A ilha de Santo Antão perdeu, desde 2010, 6965 pessoas, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE). Na sua maioria, são jovens à procura de melhores condições de vida em outras ilhas ou fora do país. Enfrentar o desemprego, procurar reconhecimento profissional ou simplesmente estudos superiores têm causado um “desfalque” na população da segunda maior ilha do país.
Ao contrário do que se nota mundialmente, com a população mundial a atingir os oito bilhões de pessoas, Cabo Verde e, particularmente, Santo Antão têm notado uma diminuição drástica da população residente.
Se em 2010 a ilha tinha 43.915 habitantes, em 2021 passou para 36.950, segundo os censos de 2010 e 2021, do INE, uma redução de 6965 pessoas. O concelho da Ribeira Grande é o mais afectado. Em 2010 era o mais populoso da ilha, com 18.890 pessoas, já em 2021 passou a ter 15.128 habitantes. Paul tinha 7.032 habitantes, hoje tem 5770, enquanto que Porto Novo reduziu a população de 17.993 para 16.052 habitantes actualmente.
Ainda com comunidades encravadas, sem estradas de acesso, rede móvel deficitária ou com dificuldades de emprego, são muitos os jovens que têm deixado o meio rural ou até mesmo o meio urbano rumo a outras ilhas ou ao estrangeiro.
Em busca de experiências profissionais
É o caso de Alene Dongo de 25 anos. Licenciada em Relções Públicas e Secretariado Executivo, sentiu-se obrigada a deixar Santo Antão, em busca de experiências profissionais, porque, como diz, o mercado de trabalho está saturado na ilha.
“Para nós jovens recém-formados não temos tido muitas oportunidades porque as pessoas que estão enquadradas não têm ido para a reforma e nem tem sido criados novos postos de trabalho. Isto nos dificulta muito”, admite.
Passou, recentemente, a residir na capital do país onde pensa existir mais chances de conseguir emprego na sua área de formação, apesar da concorrência forte. Para já, como diz, já adquiriu algumas experiências que, a seu ver, não teria oportunidade na ilha das montanhas.
Do mesmo município, Edna Lopes, 29 anos, também deixou a ilha há alguns anos. No seu caso, foi licenciar-se em São Vicente, encontrou trabalho na ilha do Sal como assistente social e nunca mais voltou a residir na ilha natal. “Santo Antão tem as suas vantagens porque o custo de vida é muito menor do que nas ilhas turísticas, mas, infelizmente, os jovens não tem tido muitas opções de trabalho”.
Apesar de reconhecer que as oportunidades têm começado a surgir, acredita que, mesmo assim, muitos jovens preferem conhecer novos lugares, novas dinâmicas de trabalho ou então buscar reconhecimento, valorização e progressão no trabalho noutras paragens que não Santo Antão.
À procura de progressão
Adircia Sousa, 33 anos, é outra jovem que decidiu sair da ilha. Deixou um trabalho no Porto Novo e há sete anos trabalha em um dos hotéis da Boa Vista, com melhores condições salariais e reconhecimento profissional.
“Apesar de ter meu emprego, mesmo assim senti a necessidade de sair porque o salário não compensava. Sentia que fora de Santo Antão eu poderia voar mais alto e dar mais de mim, adquirir mais conhecimentos e trabalhar com empresas maiores e estimulantes”, conta.
Desde então, como diz, teve uma “extraordinária” mudança de vida ao melhorar as condições de trabalho, com melhor salário, novos conhecimentos e acima de tudo, atingiu o reconhecimento que não conseguiu conquistar em Santo Antão.
“Santo Antão sempre me proporcionou muitas coisas, mas na Boa Vista consegui o reconhecimento que não tive na minha ilha. Consegui conquistar meu espaço aqui porque a ilha me recebeu de braços abertos. Trabalho num estabelecimento hoteleiro grande e fui adquirindo conhecimentos em línguas, gestão hoteleira e continuo a evoluir”, avança.
Triste e deserta
A nossa entrevistada esteve recentemente na ilha natal de férias e como disse ao A NAÇÃO sentiu a ilha “um pouco deserta”. A maioria das pessoas que conhece viajou, à procura também de melhores condições de vida. “A ilha está desfalcada e os que ficam estão tristes e sem trabalho”, diz, ao mesmo tempo que admite que gostaria, de algum dia, voltar para a ilha natal para dar sua contribuição no desenvolvimento.
Esta jovem acredita que há oportunidades na ilha das montanhas, contudo diz que tem sentido falta de políticas mais assertivas para fazer com que as oportunidades sejam exploradas, evitando assim que os jovens saiam. Fala, por exemplo, na valorização do capital humano e no talento dos jovens santantonenses e numa maior proximidade do Governo para com os jovens da ilha e mostrar que “os jovens são importantes para Santo Antão”.
Sair para o estrangeiro
Em meio a toda esta perda da população em Santo Antão, há quem opte por sair do país. No caso de Héder Gonçalves, depois de algum tempo a viver na Praia, o jovem de Porto Novo decidiu emigrar para os EUA, onde já estava boa parte da família, também de Santo Antão.
A busca por novas oportunidades de vida motivou este jovem e toda a família a sair da ilha e do país. Aponta a falta de oportunidades a nível social, cultural e desportivas como outras motivações na mudança radical de vida.
Fora de Cabo Verde, como disse, a vida tem decorrido melhor, com “mais oportunidades de trabalho” e de conquistar sonhos que não imaginava atingir em Santo Antão. Agora, espera algum dia voltar para investir na ilha natal e dar seu contributo.
A pensar em sair
Além dos que já saíram, muitos outros jovens também têm pensado em deixar Santo Antão nos próximos tempos. A falta de trabalho, ainda, é o principal motivo. Euritson Andrade, 25 anos, de Cruzinha, na Ribeira Grande, está a pensar procurar outra ilha para residir em breve.
“Tenho tido pouquíssimas oportunidades aqui. Quero expandir meus conhecimentos e procurar melhores condições de vida. As empresas aqui em Santo Antão só querem contratar estagiários com mão-de-obra barata e não contratam um funcionário fixo. Além do mais eles pedem experiências de anos, sendo que saímos da universidade há dias”, descreve.
Muitos santantonenses têm fixado residência principalmente nas ilhas turísticas do Sal e da Boa Vista, mas também na capital do país, numa tentativa de fugir à estagnação de Santo Antão
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 815, de 13 de Abril de 2023