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Democraturas…

Por: Odailson Bandeira*

De acordo com as conveniências e com as circunstâncias do momento, são muitos os que inúmeras vezes falam do exemplo que é a nossa “Democracia”, particularmente em África. A verdade é que, enquanto Estado Independente, já evoluímos, porém, muito aquém do esperado. Para percebermos o nível baixíssimo em que ainda estamos nesta matéria, basta fazermos uma pequena “imersão”, naquilo que tem sido os processos eleitorais (Democracia Interna) nos três principais partidos deste país: UCID, PAICV e MpD.


Eleições internas na UCID

Começando pela UCID, nos últimos 20 anos, este partido tem primado por uma espécie de “eleições esquisitas”, que praticamente servem para “legitimar” o Presidente (que parecia vitalício, contudo no ano passado nomeou o seu substituto). Ou seja, todas as eleições são envoltas de alguma polémica e sempre que aparece um outro pré-candidato, é imediatamente barrado, logo nas intenções.

Isto faz-me lembrar quando eu era criança, na minha zona, quem tivesse uma simples bola de futebol, era como um rei: ditava as regras, fazia a sua equipa, apitava as faltas, excluía os que não gostava e se estivesse a correr risco da sua equipa perder, acabava com o jogo. Aqui até poderia até fazer um paralelismo entre essa “BOLA” e a “UCID”. Pelo menos é a perceção que temos de fora para dentro e tendo em consideração as declarações proferidas publicamente por parte desses pré-candidatos “eliminados” à nascença.

Eleições internas no PAICV

No PAICV, após as eleições muito concorridas em 1997 entre PP e JMN, e em 2000, entre JMN e Filú, só em 2014 voltou a ter mais do que um candidato. Desta vez, logo 3, tendo sido, igualmente, eleições muitíssimas concorridas, em que foram encaradas por alguns, como sendo um caso de vida ou morte, numa disputa acirrada entre os “Turcos” e a “Velha Guarda ou Veteranos”. E aí começou o declínio do PAICV. Uma das candidatas (a vencedora) foi acusada, por alguns apoiantes de outras candidaturas, de ter recorrido aos recursos do Estado (sobretudo do Ministério que tutelava na altura) em proveito da sua candidatura.

Desde 2014 até 2022 simularam “eleições”, participando sempre apenas um(a) candidato(a), não dando a mínima chance para que surgissem outras candidaturas, sempre com a intenção de sequestrar os órgãos do partido e perpetuar no poder. E, realmente, estes intentos foram conseguidos. Os órgãos do partido foram/estão sequestrados e foi feita uma espécie de “limpeza étnica”, eliminado todos os de sensibilidades diferentes e com vozes críticas.

Por exemplo, quando, em 2019, o Dr. José Sanches, tentou avançar com uma candidatura, deparou-se com todo o tipo de obstáculos. Não tinha acesso ao calendário eleitoral (ficou a saber a data das eleições 15 dias antes), não tinha acesso à Base de Dados dos militantes e as comissões eleitoral e de logística, eram compostas  por pessoas de confiança da liderança.

Por outro lado, todos os órgãos do partido estavam em campanha a favor da então líder. Lembro-me da abertura do Ano Político nas instalações da Assembleia Nacional, que foi um autêntico comício de campanha a favor da então líder, quando deveria ser uma atividade do GP-PAICV. Portanto, um campo, completamente, inclinado para uma disputa, altamente, desigual, em todos os sentidos.

Logo, só restou ao Dr. José Sanches, a opção de desistir, porque ele tinha a real noção que apenas iria colocar a cabeça na forca, para ser enforcado. E, infelizmente, essa era a intenção dos seus adversários/inimigos políticos.

Eleições internas no MpD

Quanto ao MpD, desde as últimas eleições internas em 2004, disputadas entre os Engenheiros Jorge Santos e Agostinho Lopes, nunca mais houve eleições concorridas. Isto é, sempre com candidato único. Só agora, em 2023, surge uma candidatura alternativa à liderança do Dr. UCS, liderada pelo Dr. Orlando Dias.

