Num apelo urgente à ação no Dia Internacional das Mulheres, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, alerta que o progresso dos direitos das mulheres, alcançado ao longo do tempo, “estão a desaparecer diante dos nossos olhos”. Numa mensagem alusiva ao 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, afirma que, segundo as previsões mais recentes, ao ritmo actual, serão necessários “mais 300 anos” para alcançar a plena igualdade de género.
Numa mensagem chegada à nossa redacção, António Guterres enfatiza que a sucessão de várias crises, “desde a guerra na Ucrânia à, emergência climática”, tem afetado, “em primeiro lugar, e de forma mais dura”, as mulheres e as meninas.
Esse responsável, alerta ainda que, em resultado do “retrocesso mundial da democracia”, os direitos das mulheres sobre os seus próprios corpos e sobre a “autonomia” das suas vidas “estão a ser questionados e negados”.
Como realça, duas estatísticas “evidenciam claramente” o fracasso desses direitos. “A cada dez minutos, uma mulher ou menina é assassinada por um membro da família ou por um parceiro íntimo. E a cada dois minutos, uma mulher morre durante a gravidez ou o parto. A maioria destas mortes é perfeitamente evitável”, lamenta.
Comprometimento
“Neste Dia Internacional das Mulheres temos de nos comprometer a fazer melhor. Precisamos reverter estas tendências alarmantes e apoiar as vidas e os direitos das mulheres e das meninas, em todos os lugares”, apela o secretário-geral das Nações Unidas.
Esta, disse, é uma das suas principais prioridades e um pilar fundamental do trabalho das Nações Unidas em todo o mundo. “Do Sudão do Sul ao Mianmar, apoiamos mulheres e meninas em risco e garantimos que as suas vozes sejam ouvidas nos processos de paz”.
Guterres recorda que a secretária-geral adjunta, Amina Mohammed, visitou recentemente o Afeganistão para “transmitir às autoridades que as mulheres e as meninas têm direitos humanos fundamentais e que nunca desistiremos de lutar por eles”.
Diminuir diferenças de género na ciência, inovação de tecnologia
Este ano, o Dia Internacional das Mulheres, acrescenta, foca-se em diminuir as diferenças de género na ciência, na tecnologia e na inovação.
“A nível mundial, os homens têm 21% mais probabilidades de ter acesso à internet do que as mulheres – e nos países de baixo rendimento esta percentagem sobe para 50%. No entanto, mesmo os países mais ricos saem a perder por causa dos estereótipos de género e dos preconceitos históricos. Na indústria tecnológica, os homens superam as mulheres na proporção de dois para um. Na inteligência artificial, de cinco para um. Os big data são o novo filão de ouro e a base das decisões políticas e económicas de hoje. No entanto, muitas vezes ignoram as diferenças de género – ou fazem vista grossa às mulheres”, condena.
Nesse contexto, interpela que “todos devemos ficar alarmados”, com produtos e serviços que “alimentam a desigualdade de género e digitalizam o patriarcado e a misoginia”.
Os direitos das mulheres, disse, “não devem sucumbir aos Silicon Valleys deste mundo”.
Esse responsável advertiu ainda que as decisões médicas baseadas em “dados recolhidos de corpos masculinos podem não ser apenas prejudiciais para as mulheres; podem ser fatais”.
Assim, a discriminação contra as mulheres na ciência e nas tecnologias é, como defende, “o resultado de séculos de patriarcado, de discriminação e de estereótipos prejudiciais”.
Apenas 3% dos laureados de prémios Nobel em categorias científicas
As mulheres, realça, representam “apenas 3% dos laureados do Prémio Nobel em categorias científicas desde 1901”. E na internet, prossegue, as mulheres – incluindo cientistas e jornalistas – são “frequentemente alvo de discurso de ódio sexista e de abuso com o intuito de as silenciar e de as envergonhar”.
Contudo, “não serão silenciadas”. “Mulheres e meninas em todo o mundo exijam os seus direitos e as suas palavras reverberam em todo o mundo. Precisamos de tomar medidas em várias frentes para garantir que as mulheres e as meninas possam contribuir plenamente para o acervo mundial de conhecimento através da ciência e das tecnologias”, apelou.
Nesse sentido, diz que “temos de derrubar barreiras, dos dados discriminatórios a estereótipos que afastam as meninas do estudo de assuntos científicos desde tenra idade”.
Quotas para maior participação
Os decisores dos mais diferentes setores, interpela, “devem ampliar a participação e a liderança das mulheres na ciência e nas tecnologias, recorrendo a quotas, se necessário”.
“Devem ser criativos, ampliando os processos de recrutamento e dando prioridade às competências no momento da contratação. E devem ser persistentes”.
A igualdade de género, invoca António Guterres, não acontecerá por si só. “Tem de constituir uma prioridade e de ser alimentada. Esta abordagem está a gerar resultados nas Nações Unidas, onde temos a nossa própria estratégia de paridade de género entre os nossos funcionários”.
Ambiente digital seguro
Assim, diz que “devemos” também adotar medidas para criar “um ambiente digital seguro para as mulheres e responsabilizar tanto os perpetradores de abuso online quanto as plataformas digitais que permitem essas situações”.
As Nações Unidas, garantiu, estão a trabalhar com os governos, sociedade civil, setor privado, entre outros, na elaboração de um “Código de Conduta” com vista a reduzir “danos e a aumentar a responsabilidade das plataformas digitais, ao mesmo tempo que defende a liberdade de expressão”.
“Os direitos das mulheres não são um luxo que possa ficar à espera enquanto resolvemos a crise climática, acabamos com a pobreza e criamos um mundo melhor. Investir nas mulheres e nas meninas é a maneira mais segura de elevar todas as pessoas, comunidades e países e de alcançar os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, argumentou.
Neste contexto de desafios inerentes aos direitos das mulheres e meninas, e não só, o secretário-geral das Nações Unidas apela para que se trabalhe, em conjunto, por um mundo “mais inclusivo, justo e próspero para as mulheres e meninas, homens e meninos, em todos os lugares”.