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Função fiscal vs. planeamento e prestação de contas

Por: Pedro Ribeiro

O atual cenário de instabilidade geopolítica e elevada de inflação, aumento de juros e uma eventual crise financeira internacional traz desafios acrescidos no processo de encerramento de contas, e preparação de demonstrações financeiras e fluxos de caixas face aos impactos relevantes que podem acarretar.

Esta informação contabilística e financeira (performance) reveste-se da maior importância no processo de tomada de decisões, designadamente na decisão de investir ou desinvestir ou autofinanciar e do momento em que o deve fazer, adquirir ou alienar determinado bem, a avaliação da capacidade da empresa em liquidar os seus compromissos financeiros, a avaliação do desempenho e da responsabilidade do gestor, bem como a atribuição de benefícios aos colaboradores, e também a determinação dos lucros a distribuir (políticas de dividendos) e das políticas fiscais aplicadas.

Com estes efeitos devidamente acautelados e refletidos nas respetivas contas e demonstrações financeiras, ganha ainda um maior relevo o já de si importante planeamento do fecho de contas -, permite uma maior celeridade no processo de encerramento, garantindo a preparação de informação financeira de forma tempestiva, e que não são colocados em causa o cumprimento de obrigações fiscais.

A função fiscal

A função fiscal desempenha um papel relevante no encerramento de contas, pois o cálculo do Valor da estimativa e o Tributo corrente e o cálculo dos impostos diferidos, tem subjacente o conhecimento aprofundado e tempestivo de matérias contabilísticas e fiscais complexas, suportadas em normas, nacionais e internacionais, e tendo subjacente o tratamento fiscal adequado e eficiente das diversas operações que originam imposto sobre o rendimento devido e impostos diferidos.

Melhorar o exercício de fecho de contas não pode também perder de vista a automatização de processos. É, antes, um fator diferenciador que impacta de forma muito positiva a qualidade, transparência, fiabilidade e eficiência das atividades de encerramento de contas. Esta tem o conhecimento técnico-fiscal necessário para analisar e interpretar as operações que dão origem, quer a ajustamentos fiscais para efeitos de cálculo do imposto corrente, quer ao cálculo de impostos diferidos.

Tal como as amortizações, os ajustamentos e provisões constituem custos que não terão contrapartidas em termos de saída de meios monetários da empresa. E, de facto, o nível de burocracia associado ao fecho de contas pode ser muito elevado, sobretudo se a empresa ainda estiver muito dependente de processos manuais.

Planeamento do fecho de contas

O necessário planeamento do fecho de contas permite uma maior celeridade no processo de encerramento, garantindo não só a preparação de informação financeira de forma tempestiva, informação esta essencial para a tomada de decisão, mas também a garantia de que não são colocados em causa o cumprimento de obrigações.

Quanto maior a eficiência aportada ao processo, menor serão também os custos associados a este processo e tempo despendido no mesmo. Ademais, o reconhecimento da estimativa de IRPC e de impostos diferidos nas contas é um tema essencialmente contabilístico. Sendo certo, a estimativa de imposto corrente reflete na contabilidade o valor estimado de IRPC a pagar num determinado exercício económico. Contudo, tal não é suficiente para um reconhecimento do valor do imposto sobre o rendimento devido, tendo por base o princípio da periodização económica.

Demonstrações financeiras

Para que as demonstrações financeiras apresentem uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira de uma empresa, existe a necessidade de efetuar a periodização do lucro tributável, e uma correta apresentação do valor do capital próprio, o que implica reconhecer nas contas acréscimos com ativos e/ou com passivos por impostos diferidos, especialmente às IFs (considerável imposto diferidos, anos após anos).

Assim, as demonstrações financeiras e as respetivas divulgações, devem incluir, quer o imposto corrente, quer os impactos fiscais futuros das transações (atualizações), e outros fatos fiscalmente relevantes que tenham ocorrido no exercício, os impostos diferidos.

Processo de encerramento anual de contas

O processo de encerramento anual de contas é fundamental no apuramento do resultado contabilístico, na medida em que, apenas com uma rigorosa análise das operações e incorporação de ajustamentos de fecho de ano (provisões, imparidades, atualizações cambiais favoráveis/desfavoráveis, corrosão monetária, acréscimos e diferimentos, etc), é possível chegar a um resultado contabilístico fiável, bem como à conclusão sobre a posição patrimonial, económica e financeira da empresa.

Portanto, está em causa um processo complexo, mas que, assente na preparação de informação tempestiva, fidedigna, precisa e de qualidade, pode ser mesmo um aliado das empresas na tomada de decisões. O atual contexto ameaça, porém, tornar esse exercício mais complexo do que anos ulteriores.