Até há bem pouco tempo, o GP-MpD estava claramente dividido, sendo os mais inconformados com a liderança do Sr. UCS, os militantes e Deputados Emanuel Barbosa, Orlando Dias, Isa Costa, Austelino Correia, etc…

Certamente, os mais atentos estão a lembrar no início desta legislatura, em que o então PM reeleito, não conseguiu “fazer” eleger como PAN a pessoa que desejava. Foi, sem dúvidas, uma GRANDE DERROTA para o Sr. UCS! Já na eleição do Líder Parlamentar, o candidato do Sr. UCS (Deputado, João Gomes) ganhou o seu opositor (Deputado, Emanuel Barbosa, que vinha publicamente a criticar a liderança do Sr. UCS), por apenas um voto.

Uma vez que que o Deputado Orlando Dias não conseguiu ser eleito Vice-Presidente da Assembleia Nacional, segundo ele, por traição da liderança do seu partido e, motivado, por alguma mágoa, ele começou a equacionar avançar com a sua candidatura à liderança do MpD, visto que na altura, aparentemente, contava com um núcleo forte de apoio, entre os quais, mais de uma dúzia de Deputados colegas de bancada e alguns dirigentes fortes dentro do sistema MpD, designadamente da ala dos “Veiguistas”.

Candidatura do Dr. Carlos Veiga (Kalu) às Presidenciais

Para complicar mais ainda, com os resultados das Eleições Presidenciais, gerou-se mais uma “crise” no seio do MpD, sendo que o então Ministro Paulo Veiga (Director Nacional da Campanha) pediu a demissão, achando que a candidatura do Dr. Carlos Veiga (Kalu) não foi dada a devida atenção por parte da cúpula do MpD.

Na ressaca desta derrota, um Deputado Ventoinha e fervoroso apoiante do Dr. Carlos Veiga, acusou o Vice-Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças, de ter anunciado, de forma precipitada, algumas medidas inapropriadas para o momento e que supostamente constariam no OE de 2022 (acabaram por não constar, daí ter dado azo para alguma suspeição).

No entender do referido Deputado, aqueles pronunciamentos prejudicaram a candidatura do Sr. Kalu. Esse Deputado, ainda reclamou pelo fato do Sr. Ministro da Família e Coesão Social não ter acionado o Cadastro Social Único, como tinha sido feito nas legislativas de 2021 (distribuição de dinheiro nas vésperas das eleições).

UCS usa e abusa do seu poder e Esatuto de PM 

A partir deste momento, soaram os alarmes “Ventoinhas” e o Sr. UCS teve que reunir a tropa e usar/abusar do seu poder e Estatuto de PM, para tentar minimizar os estragos e acalmar as águas. Assim, com a demissão do então Ministro Paulo Veiga, o Sr. UCS sacrificou o então Líder do Grupo Parlamentar, Deputado João Gomes (um ano e tal antes do seu mandato terminar) e sabendo que o Dr. Paulo Veiga é Deputado eleito, colocou-o como o novo Líder da Bancada, que sustenta o seu Governo no Parlamento.

Por outro lado, o Sr. PM inventou, de forma deliberada, uma instituição denominada “Autoridade da Concorrência” que foi entregue ao Deputado Emanuel Barbosa. Levando em consideração que o Deputado em causa era tido como sendo o mais crítico internamente e, pelas evidências, julgamos que esta foi uma espécie de moeda de troca, com a condição de este deixar de fazer “Concorrência Interna” ao Sr. UCS.

Prosseguindo, o Sr. UCS puxou da cartola mais um trunfo (estratagema) e substituiu, prematuramente, a SG, Dra. Filomena Delgado, tendo nomeado o Deputado Luís Carlos Silva (que vem ganhando algum destaque e poder de influência dentro das hostes do partido ventoinha) para ser o novel Secretário-Geral do MpD. Tudo isto, feito poucos meses antes da próxima convenção (onde, naturalmente, poderá ser indicado um outro SG, dependendo de quem for o vencedor dessas eleições de abril).

A Deputada, Isa Costa, que, também, era uma das vozes críticas da liderança do Sr. UCS, foi colocada como Deputada para a CEDEAO e ficou sem muito “conforto” para criticar o então PM (Presidente do MpD), pelo menos, de forma explícita como fazia antes. Pelo meio, foi distribuído alguns tachos aos descontentes, nas chefias intermédias.

