Por: Carlos Carvalho
Como verão, hoje, não venho para as coisas da política… politicando na mesma!!
Revi na nossa TCV, ontem, meus tempos di Bubista!!
Era ainda no 1° lustro de 90.
A problemática da preservação do património ainda era incipiente, estávamos… quaaaaaazi… no início.
As escavações na Sé Catedral da CV-PM
As intervenções na Rua Banana
As intervenções na Fza. Real de S. Filipe
Entre muitas outras, um pouco por todo o lado.
Depois, nessa mesma altura, foi a Boavista.
Na Boavista, foi 1° o Djéu, Forte Duque de Bragança.
Depois, a Igreja do Rabil.
Ainda brigamos com o falecido Padre Guy que resolveu pintar a igreja-matriz de, imagine-se, Sporting!!… tudo verde!!
– Má, Nhu Padre, kel kor lá… gooo!!
– Ka sta bunitu!!??
E, lá foi Padre Guy nos convencendo da bondade de sua intervenção na Igreja de Nha Santa Isabel!!
Não sei porquê, mas os Padres, eles todos que me desculpem, pois, os respeito todos, gostam de mexer nos seus patrimónios, às vezes, dá bem!!… mas também às vezes…!!
Igualmente me lembro de nossas “guerras” com o também já falecido Padre Sanches, aquando do restauro/reabilitação da Igreja Matriz de N. Sra. da Conceição, e das longas discussões com o meu estimado amigo, Reverendo Padre Ima em Sto. Antão.
Na Boavista, foi também Esgata, onde passei mais tempo… nas “coisas” do nosso mar.
Outro inóspito lugar, só Deus sabe o que é passar pelo menos uma semana na Esgata!!
Mas, éramos ainda jovens, no início de nossa carreira técnica.
Trabalhar no terreno, pegar com as mãos, debaixo do sol ardente, ou de chuva, como nos ensinaram, nos bancos da Universidade!!
Não viemos com o Chico-espertismo baxu sobaku, embora já na altura houvessem Chicos-espertos!!
Ah se havia!! ainda lá estão, lá riiiiiiiba!!
Os Chicos, e muitos de nossos colegas, sabem de “quéns” referimos!!
Viemos, a grande maioria, na altura, do curso…pá djuda país… trabalhando!!
Forte Duque de Bragança
Na altura, era imposição técnica “visitar”, ainda mal conhecíamos as ilhas quanto mais o que representava o largo espectro de nosso património construído e fazer uma espécie de inventário prévio e definir qual a prioridade de/para intervenção… com os parcos recursos que havia.
Foi assim que, na Boavista, elegemos o Forte, para seu restauro/reabilitação.
Se não me falha a memória o Presidente da Câmara era o ilustre Eutrópio Lima da Cruz.
Parece-me que foi com ele e seu Vereador da Cultura que visitamos o Djéu…e o Forte, completamente soterrado, só se vendo a plataforma cimeira, onde pontificavam os canhões… e o mastro.
E, decidimos a metodologia de trabalho.
Trabalhar no Djéu, não é tarefa fácil!!
Para trabalhar no Djéu, é preciso preparar a logística no “continente” e levar tuuuuudo “via marítima”!!
Para a intervenção era preciso levar enxadas, pás, baldes, colheres, carrinhos de mão, vassoura, enfim, tuuuuuuudo!!
Era preciso levar a cal, o que implicava comprar cal que, outrora, a ilha produzia em grande quantidade, basta ver ainda hoje os inúmeros fornos espalhados pelo interior da ilha. Mas, a cal já não se produzia na ilha, era preciso ir queimar a matéria-prima, até aprendi um pouco do ofício.
Era preciso levar também água, muita água devido a “secura” do Djéu… nen un gota d’agu… nen un arbri pá sukundi di sol!! para bebermos e para lavar a areia e preparar a cal!!
A equipa de Trabalho
A equipa técnica era constituída por mim, enquanto arqueólogo, portanto, o responsável pela escavação e “chefe” da equipa; por uma arquitecta, cooperante cubana, já com muita experiência em trabalhos do género; por um auxiliar de arqueólogo que dirigia os trabalhos no terreno.
E, havia os trabalhadores, a mão-de-obra local, tudu malta joven di Bubista (Eliseu, Goff, Tony, Funha e tantos, tantos outros).
Em que consistia a intervenção, no concreto, no Forte??
Num 1° momento, havia que desentulhar o monumento, o que significa retirar toda a carrada de areia que cobria todo o seu interior e o perímetro exterior; peneirar toda a areia retirada para a busca de eventuais artefactos, que apareceram de facto.
Como podem imaginar é trabadju pa da burru.
Num 2° momento, depois de muito trabalho, e a estrutura toda descoberta, passou-se a fase seguinte que era prospectar o interior e ver/ler como era a estrutura do monumento.
Num 3° momento, era a consolidação das ruínas do Forte.
