Os familiares dos três militares do Porto Novo, Santo Antão, que perderam a vida no acidente de Serra Malagueta, pedem justiça. Nas cerimónias fúnebres, que ocorreram na passada quarta-feira, 5, além da consternação e da tristeza, ouviam-se gritos de revolta, indignação e de críticas ao que ter-se-á passado. Nomeadamente, às condições em que esses jovens foram chamados a laborar na luta contra o incêndio.
Familiares, amigos, conhecidos e toda a cidade do Porto Novo, praticamente, estiveram mergulhados em tristeza nas cerimónias fúnebres dos três militares do município, vítimas mortais do acidente da Serra Malagueta.
Os militares, que morreram em missão, foram homenageados com honras militares em frente à Câmara Municipal, seguidas
de celebrações religiosas. Moisés Santos, de 23 anos, e Gilmário Melo, 22, foram sepultados no cemitério da cidade.
Humberto Rocha, por sua vez, foi dado à terra no cemitério da Ribeira da Cruz, interior do concelho. As urnas dos três foram transportadas da Praia para São Vicente num avião da TACV e, depois, de barco para Santo Antão.
Justiça
Durante as exéquias, além da tristeza e da solidariedade, ouviram-se gritos de revolta e pedidos de justiça por parte de familiares
e conhecidos. Roberto Santos, irmão de Moisés Santos, aponta sentimento de revolva e, aos prantos, apelou por justiça.
“Estamos revoltados e com muita dor. Espero que isto não se repita mais uma vez. Em mais de 40 anos de independência já são muitas histórias semelhantes, mas só espero que a minha voz, neste momento, seja também a voz de todas as mães que já perderam seus filhos”, disse, em meio a lágrimas.
Para este familiar, caso as famílias permanecerem em silêncio, situações do tipo vão se repetir e vidas continuarão a ser perdidas. “Se continuarmos em silêncio vamos continuar a perder vidas. Se não há condições, militares não devem ser postos em perigo.
Vamos até as ultimas instâncias, não queremos migalhas de ninguém, queremos justiça por todas as mães”, apontou, criticando a atitude o Governo ao falar em dinheiro, antes de prestar solidariedade.
Inconformado
Domingos Melo, irmão de Gilmário Melo, mostrou-se inconformado com a morte e revelou que o irmão nunca quis ser militar. “Ele nunca quis ir à tropa. Foi, porque eu incentivei, mas se eu soubesse que ele fosse perder à vida, nunca o teria incentivado. Estamos
sem chão e com sede de justiça”, disse.
Moisés Santos e Gilmário Melo eram da mesma zona na cidade do Porto Novo, em Ribeira de Corujinha. A zona está mergulhada em tristeza pela perda dos vizinhos, considerados de brincalhões, amigos e prestativos.
Já Humberto Rocha era do interior, na Ribeira da Cruz. Toda a comunidade ainda está em choque e chora a morte do amigo e ente querido.
Todos nunca sonharam com carreira militar. Como apurou A NAÇÃO, estavam na tropa à procura de oportunidades de vida.
Os militares faleceram na sequência de um acidente de viação, a caminho do combate ao incêndio de Serra Malagueta. Foram oito vítimas mortais.
No Porto Novo, o Governo fez-se representar nas cerimónias pelos ministros do mar, Abraão Vicente, e administração interna, Paulo Rocha.
São Vicente: Consternação no funeral dos militares Igor Costa e Cleiton Rocha
Em São Vicente, os militares Igor Costa e Cleiton Rocha foram sepultados na passada quarta-feira, 5, com honras militares. Antes, foram homenageados no Comando da I Região, em São Vicente. Ambos tinham apenas 20 anos.
O tio de Cleiton Rocha, André Santos, confirmou à imprensa que o sentimento reinante entre a família é de “tristeza enorme pela perda de forma drástica”. “Embora tenha sido para servir a pátria, mas, para a família é sempre doloroso. Era um rapaz extremamente educado, meigo e que respeitava toda a gente”, sublinhou o parente, garantindo que o jovem sempre quis ir e amava a vida militar.
André Santos disse agora que a família, residente na Bela Vista/Pedreira, espera por apoio das autoridades, por ser “muito humilde” e por o soldado representar “como uma chefe de família”, quando já perderam antes o pai e dois irmãos.
Voluntário na tropa
Do lado do segundo-cabo Igor Costa, o primo Steven Ferreira explicou que este decidiu ir para a tropa como voluntário por ter vários objectivos, inclusive, de fazer carta de condução, estudar e seguir carreira castrense.
Segundo o familiar, o jovem, que cresceu na zona da Bela Vista e há bem pouco tempo foi morar na zona de Portelinha, era o único filho do pai e o mais velho de dois filhos da mãe, e era quem se depositava as esperanças de dar uma “vida melhor” à família.
Por isso, Steven Ferreira assegurou que agora aguardam pela “verdade real dos factos” do acidente e “se realmente o carro que transportava os militares estava com poucas condições”.
Igor Costa também é descrito pelo amigo próximo Geovani Gomes como “pessoa amável, sorridente e muito companheiro” e, por isso, asseverou, que o sentimento de hoje é de “muita dor”. À semelhança dos militares de Santo Antão, também as urnas de Igor e Cleiton foram transportadas num avião da TACV.
Foram oito o número de militares mortos na sequência do acidente que aconteceu na tarde de sábado, 02, na estrada de Guindon, envolvendo um camião da instituição castrense que transportava reforços para ajudar no combate ao incêndio em Serra Malagueta.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 811, de 06 de Abril de 2023