Por: Carlos Burgo*
O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou no fim do mês passado, tempestivamente, as estimativas das Contas Nacionais Trimestrais (CNT) referentes ao último trimestre do ano transacto (2022). Anota o INE que “As novas séries das CNT de Cabo Verde estão alinhadas com o novo ano de base das contas nacionais anuais (base 2015) e compiladas segundo as recomendações do manual das CNT 2017 e do SCN 2008¹.”
A nova classificação adoptada para os ramos de actividade é mais detalhada e, com isso, mais informativa. O INE também publicou quadros com séries anuais do Produto Interno Bruto (PIB), tanto na óptica da produção como da despesa, ressalvando que “os dados de 2007 a 2018 são definitivos e os de 2019 a 2022 são estimativas resultantes do acumulado dos respetivos trimestres”.
Não obstante a utilidade das informações publicadas para o seguimento da conjuntura e a condução das políticas macroeconómicas, importa referir que esse exercício não substitui as Contas Nacionais que, conforme as boas práticas internacionais, devem ser publicadas até ao término do ano seguinte, ainda que numa versão provisória. No nosso caso, as últimas Contas Nacionais publicadas pelo INE referem-se ao ano de…. 2017!!!
Como já se antecipava, foi registado em 2022 uma elevada taxa de crescimento (17.7%), ultrapassando em muito todas as previsões inicialmente divulgadas e tendo o PIB alcançado o nível pré-pandemia (2019), na quase generalidade dos sectores. No sector de Alojamento e alimentação, fortemente dependente do turismo, foi ultrapassado o nível de 2019. Também os sectores da Construção e Actividades imobiliárias aumentaram o seu peso no PIB, compensando a redução da expressão dos Transportes e das Actividades financeiras e dos seguros.
O erro nas previsões deveu-se, essencialmente, ao facto de nelas não se ter considerado o perfil intra-anual de crescimento em 2021, caracterizado por uma forte recuperação da economia no último trimestre desse ano. Com efeito, mesmo sem nenhuma dinâmica de crescimento da economia em 2022, mantendo-se o PIB trimestral no nível alcançado no IV trimestre de 2021, a taxa de crescimento em 2022 relativamente a 2021 teria sido de cerca de 13%!!!
Isso significa que para que o crescimento anual do PIB fosse inferior a 13% teria de ter havido uma recessão da economia em 2022, cenário esse não considerado em nenhuma previsão divulgada. Já a taxa registada de crescimento em relação ao trimestre homólogo (equivalente neste caso ao crescimento intra-anual em 2022) foi de 9.1%, não inteiramente desfasada das hipóteses e pressupostos das previsões divulgadas pelas diferentes instituições.
O contexto era invulgar, mas espera-se que se tenha aprendido com os erros, pois importa sempre considerar, designadamente nos exercícios de previsão, a dinâmica mais recente da economia, informação essa que pode ser extraída das estimativas das CNT que, felizmente, já são calculadas e publicadas atualmente. Refira-se, a propósito, que o crescimento trimestral anualizado no último trimestre, indicando a dinâmica mais recente de crescimento, é de apenas 2.8%, não considerando a sazonalidade (pouco acentuada no nosso caso, mas que de todo o modo seria desfavorável).
Essa rápida recuperação está em linha com o que se sabe sobre o comportamento da economia após os choques resultantes de fenómenos naturais e não deve servir para ocultar o facto de Cabo Verde ter ficado simultaneamente mais pobre e mais endividado em resultado da pandemia, apesar dos donativos disponibilizados pela comunidade internacional.
Como se pode ver no gráfico junto, o PIB está significativamente aquém da trajetória de crescimento que teria seguido se não tivesse ocorrido a pandemia e a economia tivesse continuado a crescer de acordo com o potencial geralmente aceite (5%). Ainda que retome o crescimento de acordo com esse potencial, em 2026 o gap poderá vir a ultrapassar os 35 milhões de contos, equivalentes a 14% do PIB.
No entanto, não estamos condenados a aceitar essa perda permanente de riqueza. Podemos, com políticas acertadas, alargar o potencial de crescimento e, desse modo, conduzir a economia à sua trajectória inicial de crescimento. A economia cresce pela via da utilização de mais recursos, mas também pela via do aumento da eficiência na sua utilização. Embora possam ser limitados os recursos passíveis de serem mobilizados, existem significativas reservas a nível do aumento da eficiência na utilização dos recursos.
Naturalmente, é preciso saber fazer as reformas necessárias, mas, sobretudo, há que haver vontade política para as empreender e disponibilidade para aceitar eventuais custos políticos. Infelizmente, defraudando as expectativas geradas pelo seu programa inicial de governação, o actual governo tem muito pouco a mostrar em termos de reformas com impacto no aumento da eficiência da economia. O que é visível é a atitude de querer resolver os problemas do país sobretudo pela via da mobilização de recursos, designadamente, recorrendo ao endividamento externo, e bem assim a prática de atirar dinheiro para cima dos problemas.
Que não se interprete este meu ponto de vista como uma sugestão para a implementação de políticas de conjuntura expansionistas com vista a fazer crescer a economia acima do seu potencial. Para isso, já não colhe a justificação encontrada nos efeitos da pandemia e, sobretudo, é limitado o espaço existente tanto a nível fiscal como monetário e cambial. Trata-se, antes, de implementar políticas suscetíveis de se traduzirem num crescimento sustentável a longo prazo.
*Economista
1 Sistema de Contabilidade Nacional das Nações Unidas
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 815, de 13 de Abril de 2023