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A Parlamentarização do Poder Local (PPL) é um acento na doutrina de avestruz

Por: Samilo Moreira

Uma reflexão antes de entrarmos no campo Local, para se perceber que não é este o caminho: temos um sistema Parlamentar (estrito), uma Partidarização Parlamentar, uma Parlamentarização Partidária, ou um misto dos dois últimos? Através da dedução de cada um, devemos questionar o porquê de tal dedução. 

Infelizmente, continuamos a ver propostas a serem criadas e enviadas diretamente ao Parlamento, sem socialização, sem debate público, e depois continuaremos neste sistema em que os eleitores, eleitos e Cidadãos desconhecem em quê, e como se opera. 

(Abro parêntese à exceção mostrada pela Direção da Administração do Estado e da Administração Pública, na proposta do primeiro Código de Procedimento Administrativo- CPA). 

Não sei se as propostas sobre o Poder Local apresentadas pelo MpD e pelo PAICV ao Parlamento Nacional, defendem a sua substituição total para um regime de pendor parlamentar, ou se pedem alguns ajustes.

Na CRCV, temos um sistema semipresidencialista com três órgãos – Parlamento (Deliberativo), Governo (Executivo) e Presidente (Regulador ou árbitro). 

Na CRCV,  temos um sistema autárquico com dois órgãos: a Câmara Municipal (CM) e Assembleia Municipal (AM). 

No Estatuto dos Municípios, temos três órgãos ou uma Troika: Assembleia Municipal (Parlamento Deliberativo), Câmara Municipal (Parlamento Executivo Colegial) e Presidente (Executivo Singular). 

A Parlamentarização do Poder Local, será na prática um sistema de duas dimensões ou binómios: Presidencial (Personalização do líder) e o misto Partidarização Parlamentar e Parlamentarização Partidária. Irá acentuar o monopólio partidário da representação; o que é uma antítese ao processo de abertura à sociedade civil, eliminando-se uma parte do processo (a Câmara Municipal) que constitui os freios e contrapesos da democracia Local, e uma ferramenta de cimentação da cultura e educação democrática ( diálogo, consenso, dissenso, contraditório, discordância etc. ) dos que escolhem a carreira política. 

Se o motivo por detrás destas propostas de Poder Local, são devido ao que tem sido considerado como sendo sinais de deficiente funcionamento (não é o contrário?) dos órgãos colegiais na CMP e na CMSV; onde apesar da colegialidade imperam o Presidencialismo, e concluíram que a Legislação Municipal já não serve, o erro é ainda maior.  

Baseando nos meus dois anos e seis meses de mandato, através das evidências empíricas, defendo que o Estatuto dos Municípios é das melhores Leis do País, tendo em conta: a) a tendência individualista que caracteriza os nossos indivíduos/políticos, b) que a colegialidade é um sistema de pendor democrático; mais eficiente, c) o défice de conhecimento e assessoria técnica dos eleitos Municipais sobre a Administração Local, d) e o condicionamento partidário das liberdades dos eleitos Municipais. Portanto, o Estatuto dos Municípios tem o equilíbrio certo aos tiques autoritários.

Não basta ter uma Assembleia Municipal com poderes para termos fiscalização efetiva. Em verdade, o que se está a passar nas Câmaras Municipais (não generalizo porque as generalizações são injustas), é que não existe a coabitação negativa: a Câmara Municipal governa e a Assembleia Municipal fiscaliza (art.º 81 n.º 1 alínea c) e k) do EM). 

No caso da Praia, até a Presidente da Assembleia Municipal é cúmplice das ilegalidades graves e ilícitas do Presidente da Câmara Municipal. O que por si só demonstra que a Parlamentarização não é desejável, e muito menos necessária. 

Falácias e erros de dedução

Ainda existe uma cultura de hierarquia do indivíduo sobre a hierarquia das funções (Lei), assim como vitimiza-se os infratores e condenam as vítimas. Isto tem uma latente influência nas Leis que se fazem no País. 

