José Luís Neves quer ser o próximo presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina, mas assegura que, a entrar na corrida de 2024, só o fará com apoio claro do seu partido, o PAICV, e sem a sombra política do seu pai. Nesta entrevista, ele aborda a descida aos infernos, em Dezembro de 2014, e recorda a mãe Maria Tavares que o amou “como Deus ama os seus filhos”, bem como a avó, dona Nair, que considera sua mãe e o seu pai.
José Luís Neves bem pode ser considerado um dos milhares de exemplos de crianças cabo-verdianas do seu tempo que acabaram por se fazer jovens e adultos, sem nunca ter convivido debaixo do mesmo teto com os progenitores. Mas da parte que lhe cabe não considera isso um drama, muito pelo contrário: “Temos – eu e o meu pai – uma excelente relação, aprendo muito com ele, travamos conversas saudáveis e tenho muito orgulho do percurso dele e, se pudesse, faria igual”.
Sim, José Luís Neves é o filho mais velho de José Maria Neves, o actual Presidente da República e antigo Primeiro-ministro, o homem com quem JLN só teve o primeiro contacto muito tarde, aos 10 anos, quando finalmente o promissor jovem político regressava do Brasil, depois de terminar os estudos universitários, em 1987.
“Então, quem consideras serem teus pais?”, provoca-lhe Sara Andrade, jornalista da Rádio Alfa que o entrevistou. “A minha avó Nair é simultaneamente a ‘minha mãe’ e o ‘meu pai’… Eu nasci no Paiol (Praia), mas desde a infância fui para Assomada e lá fiquei com a minha avó, a mãe do meu pai, foi ela que ajudou na minha criação, desde quando eu tinha apenas sete meses (…)”
E segue-se um silêncio, só interrompido pela jornalista, mais uma vez: “Mas existe muita semelhança entre si e o seu pai em várias coisas!”
E a partir daqui dissipam-se todas as dúvidas, entre risos do nosso entrevistado: “Eu sou filho dele (JMN), embora nunca tenha vivido com ele, sempre estive em Pedra Barro, foi por aqui que me iniciei no jardim infantil, evolui para a escola primária e frequentei o liceu. Eu diria que foi aqui que eu me apaixonei pela primeira vez. Por Assomada, fiz todo o meu percurso juvenil”.
E encerra este capítulo com mais este desabafo: “Meu pai sempre foi um homem público pelo facto de estar sempre na política, e eu o via muito menos. Depois, sai para fazer o meu curso no exterior e voltei já adulto, independente, enquanto ele assumia o cargo de Primeiro-Ministro. E ficamos ainda mais afastados devido às suas novas responsabilidades”.
O resto é o que se sabe, JMN é hoje o Presidente da República e, se a tradição continuar a ser o que era, manter-se-ão – pai e filho – relativamente afastados por mais nove anos.
Candidato à Câmara de Santa Catarina?
E talvez, justamente devido ao seu passado em Pedra Barro, José Luís Neves carregue uma dívida para com as gentes do Planalto do interior de Santiago. De resto, quando é abordado sobre uma eventual candidatura à Câmara Municipal de Santa Catarina, ele responde:
“Sinto muito o apelo das pessoas para que eu me candidate, todas as vezes que vou à Assomada. Mas também a partir da diáspora as pessoas incentivam-me muito para que eu avance… e eu sempre respondo que estou disponível. Sendo filho de Santa Catarina, uma pessoa que nasceu e se desenvolveu aqui, que gosta muito deste concelho, é claro que estou disponível para dar a minha contribuição como Presidente da Câmara, se os santa-catarinenses acharem que eu tenho condições suficientes e necessárias para isso”.
