Por: Ednilson Fernandes*
Nos últimos dias, o assunto de conversa entre a população residente no país e na diáspora será, com toda a certeza, a mega-operação realizada em conjunto pela Polícia Nacional (PN) e pela Polícia Judiciaria (PJ) num dos bairros mais problemáticos da capital, bairro da Achada Santo António, na Praia ilha de Santiago, no dia 9 de fevereiro. O que provocou o espanto de todos até aos dias que correm, foi o número de detidos desta grande operação que se calhar é uma das maiores de sempre realizada na capital do país. Se não o for pelos números de viaturas ou agentes destacados, sê-lo-á, efetivamente, pelo número de detidos, 39, dos quais 34 foram enviados para a prisão, coisa nunca antes vista nos 10 graus de ilhas, como em tempos cantou a diva dos pés descalços.
Esta megaoperação, segundo as autoridades competentes, insere-se no combate à criminalidade violenta que tem assolado, principalmente, a capital do país nos últimos meses. Essa criminalidade tem resultado em inúmeras mortes, sobretudo, de pessoas inocentes – assaltos a mão armada, vandalismos, etc… – que têm deixado a população em sobressalto e com um sentimento de revolta contra o poder político/governativo pela falta de soluções concretas para combater a criminalidade e devolverem a tranquilidade que a mesma e o país tanto almejam.
Para muitos, esta operação musculada das forças policiais tem como objetivo dissuadir os prevaricadores da prática de futuros crimes e mostrar que as forças policiais estão cientes dos atos perpetuados pelos criminosos, estando preparadas para darem respostas quando instigadas pelas instâncias superiores, nomeadamente a Procuradoria-Geral e o Ministério Público.
Para os mais céticos, esta operação policial é apenas uma forma encontrada pelas autoridades competentes de aplacar a opinião pública, que tem apontado como uma das grandes falhas dos sucessivos governos as matérias de segurança interna e ausência de estratégias concretas para combater a criminalidade – mormente a criminalidade “jovem” – que há décadas tem perturbado a paz das nossas populações, com maior incidência na cidade da Praia e nas suas periferias.
Seja como for, não restam dúvidas de que esta operação veio colocar em evidência, de forma nua e crua, a triste realidade social do país no que diz respeito ao futuro de muitos dos seus jovens.
Socialmente, todos as estruturas da nossa sociedade falharam com estes jovens criminosos: a Família, as Instituições de Ensino, o Estado e a própria Sociedade (o meio) onde eles estão inseridos. Senão, vejamos:
Quanto à questão da família, muitos destes jovens são oriundos de famílias desestruturadas, sem qualquer base sólida ou figuras de referências e, atrevo-me a dizer, de autoridade. A maioria cresce com a mãe que muitas vezes tem inúmeros filhos. Sendo ela o único sustento da casa, tem que deixar os filhos ao cuidado sabe-se lá de quem para ir trabalhar a fim de garantir o sustento da casa. Noutros casos, crescem com a avó, que tem de olhar e cuidar de muitos netos aos mesmo tempo, não conseguindo, obviamente, dar conta do recado. Tudo isto, leva a que muitos destas crianças cresçam na rua e a educação que recebem seja dada pelas mesmas, o que, na maioria das vezes, os transforma em jovens rebeldes e marginais, prontos para enveredar pelo mundo dos delitos e crimes graves. Muitos encontram nos grupos denominados “Thugs”, a estrutura de apoio e de solidariedade que lhes falta na família. Com essas pequenas amostras, não quero vitimizar os arguidos nem armar-me em advogado do diabo, como disse alguém. Penso, porém, que estas falhas são de enorme relevância na formação do caráter destes jovens/adultos. As famílias têm de adquirir consciência disso, ou não vale de nada irem chorar ou manifestar-se à porta do tribunal por causa das detenções de tais indivíduos ou revoltarem contra o sistema judicial pelas mesmas. Muitos destes jovens se calhar são responsáveis pela morte de outros jovens, adultos, crianças e velhos, praticando assaltos, roubos etc…, que têm feito agonizar a nossa cidade. E onde é que estavam os seus familiares? Ou será que manifestaram alguma revolta pelos crimes cometidos pelos detidos ou solidariedade com a família das pessoas que foram vítimas dos seus furores criminais?
Muitas famílias são coniventes com os atos perpetrados por estes indivíduos, por isso há que efetuar uma reflexão profunda sobre o papel que cada família deve desempenhar na educação dos seus membros, isto, porque nenhuma família, nenhuma vida é superior a outra.
Em relação às instituições de ensino, têm de fazer mea culpa, uma vez que não têm conseguido implementar políticas de proteção da delinquência juvenil. Com efeito, muitas vezes é nas escolas que grande destes adolescentes e jovens tem o seu primeiro contacto com drogas e grupos organizados, usando esse ambiente para organizarem os seus intentos. O ensino precisa de ser mais inclusivo e assertivo, e as sucessivas políticas do Ministério da Educação têm falhado principalmente na inclusão e na formação pessoal e social, o que faz com que muitos abandonem deste cedo as escolas para enveredarem pelo mundo do crime.