Esta Presidencialização disfarçada, significa que defendem (sem fundamentação prática e racional) que existe causalidade e correlação positiva no funcionamento do Municipalismo, quando o Presidente tem esta liberdade de escolher e exonerar os Vereadores.

As propostas de Parlamentarização do Poder Local vão nesta direção: santificam o Presidente da Câmara Municipal, e demonizam os Vereadores em termos jurídico, técnico e politicamente, quando dão o poder de o Presidente escolher e exonerar os Vereadores, em quaisquer circunstâncias. Quais os critérios que se baseiam para acreditar que o Presidente (por ter o título de Presidente?) tem esta capacidade de escolher os melhores?

A incongruência das propostas é de tal maneira, que  esqueceram-se de que quem aparece no Boletim do Voto são os Partidos, quem endivida e financia as campanhas são os Partidos, que os Militantes são dos Partidos, isto é, as Listas são dos Partidos? Os Partidos não estão, e não souberam escolher as listas dos Vereadores nos últimos 32 anos?

Nas Leis Municipais existem todos os mecanismos de controlo possível:

Assembleia Municipal: tem como uma das competências acompanhar e fiscalizar a atividade da CM e dos seus serviços, assim como de apreciar e revogar actos da Câmara Municipal e do Presidente quando usurpam competências dos outros órgãos (art.º 81, n.º 1, alínea c) e k), do EM), e de fiscalização orçamental (art.º 47, n.ºs 1 , 4 e 5 ,  e o art.º 53, n.º 3, do RFAL). Quando na história do Municipalismo nacional a Assembleia Municipal aplicou esta competência, e porquê? 

Câmara Municipal: no âmbito da organização e funcionamento dos serviços, tem como uma das competências “ratificar, modificar ou revogar, nos termos da Lei, os actos praticados pelo pelo PCM ou por funcionários ou agentes municipais (art.º 92, n.º 2, alínea k), do EM), “Propor fundamentadamente ao Governo inquéritos ou sindicâncias aos organismos locais do Estado (art.º 92, n.º 5,   alínea j), do EM), e de fiscalização orçamental ( art.º 47, n.º s  1 , 2, 3 e 5, e o art.º 58 , n.º 2, do RFAL). 

Exemplo do que se passa na Praia desde da tomada de posse:  o Presidente da CM não só recusa incorporar as propostas dos Vereadores nos termos da Lei (art.º 46, n.º 2, do EM), como usurpa todas as competências da CM, e muitas da AM. No entanto, apesar da CM poder revogar tais atos, não consegue, e a Assembleia Municipal que tem competências também nesta matéria, porque a maioria dos eleitos são do mesmo Partido, metamorfoseia-se em avestruz. Como é que a Parlamentarização do Poder Local consegue resolver este problema? Ou teremos de ter uma Lei que diga que quando o Presidente eleito for do Partido X, a Assembleia Municipal tem de ter a maioria do Partido y, ou yz, etc., para haver Moção de Censura?

Tutela (Governo): o Governo inspeciona e fiscaliza a gestão administrativa (art.º s 124, 125 e 126 , do EM), patrimonial e financeira (art.º 48, n.º 1, do RFAL).  O STJ acabou de confirmar que os Vereadores não têm legitimidade ativa de intentar uma queixa para impugnação dos atos ilegais no Município (art.º 127, do EM), mas sim o Governo.

Tribunal de Contas:  julga a Conta Gerência (art.º º 58, n.º 5 e art.º 59, do RFAL). Neste momento, o TdC tem acesso ao Sistema de Informação Orçamental e Financeiro (SIGOF), e faz o acompanhamento concomitante (incluindo os Balancetes Trimestrais- Instrução nº 3/2019).

Autoridade Reguladora das aquisições Públicas (ARAP): fiscaliza o cumprimento das aquisições de bens e serviços, conforme estabelecido no Código de Contratação Pública (CCP).  

