Desde a psicologia, a neuropsicologia, fonoaudiologia e outras áreas de saúde de fórum terapêuticas, levantam a necessidade de comparticipação do sistema nacional de previdência social, como forma de garantir o acesso aos cuidados de saúde, a todos. É que, no privado, o INPS ainda não comparticipa o valor das consultas, cujo tratamento, geralmente, é longo e custoso, ao passo que o sistema público não consegue responder eficazmente à demanda existente.
No caso da psicologia, a psicóloga clínica Suzy Chantre considera que, no contexto actual, não há mais motivos para que o INPS não comparticipe no pagamento dos serviços disponibilizados pelo sector de saúde privado. Isto, quando a demanda e os procedimentos necessitados pela população são maiores do que as disponibilizadas na rede pública de saúde.
“A própria definição da saúde, como sendo um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença, por si só, já é motivo suficiente para que a saúde mental esteja contemplada nas parcerias com as entidades privadas para efeitos de comparticipação nos custos dos serviços”, fundamenta.
A título de exemplo, expõe, um paciente que está no processo de reabilitação em fisioterapia devido a um AVC, e pela urgência do caso procura os serviços privados, serviços esses cobertos pelo INPS, pode esperar meses para ser acompanhado por um psicólogo, mesmo quando a condição clínica é um factor preponderante para o surgimento de uma doença mental.
“Sem desmerecer todo o investimento que vem sendo feito no sector da saúde, com colocação de psicólogos em todas as ilhas, a verdade é que ainda o serviço público não consegue dar respostas à demanda da população, daí a necessidade de termos mais um meio de acesso aos cuidados de atenção primária da saúde mental, voltado a pessoas que necessitam desse cuidado e não somente a quem pode pagar”, explica a psicóloga.
Aumento de demanda pós covid-19
Esta urgência na comparticipação dos serviços de psicologia pelo INPS, segundo diz, ficou mais evidente após a crise sanitária, que trouxe também consequências de foro mental e psiquiátrico, disparando os casos de ansiedade, depressão, consumo excessivo de álcool e bornout, entre outros, com necessidades de acompanhamento psicológico desde intervenções breves, até psicoterapias mais complexas, de longo prazo.
Os profissionais desta classe estão, por isso, aproveitando o embalo da criação da Ordem dos Psicólogos, para reforçar o apelo junto do Governo, cuja decisão passa pela alteração da lei nesta matéria.
Segundo explica a presidente da Comissão Instaladora desta Ordem, Denise Oliveira, apesar de não ser uma atribuição directa da organização profissional, existe essa preocupação e os psicólogos tem se posicionado neste sentido, tendo em vista a importância da saúde mental no bem-estar e qualidade de vida da população.
“Até porque, enquanto houver descaso em relação ao tratamento de problemas mentais, enquanto a saúde mental não for vista como outras condições de saúde, vamos ter sérios impactos a nível do desenvolvimento de saciedade”, alerta a psicóloga.
Primeira reunião com a ERIS
A comissão, segundo Denise Oliveira, foi convidada para participar na primeira reunião com a Entidade Reguladora Independente da Saúde (ERIS), que está à frente da regulamentação de uma proposta de lei que fixa os valores de consultas no privado.
A segunda reunião, agendada para o início deste mês, deve dar continuidade à recolha de informações, e servir para reforçar, junto da entidade, o apelo já feito no primeiro encontro, no que toca aos patrocinadores e necessidade de
comparticipação.
De acordo com essa profissional, se antes o estigma sobre a saúde mental era visto como um dos maiores obstáculos para o pedido de ajuda, hoje, a questão da acessibilidade às consultas de psicologia está a ocupar este lugar de preocupação.
“Uma comparticipação as consultas de psicologia vai garantir uma maior acessibilidade, ficando cada vez mais próximos de alcançar um dos objectivos de desenvolvimento sustentável, que é a saúde”, garante, indicando que, em São Vicente, onde opera, o valor da consulta ronda os 2500 escudos, para a primeira sessão, e dois mil escudos para as sessões seguintes, pode esse valor sofrer pequenas alterações de clinica para clinica.
