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Opinião

União Europeia: um projeto de paz e prosperidade partilhadas

Por: Carla Grijó*

A 9 de maio de 1950, Robert Schuman, então Ministro dos Negócios Estrangeiros de França, proferiu uma declaração histórica propondo que França e Alemanha – dois países com um passado de forte rivalidade – juntassem a produção de materiais que eram, à época, fulcrais para a indústria do armamento, o carvão e o aço. Esta medida tornaria a guerra no solo europeu, “não só impensável, mas materialmente impossível”. Um ano depois surgiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, aberta a outros países e precursora do que viria a ser a União Europeia. Schuman revelava ainda o método que propunha para a construção europeia, que não se realizaria de uma só vez, nem de acordo com um plano único. “Construir-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.”

Tal como vaticinado, o projeto europeu tem avançado com velocidade e geometrias variáveis – por exemplo, nem todos os Estados Membros aderiram à moeda única e nem todos pertencem ao espaço Schengen que eliminou os controlos de fronteiras no seu interior. Do Tratado de Roma (1957) ao Tratado de Lisboa (2009), a integração europeia evoluiu, aprofundando-se e alargando-se sucessivamente a novos membros. Na sua base esteve sempre a promoção da paz e prosperidade, fundadas nos valores da dignidade humana, da liberdade e da democracia. Esta União não é, nunca foi, apenas uma experiência de integração económica, por avançada que esta seja. Notabiliza-se também por uma audaz e voluntária partilha de soberania, porque se entendeu que esta seria a melhor forma de combater os nacionalismos e populismos que estiveram na origem das duas guerras mundiais, e de forjar uma coesão tão forte de interesses entre os seus membros que tornariam a guerra impossível.

Após a queda do muro de Berlim em 1989, a UE apoiou a reunificação da Alemanha e foi depois acolhendo os países da Europa Central e Oriental que, recuperada a sua independência, resolveram, também eles, abraçar o projeto europeu. É importante sublinhar que, conforme o Tratado da União Europeia, qualquer Estado europeu pode pedir a sua adesão desde que respeite os valores nele consagrados. O processo, sujeito a requisitos rigorosos, tem sido uma forma bem-sucedida de promover reformas políticas, económicas e sociais nos países candidatos, e de consolidar a democracia e o Estado de direito no continente europeu – apesar dos ajustes, nem sempre fáceis, a que novos e antigos membros têm de adaptar-se. Passados quase 80 anos, a premissa continua a ser a de que trabalhar em conjunto, mesmo quando os debates são robustos, e o melhor modo de responder a desafios que ultrapassam as fronteiras nacionais é de evitar que divergências se transformem em conflitos. O alargamento da UE prossegue, estando nove países em fases distintas da negociação da sua futura adesão. Desde junho de 2022, este grupo inclui a Ucrânia e a Moldávia.

Em 2020, o Reino Unido tornou-se o primeiro país a abandonar a União Europeia. Foi uma escolha britânica que a UE lamenta, mas respeita. Ao contrário das previsões mais pessimistas, o Brexit não representou o inicio da desintegração europeia. Absorvido o choque, a UE está a adaptar-se à nova realidade, como tem sucedido também a cada novo alargamento. Resolvido o divórcio, estamos agora empenhados em construir nova parceria, tão ampla quanto possível, com o Reino Unido, mas que, por abrangente que seja, não equivalerá ao estatuto e benefícios de um Estado Membro.

A forte resposta da União à pandemia Covid 19, na compra conjunta de vacinas, como na mobilização de recursos para apoiar os Estados Membros na mitigação dos efeitos sociais e económicos da crise, e os seus planos de recuperação económica, é um exemplo recente da sua resiliência. A solidariedade não foi só interna. Durante a crise sanitária, a UE ultrapassou a sua dependência externa em relação a um bem critico como as vacinas, passando a ser um dos maiores exportadores e doadores ao nível mundial e esta agora empenhada em apoiar outros parceiros, nomeadamente em Africa, na produção de vacinas e na preparação para futuras crises de saúde publica.

A unidade demonstrada na reação à agressão militar injustificada contra a Ucrânia é mais uma prova da coesão. Esta guerra veio despertar memorias traumáticas entre os europeus que não vacilarão no apoio a Ucrânia e ao seu direito soberano de escolher o seu próprio destino. Multilateralista por natureza, a União Europeia não poderia nunca aceitar a violação do Direito internacional e das regras mais elementares do convívio entre nações que representa a agressão russa, que tem alias merecido condenação internacional generalizada. Importa sublinhar que as sanções da UE aplicam-se ao comércio bilateral UE-Rússia – não têm impacto nas exportações russas para outros países – e excluem explicitamente produtos alimentares e fertilizantes. Ciente do impacto da guerra sobre a segurança alimentar global, alem de estabelecer corredores solidários para o escoamento dos cereais ucranianos, a União Europeia apoia a iniciativa Grãos do Mar Negro promovida pela ONU e apela fortemente a sua renovação este mês, para que o mundo possa continuar a alimentar-se.

Seja por via do diálogo político, de acordos comerciais ou do apoio ao desenvolvimento, continuamos empenhados na construção de uma agenda comum com o continente africano que responda aos grandes desafios do nosso tempo, nomeadamente os da transição climática e da transformação digital. É preciso assegurar uma recuperação económica que seja ambiental e socialmente sustentável, que crie oportunidades para os jovens, reduza as desigualdades sociais e combata a pobreza. Esta agenda comum esteve no centro dos debates na ultima Cimeira UE-Africa e faze-la avançar é uma prioridade. Para apoiar o continente africano na realização de investimentos estruturantes, foi desenhada a iniciativa Global Gateway que combina recursos públicos e privados, da UE e dos seus Estados Membros, assim como de instituições financeiras europeias. É esta a oferta da UE para apoiar uma recuperação económica verde e justa dos nossos parceiros africanos, uma oferta baseada em valores comuns e realizações concretas. Cabo Verde, um Parceiro Especial com quem partilhamos valores e interesses, está bem posicionado para beneficiar desta agenda.

 

*Embaixadora da União Europeia em Cabo Verde

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