O problema está no Estatuto dos Municípios, nos Partidos, nos órgãos, nas Autoridades etc., que recusam assumir os poderes e competências que lhes são concedidos pela Lei (não generalizo porque as generalizações são injustas) ficando em cima do muro da paz , porque pensa-se por cálculo político,  para se manter no cargo independentemente das alternâncias partidárias, ou outro? Como é que a Parlamentarização do Poder Local irá resolver este problema?

Como funciona a execução do orçamento e projetos e planos de atividade no Município

O Presidente elabora o projeto ou proposta do Orçamento e submete à aprovação da Câmara Municipal (art.º 98, n.º 1, alínea h) , do EM e o art.º 30, n.º 1, do RFAL). A Câmara Municipal, discute, analisa e aprova ou não o projeto ou proposta do Orçamento e o Plano de Atividades, e submete à aprovação da Assembleia Municipal ( art.º 92, n.º 2, alínea r), do EM, e, o art.º 39, n.º 1, do RFAL). A Assembleia Municipal aprova ou não o Orçamento e Plano de Atividades.

A não aprovação do Orçamento nos termos e dentro dos prazos legais estabelecidos no RFAL, é considerado uma ilegalidade grave para a dissolução da CM ou da AM (art.º 134, n. º1 , alínea d), do EM).

A alteração do Orçamento, durante a sua execução, sem aprovação da CM e da AM, e sem contar nos Balancetes Trimestrais ( art.º  49, do RFAL), “incorrem em ilegalidade grave para efeitos de perda de mandato e podem ser responsabilizados civilmente pelos prejuízos sofridos pelo município, constituídos na obrigação de repor dinheiros públicos ou condenados por crime de responsabilidade, nos termos da lei”. 

No Município da Praia, o Orçamento de 2021 foi alterado a título pessoal e individual. O Orçamento de 2022 e 2022 foi aprovado pela Assembleia sem passar pela Câmara Municipal. No Município de São Vicente, houve alterações no Orçamento, sem passar pela CM, e sem constar nos Balancetes, segundo informações. Como é que a Parlamentarização do Poder Local, irá resolver estas ilegalidades praticadas por um Presidente?

 Que ajustes precisa a atual Lei Municipal?

Estatuto dos Municípios

O Presidente da CM, enquanto órgão executivo singular continuará com competência para escolher que Pelouros assumirão os Vereadores. Mas todos os Vereadores devem ser profissionalizados.Governar o Município da Praia só com metade dos Vereadores eleitos, é ineficaz. 

Aplicar a nota de rodapé n.º 43 do Estatuto dos Municípios: fixar um montante limite até o qual o Presidente da Câmara Municipal poderá autorizar o pagamento das despesas  orçamentadas.

2. Regime Financeiro das Autarquias Locais

Proibir pagamentos de Salários, Bens e Serviços através de cheques. As transferências devem ser bancárias (bancarização pura). Um Presidente poderá passar centenas de cheques (pagamentos indevidos) durante todo o ano, e só saberão no fim do ano na Conta Gerência (reconciliação bancária), com enormes custos para o equilíbrio e sustentabilidade financeira do Município.

Alterar o n.º 3, do art.º 32º, do RFAL, que diz que “As despesas com o pessoal, incluindo os encargos provisionais com o pessoal, não podem exceder 50% das receitas correntes previstas no orçamento”, e trocar”.  As despesas com o pessoal, incluindo os encargos provisionais com o pessoal, não podem exceder 50% das receitas médias efectivas executadas nos últimos cinco (5) anos”. Isso impedirá que se inflacione  a previsão das receitas, para se ter margem de executar despesas com o pessoal quase sem limite, causando desequilíbrio e sustentabilidade financeira.

Imaginemos que foram feitas estas alterações. Como é que a Parlamentarização do Poder Local, irá impedir um Presidente de não usar Cheques, não ultrapassar os limites impostos?

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 822, de 01 de Junho de 2023

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