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Dilema Rússia-Ucrânia e plano(s) de paz

Por: Pedro Silva Baptista*

A nova ordem mundial será caracterizada, provavelmente, por um sistema geopolítico multipolar que desafia a arquitetura económico-financeira e de desenvolvimento internacional há muito estabelecidos.

Que mundo este em devir? Quaisquer que sejam as novas configurações, a manutenção da paz será um desafio. Perspectivar a paz, a prazo, pressupõe debruçar sobre ela, no presente.

E falar de paz, hoje, impõe falar de guerra. Com a disrupção do dilema Ucrânia-Rússia, poucas certezas há. Os projetos de paz até a data apresentados não produziram efeitos e as pontes começam a esvaziar.

A União Europeia (UE) e os EUA não podem intermediar o conflito, pois apoiam um dos beligerantes. O Plano Chinês não acolheu a aceitação dos parceiros europeus e da OTAN, por considerarem que os seus princípios subjacentes dão algum suporte a Moscovo. A tragédia recente fez diminuir o ímpeto da iniciativa turca. Portanto, o momentum para a paz está difícil de vislumbrar.

Neste quadro, torna-se necessário estudar o passado, compreender o presente e perspectivar o futuro.

Esforços de guerra da Rússia

A Rússia é conhecida por aguentar os esforços de uma guerra e a II Guerra Mundial sobre isso elucida. Apesar de perder 42 milhões de cidadãos, conseguiu fazer face aos fardos daí advenientes. Isto ajuda a compreender o hodierno. As sanções contra os oligarcas visavam criar uma ruptura com o Kremlin. A agitação social prevista no Ocidente não se concretizou. Argumentava-se que quando os corpos dos soldados começassem a regressar à Rússia, o povo russo deixaria de apoiar a guerra. O paradoxo é que o fenômeno acontece, mas galvanizou o apoio à guerra.

O regresso ao status quo ante bellum não elimina as causas originais do conflito. Em diplomacia sabe-se que a não alteração das fronteiras levará, tarde ou cedo, à repetição da história, com o conflito fadado a emergir novamente.

Os Estados têm paciência e sabem esperar. O Azerbaijão esperou mais de vinte anos para lançar uma segunda guerra em Nagorno-Karabakh, para vingar a derrota de 1999.

Estados tampão

Vozes variadas levantam-se e começa-se a cogitar sobre Estados tampão. De facto, não é incomum haver fronteiras contestadas entre Estados vizinhos e é indesmentível que os conflitos terminam com as negociações.

Há quem aponte para o aparecimento do Nepal (separando a China da Índia) ou para uma solução criativa como é o caso de Andorra. Nas argumentações, há referência ao step by step diplomacy entre a Moldova e a Romênia, que gerou uma confiança política propícia à paz.

O mundo é como é. A questão da soberania não é uma coisa estanque e mente aberta beneficia um futuro favorável à manutenção da paz. Os territórios hoje em disputa, no futuro, podem não ser só da Rússia ou da Ucrânia. Nesta lógica analítica e com base no estudo da história, há quem defenda que, na mesa negocial, há a possibilidade de se criar um Estado tampão. Passará por uma junção do Donbass com a Crimeia, criando um cinturão de segurança para o resto da Ucrânia, que deixa de ter essa fronteira com a Rússia? Só o futuro trará a resposta.

A história ensina que um bom desacordo é preferível a um mau acordo. Por exemplo, o Tratado de Versalhes gerou animosidades que conduziram à II Guerra Mundial. O Acordo de Minsk, a mesma coisa.

No exercício do meu espírito reflexivo, permito-me trazer à colação posições que podem ser do interesse nacional, cabendo às autoridades competentes avaliar a oportunidade desta elucubração.

Papel interventivo de Cabo Verde

O Mirex é um órgão do Estado que, da independência a esta parte, tem sabido desenvolver as suas atividades preservando um fio condutor. Tem-no feito com recurso ao capital de experiência e de conhecimento acumulados pelo seu personnel. Este Ministério dispõe de quadros de craveira para analisar se uma diplomacia virada para a paz, com um papel interventivo de Cabo Verde (CV), coaduna-se com os interesses estratégicos da República.

Um papel de intervenção objetivando a paz não requer a assunção da liderança do processo. Pode-se estar no drive seat como a fazer back channeling. O importante é reunir condições para ter a confiança das partes envolvidas e conseguir, durante o processo negocial, pacificar posições que estão extremadas.

De uma coisa sabe-se: se os mesmos caminhos forem trilhados, não haverá condições para um compromisso entre os beligerantes. A meu ver, iniciativas arrojadas de interlocutores que, por natureza, não são fazedores de interesses, aliada a uma diplomacia inovadora, pragmática e atrevida (no sentido de atrever a), propiciam uma iniciativa de paz.

Potencial de intermediação

Cabo Verde pode cumprir esse papel. Mantém boas relações com os EUA, a China, a UE, o bloco africano, com a Rússia e a Ucrânia. (O seu potencial de intermediação não fica diminuído por ter condenado a invasão da Ucrânia pela Rússia. A ONU também condenou a incursão russa e conseguiu um complexo acordo de cereais.)

Cabo Verde pode representar não somente a si próprio como a todos os Estados arquipélagos, pequenos e insulares. Ademais, é um país com grande exposição a choques externos, fortemente impactado pelos efeitos da guerra, como os seus congéneres africanos.

África é um continente extremamente complexo, com a parte francófona e anglófona, entre outras, com posições tão diversas que são difíceis de conciliar. Na pele de quem muito sofre e por maioria de razão, o país dispõe de elementos para congregar a posição africana mais consensual, sobretudo se tiver o aval e for mandatado pela União Africana. O raciocínio aplica-se ao Movimento dos Países Não Alinhados.

Em acontecendo, é uma oportunidade para a Nação cabo-verdiana cumprir o seu credo de estar virada para si própria, bem como para o mundo.

Até porque , o mundo carece de paz!

*Consultor de Políticas e Estratégia

Mestre em Negócios Internacionais

Diploma de Estudos Avançados em Ciência Política e Relações Internacionais

Email: pedro@pedrosilvabaptista.com

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 813, de 30 de Março de 2023

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