O Estado, esta grande máquina propagandista e consumidora dos recursos produzidos pelo seu povo, esta grande máquina que, infelizmente, só funciona para os seus boys, é na minha opinião, a pior de todas a instituições. Esta afirmação não é um ataque ao atual partido no poder, já que o anterior também não fez melhor, trata-se apenas uma constatação. Que fique mais uma vez claro que o meu partido é Cabo Verde e o bem-estar dos seus habitantes, o resto para mim é simplesmente o resto. Num país democrático o povo elege democraticamente os seus representantes, seria como legitimar aqueles que deveriam defender os nossos interesses enquanto comunidade humana. No entanto, eles sufocam-nos com políticas desajustadas e de compadrios que só servem os interesses de uma minoria privilegiada, enquanto a grande maioria é salve-se quem puder e como puder. Se começasse a enumerar as variadíssimas falhas dos sucessivos governos de Cabo Verde nas 3 vertentes mais importantes a que qualquer Sociedade aspira a fim de se intitular uma sociedade desenvolvida, não haveria folhas de papel suficientes. Temos falhado na Educação, Saúde e a Segurança, que são pedras basilares de qualquer País.
Na educação e na segurança, falamos de pedras basilares com clara influência no desenvolvimento humano das nossas comunidades. Um Estado que coloca a Educação como uma das suas prioridades faz com que seja impensável ter tantos adolescente e jovens a seguirem caminhos obscuros, como é o da criminalidade violenta. Tudo isso tem a ver com a falta de expectativas que os jovens colocam nas instituições geridas pelo Estado, onde a meritocracia é uma miragem e só o compadrio e o nepotismo vencem, consagrando direitos e regalias apenas a uma minoria já bastante privilegiada social e economicamente. Quantos jovens que terminam o 12.º ano e não têm quaisquer possibilidades de ingressarem no ensino superior ou de obterem qualquer emprego digno existem? Muitos veem como única opção a criminalidade para dar respostas às suas necessidades, ainda por cima vivendo numa sociedade de consumismo e de aparências supérfluas. As desigualdades sociais são muito significativas. Há pessoas que não têm quase nada e há uma minoria que tem muito e faz questão de ostentar os seus luxos. Isto provoca uma certa revolta e sentimento de inveja caracterizada pela falta de oportunidades de muitos conseguirem o mesmo que essa minoria. Assim, muitos correm a meios ilícitos, como a criminalidade violenta, de forma a alimentarem tais luxos.
Em relação à segurança, as falhas são gritantes. Senão, vejamos: não vale a pena formar as forças de segurança em quantidade para inglês ver, mas sim investir na qualidade da formação dos mesmos, assim como garantir uma remuneração adequada a esses operacionais de forma a prevenir possível desvios. Num Estado digno, as forças policiais existem para manter a ordem e segurança das suas populações, norteando-se por uma cultura de respeito mútuo junto da população, assim como por uma proximidade pacifista. As nossas leis criminais são desajustadas à realidade criminal atual, o que provoca um sentimento de impunidade por parte dos prevaricadores e de descrença por parte das vítimas. Muitos são os discursos ouvidos de policiais que manifestam o seu desânimo quando dizem que efetuam muitas diligências em que colocam a sua vida em risco para capturar um criminoso perigo e apresentam o mesmo aos tribunais para, depois, esse criminoso ser solto devido a falhas nas leis. Esta situação provoca um sentimento de impunidade nos marginais e revolta na população, que, muitas vezes, é manifestada contra as forças policiais.
Outra pergunta que fica no ar é a seguinte: que futuro para estes arguidos que ficaram em prisão preventiva? Depois de julgados e caso sejam condenados a penas de prisão efetiva, qual será o futuro dos mesmos? Penso não haver dúvidas que todos perdem. Em primeiro lugar, as famílias, que veem um ente querido jovem privado da liberdade, em segundo, a sociedade, que vê confinados jovens que poderiam estar a contribuir para melhorar a mesma, e, por fim, o Estado, que fica órfão de cidadãos ativos e com futuros hipotecados por causa de delitos graves.
A outra pergunta que fica é a seguinte: que futuro para estes jovens depois dos cumprimentos das penas? Será que a prisão os vai reeducar de forma a serem integrados novamente na sociedade, ou apenas os vai especializar, tornando-os criminosos mais implacáveis e profissionais, com muitos a saírem das cadeias e, depois, a cometerem crimes mais horrendos do que quando os levaram pela primeira vez para a prisão?
O Estado e a Sociedade têm falhado redondamente na reinserção dos ex-reclusos, quer a nível do mercado de trabalho, quer a nível da aceitação social, uma vez que o estigma os persegue mesmo depois de cumprirem as penas.
Sem querer ser mais otimista do que o “Cândido de Voltaire”, penso que a única alternativa é cada estrutura (Família, Estado, Instituições de Ensino e a Sociedade de uma maneira em geral) fazerem o seu trabalho de educar e reeducar os seus membros individualmente. Apesar de acreditar que se trabalhassem em conjunto a resultado seria bem melhor e mais gratificante para todos. Afinal, quando todos remam para o mesmo lado, o caminho é menos doloroso e o resultado mais eficaz.
De qualquer forma, independentemente de todas estas falhas, acredito, como disse Jean-Paul Sartre “não importa o que fizeram de ti mas sim o que fizeste do fizeram de ti”. Resumindo e concluindo: independentemente do meio de onde nós somos oriundos e das influências que tivermos no nosso processo de crescimento pessoal, quer familiar, social ou mesmo estatal, somos nós que determinamos aquilo que queremos ser ou não. A última palavra pertence-nos, este querer ninguém nos pode tirar.
* (Jovem Kareka)
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 808, de 23 de Fevereiro de 2023