O 4° e último momento foi consolidar e retocar o piso encontrado.
Foram 2 meses de um intenso trabalho de que resultou um monumento quase completamente recuperado.
O que faltava fazer??
Faltava criar o acesso bera-mar, monumento, aliás, bem visível… para qualquer um.
Todo o trabalho foi projectado, organizado, dirigido, executado, por técnicos do então INAC (Instituto Nacional da Cultura) e com mão-de-obra local.
Conclusão
Trabalho concluído, regressados à Praia, Relatório feito, batido à máquina, com fotos e tudo, foi entregue à Direcção do INAC, sob Presidência do ilustre homem de letras, Mário Fonseca.
O Relatório arquivado, e bem arquivado, esteve, esteve, esteve… nos arquivos do INAC, INIPC, IIPC, até que, hoje, confesso, não sei onde para!!
Hoje, com muito mais técnicos, todos jovens, recrutamos empresas, até, estrangeiras, para trabalhos simples de restauro/reabilitação.
Confesso, não sei, não entendo, porquê!!
Esgata
ESGATA foi um outro marco no meu Baú do Património.
É das operações mais delicadas em que participei, fruto de um Contrato de aprendizes na matéria.
Era a Operação Hartweel/Lemuiden e Santo André.
Apanhado pela correnteza, o INAC incumbiu-me, enquanto arqueólogo, de seguir as “pesquisas arqueológicas subaquáticas” que se desencadearam nos mares da Boavista, mais concretamente na localidade de ESGATA… Baía das Gatas… sim!! também existe na Bubista!!
Muito amadorismo, nosso, naquilo tudo.
Tinha por incumbência, fazer o seguimento de fio a pavio de tudo o que era recolhido do fundo dos mares… retirada do mar, levar à terra, conservação, inventariação de toooodo o espólio que vinha do mar.
Porque o Zé é chato, esta parte fica para vos contar noutro momento, pois, a história é looooonga!!
Resumindo.
Dessa operação de 3 anos, resultou boa parte do espólio do Museu de Arqueologia que tive ainda o prazer de inaugurar sendo Ministro, Manuel Veiga.
Hoje, o Museu, que nascera em Chã d’Areia, parece estar desmembrado, as peças espalhadas por todo o lado.
Mas, sobre isso, prefiro não falar, para não ferir susceptibilidades!!
Museu da Boavista
Vi na nossa TCV que se ia inaugurar, de novo, o Museu da Boavista.
Aliás, este foi o motivo que me levou a mergulhar no meu Baú.
Quando vi que se ia inaugurar o Museu, lembrei-me do/no Primeira-vezismo…e do nosso Primeiro-vezista!!
É que quando se inaugurou o Museu de Arqueologia, da Praia, pensamos que ficamos com uma dívida com a Boavista. É que a maioria das peças expostas e as da reserva técnica, resultado de dois Contratos (AFRIMAR e ARQUEONAUTAS) não muito bem conseguidos/acautelados, proveem dos mares da ilha.
Nesta conformidade, entendemos que se devia devolver à Boavista parte do que lhe pertence, por direito. Foi assim que decidimos criar e instalar o Núcleo do Museu da Boavista, precisamente lá onde, hoje, vai ser “inaugurado”, seja, na Alfandega Velha.
Assim, conseguiu-se junto do Património a cedência do espaço que necessitava de obras de restauro/reabilitação.
E, foi o que se fez!!
O edifício foi reabilitado, pelo próprio IIPC, com técnicos da casa, sob a supervisão/orientação de um arquitecto mais que qualificado, também da casa, nacional, cumprindo rigorosamente os preceitos conceituais de restauro/reabilitação.
Foi instalado o Núcleo do Museu da Boavista, com peças originárias da ilha, na perspectiva de sua evolução para um Museu digno desse nome, já que condições para tal havia, porém…o espaço era e é minúsculo para uma ilha eminentemente turística!!
Até um Deputado… papiadoooor… participou nessa obra, nesse projecto. Ele pode confirmar tuuuuudo o que aqui está escrito.
É da situação, mas não pode negar!!
Só espero que quando for dito na AN que é a 1ª vez, terá a hombridade de dizer ao Sr. 1°-vezista… Naaaaaaoooo!! Sr… Não é a 1ª vez!!
O eterno começar tudo de novo
Pois!!
O Núcleo criado, depois, não sei o que aconteceu!!
E estamos, de novo, a criar algo que já tinha sido criado!!
Porque alguém, a meio caminho, resolveu mudar as coisas… e
Começar tudo de novo!!
De novo… reabilitar!!
De novo… criar um Museu!!
De novo… pela 1ª vez!!
E, assim vamos, cantando e rindo!!!
Prometo voltar ao meu Baú… do Património… para ajudar a combater o 1ª-vezismo!!
Tenho dito.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 811, de 16 de Março de 2023