Orlando Dias completamente isolado

Feito todo este trabalho por parte do Sr. UCS, o Deputado Orlando Dias,  de repente viu-se, completamente, isolado nesta missão ingrata. Ora, o Governo tem desdobrado entre as ilhas, a lançar obras, a fazer algumas inaugurações e a realizar conferências (ações de campanha interna e externa). Nos últimos dias, numa espécie de resposta a um decreto interno, membros do Governo, Deputados, Diretores, Chefes de Serviços Desconcentrados do Estado, Coordenadores do MpD, Militantes e alguns “bajuladores” do Sr. UCS, começaram a postarem no facebook, textos de apoio e substituindo as suas fotos de perfil/capa, com fotos do candidato UCS.

Por ironia do destino, logo o Orlando Dias que sempre acusou o PAICV de ser um partido anti-democrático e ditador, está a sentir na pele, a DITADURA do seu partido, que integrou e faz parte desde a primeira hora.

Não deixa de ser estranho, caricato e até surreal, que, até agora, nenhum Deputado da Bancada do MpD tenha declarado apoio, publicamente, ao colega de bancada Dr. Orlando Dias! Coincidência, medo, receio ou apenas ingratidão?

É a Vida a nos dar belas lições! Todavia, desejo boa sorte ao Dr. Orlando Dias, pela sua coragem e ousadia nesta difícil e desigual empreitada!

O pior é que tais atos acontecem até nas eleições regionais e a nível concelhio. Inclusive, mesmo em eleições de coordenadores grupos de base, lá está a “mão invisível” dos Presidentes dos Partidos a imiscuir e a manipular tais eleições.

Práticas antidemocráticas também nas junventude partirdárias

Infelizmente e lamentavelmente, não podemos estar muito esperançosos que isso mude no futuro próximo, visto que os “líderes” das juventudes partidárias (JpD e JPAI), também, adotaram as mesmas práticas antidemocráticas dos seus “chefes”, no que diz respeito às eleições internas.

Na JPAI, a última vez que o seu Presidente Nacional foi eleito numa eleição concorrida foi em 2009. De lá para cá, só “eleições de fachadas”, feitas com régua e esquadro, com olhos postos num lugar elegível nas listas referentes às eleições legislativas. Desde a eleição do Nuias Silva em 2009, parece que ficou escrito e definido, quem seriam “nomeados” os próximos Presidentes da JPAI Nacional até 2050. Quanto a JpD, também, as coisas funcionam, praticamente, igual, sendo que a última eleição com mais de um candidato foi em 2013, cujo vencedor foi o Dr. Herménio Fernandes.

Marginalização e linchamento político

Disto isto, torna-se tão cristalino que dentro dos partidos e organizações político-partidárias, não existem Democracia Interna e Liberdade Pensamento. Não se aceita, redondamente, o contraditório e quem ousar, expressar aquilo que realmente pensa sobre as lideranças, é completamente marginalizado ou, então, é “linchado” politicamente. Isto é um paradoxo, tendo em conta que os partidos políticos são tidos como pilares da democracia. Diria que, é como se estivéssemos a semear sementes estéreis na perspetiva de colher bons frutos.

Terminando, voltando por onde comecei, em que o objetivo é mostrar o nível real da nossa Democracia, podemos refletir juntos, partindo da seguinte questão: Se homens e mulheres formados, a exercerem altos cargos, aparentemente estáveis socialmente e financeiramente, não são verdadeiramente livres para tomarem as suas decisões numa simples eleição interna, como podemos achar que um cidadão/eleitor pobre e numa situação de vulnerabilidade (sem acesso aos meios básicos: alimentação, saúde, habitação, educação…), pode MANIFESTAR/PRONUNCIAR/VOTAR, livremente, em qualquer situação,  escolha pessoal e/ou eleição (autárquica, legislativa ou presidencial) no nosso país?

Por isso e por muito mais, é que os políticos fazem questão de manter uma boa franja da nossa população abaixo do limiar da pobreza, de modo que a compra de consciência e de votos possa continuar a ser uma FORTALEZA para os partidos (principalmente, para aquele que estiver, circunstancialmente, no poder) nos momentos eleitorais.

Temos que começar a combater o sistema implantado, mas para tal, temos que, primeiramente, ganhar esta consciência, sermos íntegros e convictos, evitando vender a nossa dignidade por tostões ou trocá-la por migalhas. 

Viva a liberdade de escolha, viva a Democracia!

Honra aos que ousem pensar pelas suas próprias cabeças!

*Um cidadão comum, que idolatra a Liberdade

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 811, de 16 de Março de 2023

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