A situação de instabilidade na Europa e no Mundo, pode afetar as operações das empresas, seja por meio de restrições orçamentais, comerciais, aumento do risco político, ou dificuldades de acesso a recursos ou mercados.

A evolução das taxas de juros traz desafios acrescidos ao encerramento de contas, uma vez que pode ter impacto, por exemplo, nas taxas de desconto utilizadas para efeitos de testes de imparidade e justo valor. E quanto à escalada dos preços, essa trajetória, pode indiciar potenciais imparidades, caso não seja possível repassar o aumento dos custos de produção (custo de transformação), e consequente preço praticado para o cliente final.

Todos estes efeitos deverão ser devidamente acautelados e refletidos nas respetivas contas e demonstrações financeiras. É fundamental que os sistemas de contabilidade estejam atualizados em linha com a legislação (contabilística e fiscal). Isto de forma a potenciar a sistematização e uniformização de dados, que são críticos na automatização dos processos.

A titulo de exemplo: a configuração de um plano de contas segundo o normativo nacional, e parametrização da geração do ficheiro SAF-T (CV) de contabilidade é um contributo muito relevante para a persecução da automatização de demonstrações financeiras.

Esta configuração/atualização dos sistemas de contabilidade também vem permitir outros benefícios, tais como a capacidade de automatizar o reporte fiscal, a análise, o cruzamento, tratamento e avaliação de consistência entre o reporte fiscal e contabilísticos, entre outros, potenciando o uso de tecnologia nos processos da função fiscal e financeira.

Uso do Programa de Faturação Electrónica

Por outro lado, o uso do Programa de Faturação Eletrónica contempla funcionalidades relevantes ao nível do controlo e arquivo documental. Uma das funcionalidades mais relevantes é a capacidade de exportar o ficheiro SAF-T de faturação, que inclui todos os dados relevantes tanto de dados mestre como transacionais de cada documento emitido.

O formato e conteúdo desse Programa podem ser usados em processos automatizados, onde em conjunto com outros dados, permitem a corroboração e reconciliação de contas de clientes/fornecedores e impostos. Neste momento, não existem alterações legislativas substanciais que impactem o encerramento das contas ulterior. Contudo, o Conselho das Finanças Públicas (MF) deve emanar orientações que versam sobre o tratamento dos impactos da invasão russa da Ucrânia no relato financeiro das entidades sujeitas ao Sistema de Normalização Contabilística para Empresas Púbicas.

Do ponto de vista fiscal, as principais alterações a ter em consideração no fecho das contas relativas ao último ano -, realçar o regime do incentivo fiscal à recuperação económica/capitalização das empresas, bem como algumas disposições transitórias em benefício de micro e pequenas empresas aplicáveis ao período de recuperação dos efeitos económicos decorrentes da crise pandémica e mitigação dos efeitos de inflação e elevadas taxas de juros.

O enquadramento legal e fiscal, o processo de submissão da fatura eletrónica devia ser mais simplificado, facilitando-se o fecho de contas, e a vida dos micro e potenciais empreendedores (REMPE). Este exercício crítico exige uma minúcia extrema ao longo de todas as fases para garantir que não existem erros e a sua antecipação deverá ter como aliados um correto planeamento, a par da componente tecnológica (normalizada através de um PDA) que garante a execução de várias tarefas num menor espaço de tempo e uma análise sistemática sobre todo o conjunto de dados para garantir de forma mais rápida a correção de erros e os ajustamentos necessários a realizar.

Relevância do fecho de contas 

Em síntese, o fecho de contas tem uma elevada relevância para o futuro a curto e médio prazo de uma empresa, pois não só permite que os gestores e os acionistas compreendam onde falharam ao longo do ano como também lhes dão os indicadores/métricas que necessitam para alcançar os objetivos fixados, e diagnosticar mais rapidamente os problemas entretanto observados. É neste processo de decisão que os empresários e gestores devem valorizar os elementos os contabilísticos e fiscais que são fundamentais para os ajudarem a estar mais bem preparados e conseguirem atingir resultados pretendidos.

Neste espirito, e neste momento de perturbação económica é fundamental avaliar bem os próximos tempos. As empresas devem preparar-se da melhor forma, e desenvolver o seu plano estratégico, envolvendo todos os que podem contribuir para a execução dos seus objetivos que alicerçam e contribuem para o seu desenvolvimento e expansão.

Isto numa altura em que estão a gerir as suas operações num ambiente de incerteza com o atual cenário adverso, a crise energética, a inflação, o aumento dos juros, e uma eventual crise financeira internacional. Fatores que podem afetar significativamente a performance das empresas e traduzir-se em impactos relevantes na elaboração das demonstrações financeiras. Porém, a contabilidade e fiscalidade devem ser vistas como um precioso auxiliar na ajuda da definição do rumo a seguir.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 812, de 23 de Março de 2023

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