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A real situação socioeconómica das famílias cabo-verdianas

Por: Pedro Ribeiro 

O ano de 2022 ficou marcado como um período de muitas dificuldades e o consequente aumento da taxa de pobreza no país.

A taxa de pobreza aumentou de 26% para 31.7% com a pandemia (20.700 indivíduos). Entretanto, a estimativa da taxa da pobreza em 2022 fixou em 28.1%.

A taxa de risco de pobreza mantém-se elevada, sobretudo entre os mais vulneráveis, leiam-se as crianças (aquelas que são mais pobres tendem a ter um menor acesso à educação pré-escolar e enfrentam maior insegurança alimentar, marcado pelo ensino-aprendizagem online, ainda de qualidade duvidosa.

Muitas dessas crianças não conseguiram assistir a aulas, por razões sobejamente conhecidas), adolescentes (faixa etária critica, e sem  a necessária orientação/suporte familiar e institucional) e os mais velhos (estes estão em privação material e social, apesar do aumento da pensão social a 3  mil idosos).

Ora, muitas crianças vivem em situação de pobreza-, situação que condiciona todo o seu presente e futuro. Essas faixas etárias são amputadas na sua capacidade de criar futuramente capital, o que prejudica o país, já pobre.

Na realidade, trata-se de questões fundamentais de políticas públicas. E não é só nas faixas etárias mais baixas que a pobreza afeta o potencial das pessoas, pois é importante percebermos que num país pobre como o nosso há pessoas que não estão a ter acesso a todo o seu potencial produtivo.

Importa destacar que não são só os desempregados (12.1%) que estão em situação de pobreza. Um número significativo de pessoas empregadas/ocupadas (50.5%) está em risco de pobreza, num país caracterizado pelos precários salários. Além disso, a pobreza afeta de modo desigual os géneros (apesar da subida – 23 posições)-, essa desigualdade é mais acentuada entre as pessoas com escolaridade até ao ensino superior.

Diferenças salariais consideráveis entre publico e privado. Há famílias que estão permanentemente em crise, e de má saúde mental, mesmo nos períodos em que o país cresça significativamente (17.7%, em 2022).

Essas pessoas vivem sempre em crise, com insegurança alimentar (32%) veem os seus pensamentos muito focados nestas dificuldades, e não no bem-estar. Neste quesito, houve preocupações manifesta de não terem comida suficiente. A qualidade da alimentação também é inferior entre os pobres, pelo que urge uma avaliação e medidas de políticas públicas, de forma consistente.

O peso das despesas mensais da alimentação, transportes e habitação no orçamento das famílias tem aumentado, e essa subida verifica-se em famílias com menores rendimentos ou com prestações com taxas de esforço muito elevadas.

Ademais, as pessoas pobres não conseguem ter acesso aos bens essências (alimentação, água, energia, internet …), o que poderá, depois, gerar problemas de saúde.

Num país empobrecido de 487 mil habitantes (último censo), marcado por desempregados, precários e baixos salários, trabalhar não é suficiente para escapar a essa situação critica e as poucas empregadas (178.016 pessoas) estão em risco de pobreza.

De notar que em 2020, ano significativamente marcado pelos efeitos da pandemia, o risco de pobreza a nível nacional tinha aumentado, pelo que qualquer que seja o recuo é sinónimo de um regresso aos níveis pré-covid-19 (traduzido em decréscimo do tempo trabalho e da perda de emprego, incompatibilidade da função com trabalho remoto/hibrido/teletrabalho).

A incidência da pobreza é maior entre os desempregados (24.420 pessoas), famílias monoparentais e indivíduos menos escolarizados, mesmo após às limitadas transferências sociais.

O falso aumento do salário mínimo nacional (13-14 mil escudos) fixou uma fatia considerável dos trabalhadores em risco de pobreza, não o suficiente para compensar inflação, pelo que a pressão dos preços vai continuar. Pois conhece-se o salário mínimo e não se perspetivou, ainda, o salário médio.

Também a desigualdade de rendimentos encolheu. O coeficiente de Gini -, medida de desigualdade (42.4) diminuiu. As famílias pobres têm piores condições habitacionais (deficit habitacional considerável), e vivem em alojamentos sobrelotados (evidenciada pelo cadastro social único), o seu estado de saúde mau ou muito mau, e mais dificuldade em aceder a cuidados de saúde.

Em última análise, o agravamento do custo de vida (persiste a elevada taxa de inflação) tornou-se mais evidente particularmente no último ano, com o efeito também da guerra na Ucrânia, mas já antes era absorvido.

A inflação restringe o crescimento económico-, reduz o consumo das famílias, e encarece a importação.  Certos setores, nomeadamente os transportes-, situação absolutamente intolerável, revela a tremenda incapacidade do governo e da concessionaria (CVI são autênticos tapa-buracos para o executivo).

Em face à crise alimentar, o executivo deve faze chegar via cheques/voucher de alimentação às famílias mais vulneráveis. Os pescadores, agricultores e criadores de gados e os jovens e potenciais empreendedores devem ser apoiados devido à subida de custo de contexto.

A vulnerabilidade do país (nível de exposição de risco – 36 posição) e a volatilidade dos preços das matérias-primas, variação cambial (USD/EUR) e as alterações nas taxas de juros representam riscos de degradação ao crescimento económico e à arrecadação de receitas pelo que comunicar o estado social e económico é essencial para promover a transparência.

Ademais, o cenário macroeconómico corre sérios riscos (orçamentais e outros novos riscos para a estabilidade financeira) de não se concretizar, apesar de se esperar crescimento de 4.8%.

A política monetária é uma das principais ferramentas que o BCV tem para controlar a inflação (por via da subida dos juros) e estimular o crescimento económico (ou desincentivar o crescimento), isto é, para assegurarem o equilíbrio na economia. Quando decide alterar as taxas de juros ou a oferta monetária (entenda-se liquidez), estas mudanças afetam diretamente os mercados financeiros.

Nos momentos em que os juros aumentam, os custos de empréstimo para os agentes económicos  aumentam, o que pode desacelerar o crescimento económico. A diminuição na atividade económica é uma consequência da subida dos juros e que impacta (de forma positiva) o combate à inflação, dado que o consumo-, a procura, começa a diminuir e os preços são obrigados a ajustarem-se para captarem novamente o interesse dos agentes económicos.

Contrariamente, quando os decisores de política monetária decidem elevar as taxas de juro, os custos de empréstimo diminuem, acabando por estimular o crescimento económico e aumentar a inflação. Esta, aliás, foi prática utilizada pelos bancos centrais em momentos de recessão, uma vez que estes são obrigados a introduzir medidas de estímulo à economia em momentos em que o crescimento é negativo (recessão).

O ano em curso será, de fato, de grande desafio. Urge uma avaliação e medidas de políticas públicas, de forma consistente. O governo deve rever a posição e avançar com a introdução do IVA zero (mesmo que a medida seja importada de PT… não será novidade, de todo! Haver vamos!

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 821, de 25 de Maio de 2023

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