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Literatura

Violência de género na literatura: Escritores apostam em obras literárias como arma de combate à VBG

Considerado um dos principais problemas sociais da actualidade, a violência de género tem sido tema frequente de livros de vários autores cabo-verdianos. Inquietantes e necessárias, as obras procuram sensibilizar, educar e despertar a ação coletiva na luta por direitos humanos, a começar por colmatar a VBG.

Uma violência geracional, é assim que a escritora Natacha Magalhães descreve um relato de Violência Baseada no Género, no livro de contos “Os Lobos não podem Esperar”. O conto “Quando os Tigres Silenciam” dá vida a um relato intimista de violência de género na comunidade e familiar que transcende as gerações.

Para a autora, a violência sobre meninas e mulheres está tão enraizada que tem sido normalizada e aceita, como herança de pai para filhos, dificultando a quebra de ciclos.

Lançado em Maio deste ano, o livro conta relatos de VBG, abuso sexual no casamento e abuso infantil, em vários contos. Natacha Magalhães diz que no livro procurou abordar a violência em várias dimensões, além da conhecida, mas também mostra o lado dos homens e seus dramas.

“Há contos que retratam situações de violência doméstica e conjugal, essa última que quase não é falada, mas que acontece em muitos lares, onde mulheres são violentadas e abusadas sexualmente pelos seus companheiros. Não se fala porque é impensável para muitas pessoas que uma mulher casada ou que viva maritalmente seja abusada ou violentada sexualmente pelo companheiro, mas estes casos existem”, explica ao A Nação.

História real transformada em livro

De igual modo, o autor João José Lopes tem no mercado o romance “Amor Cruel”. Uma história verídica de VBG, presenciada pelo autor e esmiuçada na pele dos personagens Camila e Joel. A protagonista é uma mulher independente, médica bem-sucedida que pensa ter se apaixonado por um príncipe, mas que depois do casamento torna-se agressor e a começa a perseguir.

A história de “Amor Cruel”, segundo o autor, é a de várias outras mulheres que estão a apanhar dos parceiros, a fugir, a procurar ajuda, a denunciar, mas também de morosidade da justiça que atrapalha a assistência à vítima, resultando, muitas vezes, em mortes.

“O livro mostra também que a sociedade tem culpa quando não age, cruza os braços e finge que não sabe de nada em casos de VBG. Todos nós devemos e podemos ser úteis e ajudar pessoas que sofrem de violência na nossa frente”, diz.

Esta obra foi editada a partir da venda antecipada de livros, o que permitiu que, em apenas um mês conseguisse 400 contos para a sua publicação e actualmente não há exemplares à venda. Segundo diz o autor, este apoio antecipado ao livro mostra que a sociedade não está satisfeita em abrir os jornais e ver notícias de VBG e feminicídio e critica as autoridades exortando-as a fazer mais em prol da causa.

O autor acredita que, através da literatura, pode-se resolver várias questões porque, como diz, só as leis não vão resolver os problemas. “Está mais do que provado que só discutir leis na Assembleia não resolvemos tudo, são questões que se resolvem também com cultura e formação”, acredita o autor que diz ser preciso mais livros sobre estas temáticas para reflexão.

Educar para quebrar ciclos

Por sua vez, Natacha Magalhães diz que para quebrar ciclos de violência não há outro caminho que não o da educação. Para a autora, é preciso educar para a igualdade, dialogar com a nova geração sobre a igualdade entre meninos e meninas e educar para os valores de tolerância e respeito pelo outro.

A literatura, como aponta, pode ser uma ferramenta de denúncia e advocacia, incomodar e acordar mentes para situações que atentam contra os direitos humanos e a dignidade da pessoa. “Uma literatura engajada acaba por levar as pessoas a terem consciência sobre determinados fenómenos, a refletirem e a se engajarem na luta e na prevenção de males sociais”.

Através destes livros, os autores esperam contribuir para enriquecer o debate em torno da violência de género e que sirvam como via de conversa, instrumentos de prevenção de abusos e reflexões. São cada vez mais os autores que tem abordado diversas temáticas relacionadas com a violência como Miriam Medina com o livro “Se Causa Dor, Não é Amor” sobre a violência no namoro e também “Gritos no Silêncio” de Jacob Vicente, sobre o abuso sexual de crianças. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 829, de 20 de Julho de 2022

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