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Economia

Transportes marítimos: PGR desafiado a agir em defesa do interesse público

O aditamento ao contrato de concessão do serviço público de transportes marítimos de passageiros e cargas inter-ilhas pode ter violado o código de contratação pública e, por isso, a sua legalidade é mais do que duvidosa. Diante disso, há quem defenda a intervenção do Ministério Público para a averiguar a transparência e a legalidade desse acto.

Um simples recorte do anterior número do A NAÇÃO, dedicado ao dossiê Transportes Marítimos, assunto que mereceu inúmeros comentários, inclusive no Debate Africano da RDP África, em Lisboa, “seria matéria para a abertura de uma instrução por parte do Ministério Público”, defende um jurista.

Para o nosso interlocutor, essa seria, inclusive, “uma forma de o Governo ficar salvaguardado, com a averiguação para comprovar da transparência e da legalidade da operação”, dado que “não houve uma avaliação do processo de concessão” e “quem deveria fazer isso é a Inspecção Geral de Finanças, como acontece em Portugal”.

“Se este negócio não for anulado pelo Ministério Público, como detentor da acção penal e titular da legalidade, em Cabo Verde, as gerações futuras estarão comprometidas com essa concessão que tem um período de vigência de vinte anos”, alerta a mesma fonte.

Arquivadora

Porém, um outro jurista contactado pelo A NAÇÃO diz não acreditar numa intervenção do Ministério Público, por considerar que a Procuradoria Geral da República há muito se deixou transformar numa “Arquivadora Geral da República”. “Infelizmente, qualquer que sejam as denúncias, do ‘Leite derramado’ aos casos mais recentes, o Ministério Público nunca consegue encontrar ilegalidade nas situações em que a ilegalidade é óbvia, pública e notória”, lastima. “E isso não é de agora”.

Para a mesma fonte, “era suposto termos um Ministério Público que defendesse a legalidade e o interesse público, mas, considerando o pecado original de o PGR ser proposto pelo Governo, e quase sempre o titular ter a perspectiva de renovar o seu mandato, “isto lhe retira, naturalmente, a independência”.

Situação nova na cabotagem

Independentemente dessa discussão, sobre o papel do Ministério Público, há quem entenda que neste momento, diante dos factos, especialmente os reportados pelo A NAÇÃO no seu número anterior, já não termos uma de concessão do serviço público de transportes marítimos de passageiros e cargas inter- -ilhas.

“O que temos agora, com a assinatura do aditamento, entre o Governo e a CV Interilhas, é um contrato de gestão, porquanto, qualquer concessão, em qualquer parte do mundo, a obrigação do investimento não é do Estado, é do privado”, defende um economista.

E, por esse motivo, “e por haver fortes indícios de violação do código de contratação pública, a adenda do contrato de concessão assinado recentemente entre o Governo e a CV Interilhas deve ser denunciada”.

Para o nosso interlocutor, que conhece muito bem este dossier, está-se perante uma situação de ilegalidade, porquanto o contrato de concessão foi transformado num contrato de gestão, sendo “a grande diferença” entre as duas situações “é a quem cabe a responsabilidade do investimento”.

“Quando o Estado vem dizer que vai comprar todos os barcos para entregar à CV Interilhas, estamos perante um contrato de gestão”, explica a nossa fonte, salientando que, no contrato de concessão, “é obrigatório” o financiamento por parte da entidade privada e concessionada.

Por isso é que, segundo esse mesmo especialista, a assinatura da adenda ao contrato de gestão deve ser considerada um acto “inválido”, já que de “muito duvidosa legalidade”. “Com esta solução não era preciso estabelecer um contrato de concessão, era só comprar os barcos e entregá-los aos armadores nacionais para fazerem a sua exploração”, acrescenta.

A nossa fonte lembra que os armadores nacionais foram, ao longo do processo negocial que acabou por favorecer o grupo português ETE, “neutralizados e eliminados” por, alegadamente, não satisfazerem os critérios de qualificação financeira exigidos pelo Estado. Requisito esse que, afinal, também, a CV Interilhas não vem cumprindo, transferindo agora para as costas do Estado e do contribuinte o ónus dos navios a colocar na cabotagem nacional.

“Toda a ideia de passar essa responsabilidade para o sector privado era para não sobrecarregar o contribuinte cabo-verdiano e a dívida pública”, enfatiza. “E agora o que se vê é que o fomos todos enganados. O grupo ETE entrou em Cabo Verde e foi impondo, aos poucos, as suas condições, ganhando claramente com isso, ao contrário do Estado de Cabo Verde e dos contribuintes cabo-verdianos que saíram a perder”, conclui.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 818, de 04 de Maio de 2023

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