foi actualizado por recomendação do Banco Mundial, “é tratar os cabo-verdianos com sendo mentecaptos”, realça a nossa fonte, que sugere os ministros a entrarem primeiro em sintonia antes de falarem publicamente na redução da pobreza em Cabo Verde. “A discrepância dos números deixa-nos todos mal, além de acentuar o descrédito em que o INE parece se encontrar”, finaliza. 

Pressa do INE para “agradar” Governo

As fontes do A NAÇÃO dizem estranhar a “pressa” do INE em publicar dados de um estudo complexo e importante (Inquérito às Despesas e Receitas Familiares) que ainda vai a meio percurso, na medida em que a recolha de todos os dados só terminará em Dezembro de 2023, para depois serem devidamente trabalhados e divulgados. 

Na tal “pressa”, ao que se supõe, terá pesado o facto de os primeiros números do INE sobre a pobreza terem começado a aparecer com o aproximar do último debate sobre o Estado da Nação, de 28 de Julho. O Governo precisava, obviamente, desses valores para calar a oposição e com isso reforçar a confiança junto dos cabo-verdianos.

“Saliente-se que, por norma”, lembra o nosso interlocutor, “o INE leva entre um e dois anos a trabalhar os dados do género e a publicá-los. Uma instituição com a importância do INE deve ter cautela acrescida nos trabalhos de recolha e publicação de dados sensíveis, como são os relativos à pobreza”.

Entretanto, a estimativa da pobreza global no período 2016-2022 indicou que a taxa de pobreza em 2022 situou-se em 28,1 %. Em 2020, a taxa de pobreza extrema situava-se em 13,1%, como já referido.

UCID torce o nariz para os dados do INE sobre redução da pobreza

O líder da UCID, João Santos Luís, disse na segunda-feira, em conferência de imprensa, no Mindelo, que não viu as medidas de fundo, do Governo, que possam ter levado à redução da pobreza e da pobreza extrema no país. Daí alertar que não vale a pena o INE produzir números para “satisfazer as inquietudes do Governo”.

“Depois do anúncio do INE, o ministro da Família e da Inclusão Social apareceu logo na comunicação social a vangloriar-se de que o Governo está num bom caminho e que as medidas são de facto apropriadas para reduzir a pobreza e a extrema pobreza, o que não é verdade”, criticou.

No entender de João Santos Luís, a pobreza e a extrema pobreza não se reduzem de um mês para outro ou de um trimestre para outro. Aliás, referiu, a pobreza sequer vem sendo estagnada por culpa do Governo porque não tem conseguido aproveitar os recursos que o país tem.

Segundo aquele dirigente político, o actual Governo, suportado pelo MpD, tem adoptado medidas assistencialistas à semelhança do Governo do PAICV, que não conduzem à redução efectiva da pobreza, mesmo com o apoio do Banco Mundial e outros organismos internacionais.

Além disso, salienta o líder da UCID, como sinal preocupante, é o facto de “mesmo com os dados avançados pelo INE, tanto a pobreza global como a extrema pobreza estão ainda muito altos e com cinco ilhas com percentagens acima da média nacional, tanto num como noutro”.

“Perguntamos que medidas estruturantes foram tomadas pelo governo para além das medidas de assistencialismo em curso, para que a pobreza global e a pobreza extrema se reduzissem de primeiro para o segundo trimestre de 2023?”, questiona.

O não ajustamento salarial que melhore o poder de compra dos trabalhadores e famílias, os pensionistas do regime não contributivo que não foram contemplados com um “aumento exponencial” das suas pensões de sobrevivência e o não ajustamento da pensão de reforma ao salário mínimo nacional são outros pontos que levam a UCID a torcer o nariz para os dados anunciados relativos à redução da pobreza absoluta e da pobreza extrema.

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