Mas JLN quer entrar na corrida com lisura, com lealdade, com verdade, com sentido colectivo, numa concertação estreita com a sua família política: “Há uma coisa que sempre digo às pessoas, eu tenho um partido, o PAICV, se vier a ser candidato à Câmara de Santa Catarina, sê-lo-ei como um candidato do PAICV e apoiado por este partido. Nunca serei candidato independente, contrariamente ao que vimos, com gente a brigar, acabando por avançar autonomamente, eu não faço isso, não vou enganar as pessoas. Portanto, só serei candidato se entenderem que sou a pessoa mais adequada para avançar. Mas se acharem que é um outro candidato que deve posicionar-se, eu respeitarei e alinhar-me-ei com o partido. Contudo, não posso deixar de dizer que tenho a convicção de que por aquilo que eu conheço daquele concelho, do seu povo, das suas potencialidades, é possível fazer mais, e acho que se eu estiver lá, com o conhecimento que tenho, poderei contribuir muito mais para o seu desenvolvimento. Estou sempre disponível se entenderem que sou uma óptima opção para Santa Catarina”, reforça, comprometendo-se.
“Sou irmão do meu pai…”
Mas nesta eventual aposta autárquica, José Luís Neves não deseja caminhar debaixo da sombra política do pai, quer ser igual a ele mesmo, na diferença do percurso de JMN: “Vejo muitas pessoas a me criticarem e quando escrevo nas redes sociais ofendem-me nos comentários, dizendo que eu nasci num berço de ouro, que eu não devo estar a dizer tais coisas. Mal sabem que eu nem sei o que é berço de ouro, aliás nunca vi um, nunca tive ouro na minha vida, nem mascotes, nem fios”.
E continua, esperando deixar esta parte da sua vida bem clara: “Eu vivi com a mãe do meu pai que me deu uma educação rigorosa, baseada no trabalho, uma educação militar e, por isso, considero ser mais um irmão do meu pai do que seu filho, mas ciente de que eu e ele tivemos o mesmo percurso, sempre estivemos em contacto, temos uma excelente relação, conversamos sempre, nos encontramos bastante, tenho muito orgulho dele e do seu percurso. Mas quando as pessoas dizem ‘tu és filho do Primeiro-Ministro, tu és filho do Presidente (…)’ eu discordo, justamente porque para mim isso não existe. Nem quero ser o filho do Primeiro-Ministro nem o filho do Presidente. Não quero me conformar nem com o estatuto do filho do Primeiro-Ministro nem com o estatuto do filho do Presidente”.
E preparou-se muito bem para ser ele mesmo um dia. Do seu percurso profissional há o registo de trabalhos estreitos com governos, parceiros de desenvolvimento (Sistema das Nações Unidas, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Banco Africano de Desenvolvimento) e tem um contacto relevante com a Sub-Região da CEDEAO – Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, nomeadamente com o Setor Privado da Sub-região, através da FEWACCI – Federação das Câmaras de Comércio da CEDEAO.
Um olhar ao país e à onda emigratória
Economista de profissão, nascido no pós-independência (1978), é seguidor de seu pai, admirador de Aristides Pereira e Pedro Pires e adepto das letras musicais de Norberto Tavares, a sua pedra-de-toque: “kuzé ki Cabo Verdi mesti hoje em dia é di um grupo di homis di boa vontade, sem interesse pessoal, capaz di cuida des país de forma desprendido”. Esta é a sua proposta.
Nesta esteira, JLN assevera que da independência (1975) a esta parte, Cabo Verde cresceu muito, tanto do ponto de vista quantitativo como do ponto de vista qualitativo, com melhorias nos indicadores da saúde, educação, enfim, nos índices de desenvolvimento humano, na melhoria da qualidade de vida das populações. Mas sempre vai advertindo que ainda o país tem “muitas desigualdades sociais, muito desemprego, sobretudo na camada jovem…”.
“Ainda há muita informalidade na economia, sem esquecer outros desafios, como por exemplo, o do desenvolvimento do sector privado para conseguirmos combater o desemprego que é relativamente elevado. Temos que desenvolver cada vez mais empresas e criar mais empregos porque só no Estado não é possível satisfazer a demanda que existe neste momento no país”.
A este propósito, a onda actual de emigração – quase 18 mil jovens partiram nos últimos cinco anos – merece o seguinte comentário da sua parte: “O mercado de trabalho é global e hoje em dia as pessoas têm sonhos, aspirações e expectativas cada vez mais elevadas e os jovens cabo-verdianos não fogem a essa regra. Portanto, é normal que os cabo-verdianos, sobretudo os jovens que querem quebrar fronteiras, o façam em busca de novas oportunidades para realizar os seus sonhos”.
Mas, adverte: “Não deixa de ser uma preocupação e uma forma de questionar do porquê de tantos jovens estarem a sair de Cabo Verde… A saída dos jovens, sobretudo os qualificados, traduz-se no capital humano que está a sair do país, ou seja, é a nossa força produtiva que está a partir. Dizemos muitas vezes que a nossa maior riqueza são os nossos homens e mulheres, por isso, se há uma saída maciça significa que estamos a perder o nosso capital humano, significa que estamos a perder a nossa população economicamente ativa e significa que estamos a ficar cada vez mais pobres com isso. E é claro que isso está a ter um impacto negativo na nossa economia. Temos de criar mais oportunidades de emprego e trabalhar para que sejamos cada vez mais produtivos como pessoas e cada vez mais produtivos como economia para termos a capacidade também de aumentar o rendimento e podermos sentir realizados dentro do nosso país”.
E já há sinais positivos, segundo diz. Depois da Covid-19, a que se seguiu a guerra na Ucrânia, “conseguimos aguentar, o cabo-verdiano demonstrou que é um povo resiliente. A partir de 2021 começámos a recuperar a nossa trajetória de crescimento e agora, de 2022 a 2023, retomámos o crescimento ainda mais forte, assim como a dinâmica de crescimento que tínhamos antes da pandemia”.
A mãe que o amou “como Deus ama o seu filho”… e uma descida aos infernos em 2014
Mês de Dezembro. Não era uma sexta-feira, 13, mas será para sempre uma terça-feira, 30 de que José Luís Neves jamais se irá esquecer. Em 2014 sofreu uma tentativa de assassinato, justamente na varanda da sua residência, na Cidadela. Pelo menos cinco tiros o atingiram, acertando-o na zona do abdómen, ao que consta uma vingança do narcotráfico às políticas do pai, José Maria Neves, então primeiro-ministro, um atentado até hoje por esclarecer.
“Foi um momento de terror na minha vida, foi algo que nunca tinha pensado que me poderia acontecer… e aconteceu, passei muito mal e estive à beira da morte, mas consegui ultrapassar, com muita força e capacidade de resiliência e retomar a minha vida profissional”.
Tinha, então, 36 anos de idade. “Hoje – nove anos depois – sou uma pessoa mais forte, mais madura, mais preparada para vencer os desafios do futuro”. E olhando para trás, “por mais que eu faça uma reflexão não consigo ver motivos pessoais para pessoas me fazerem isso. Por esta razão, vou mais pela tese apresentada na altura pelo próprio Estado de Cabo Verde, a tese de que estiveram por detrás motivações políticas, uma forma de retaliação contra o Estado. Naquela altura, o meu pai exercia o papel de Primeiro-Ministro e terão pesado algumas medidas que haviam sido tomadas pelo Governo por ele liderado. Esta foi a tese construída, mas nunca se soube quem foi o autor material ou moral, pelo que até este momento mantém-se uma grande incógnita que eu gostaria de ver esclarecida um dia”.
Na memória também a grande mãe que diz ter tido: “Estive mais tempo com a minha mãe do que com o meu pai. Sempre que vinha de Pedra Barro à Praia ia visitá-la. Durante a sua vida, tive muita proximidade com ela, dela sentia muito afeto, muito amor, muito carinho e sempre dizia que ela me amou como Deus ama o seu filho. De acordo com as suas possibilidades, ela sempre procurou me oferecer todas as coisas. Guardo muito orgulho dela, enquanto professora que ela foi, assim como os seus ex-alunos me dizem. Só lamento a morte tê-la levado muito cedo (2016) e não termos tido oportunidade de conviver mais”.
Agora aos 45 anos, José Luís Neves é técnico da Câmara de Comércio de Sotavento – a entidade que representa a classe empresarial da região de Sotavento. Analista da realidade cabo-verdiana, os seus comentários são apreciados. Adepto das teses de Paul Polman, anterior CEO da Unilever, também defende os argumentos segundo os quais a “Agenda do Desenvolvimento Sustentável 2030 (SDG 2030) é um dos melhores e mais atrativos ‘business plans’ em todo o mundo”. O problema, deixa transparecer, é como passar à prática o que se pretende.
Por: José Mário Correia e Sara Andrade
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 829, de 20 de Julho de 2022