Entretanto, reconhece, o valor varia também entre as ilhas. Em Santiago, por exemplo, o valor ronda os 3 mil escudos.
O tempo de tratamento de cada paciente vai depender de vários factores e da forma como reagir à terapia, informa, mas há casos que se estendem por longos períodos, podendo precisar, também, de tratamento psico-farmacológico, ou seja, um a combinação com consultas de psiquiatria.
Doenças neurológicas: Colmeia faz ecoar revindicações dos pais
Não é de hoje que a Associação de Pais e Amigos de Crianças e Jovens com Necessidades Especiais – Colmeia, tem vindo a bater nesta questão, reivindicando a necessidade de comparticipação do INPS em consultas e tratamentos de foro neurológicos, e não só.
Segundo a presidente, Isabel Moniz, o INPS só comparticipa nas sessões de fisioterapia, ficando outras modalidades à mercê das condições das famílias, que muitas vezes ficam pela metade do tratamento necessário.
São terapias que tem a ver com acompanhamento psicopedagógico, feito por psicólogos e neuropsicólogos não tem cobertura, mas também da área de audiologia, que representam um encargo “muito grande” para as famílias, mas são fundamentais na recuperação dos pacientes.
A terapia, recorda, faz-se com consultas de sequência, que ajudam na reabilitação.
“Uma pessoa com problema de comunicação a nível da voz, por exemplo, pode precisar de 20 sessões de fonoaudiologia, mas só consegue pagar cinco.
Ou mesmo consultas de neuropsicologia, são sessões que devem ser dadas várias vezes, mas é um encargo para as famílias e, também, para pessoas que precisam de outras terapias ou mesmo atendimento a nível de psicologia”, sublinha.
Essa comparticipação, realça, é para ajudar qualquer cidadão que precisa de respostas que não são de fórum curativo, para melhorar a qualidade de vida e saúde.
“A deficiência é uma condição, 87% das pessoas que estão na condição de deficiência, não é uma deficiência de nascença, mas adquirido. Uma pessoa que sofre um AVC, precisa de médico, mas precisa também de reabilitação, então, são revindicações que, ao longo dos anos, temos estado a levar aos poderes públicos e solicitar uma abordagem a nível legal”, refere Isabel Moniz.
Vazio legal
A nível do INPS, reconhece, existe um vazio legal em relação a cobertura destas vertentes da saúde, pelo que o sistema de saúde tem de dar passos neste sentido, para dar respostas também a estas áreas.
“Este ano já ouvimos o ministro de inclusão a falar dos primeiros passos para criar essas respostas e respectivas condições legais.
É o que almejamos, junto das famílias”, reforça, indicando urgência na tomada de posição e acção no que se refere a essas medidas de políticas públicas em Cabo Verde.
A Colmeia trabalha actualmente com uma base de dados de cerca de 600 crianças e jovens, dos quais 562 estão sinalizados e recebem algum tipo de atendimento, entre crianças, jovens e respectivas famílias.
Esta instituição se junta a esse apelo, pensando dar início em iniciativas neste sentido, por forma a sensibilizar os poderes públicos na tomada desta decisão, há muito reivindicada.
ERIS passa a regular preços praticados
Ao que tudo indica, em Março próximo será discutido, no Parlamento, a questão da regulação dos preços praticados pelos operadores privados de saúde.
Em 2022 o Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei (lei n 11 de 2022 de 13 de Abril) que estabelece os preços máximos dos cuidados de saúde praticados pelos estabelecimentos privados, que passam a ser fixados e regulados pela ERIS.
Na altura, a ERIS garantiu que a regulação trará benefícios, tanto para os utentes quanto para os operadores, e também para o sistema de previdência social.
Isto, porque, conforme explicou o presidente da ERIDS, Eduardo Tavares, evitará, por um lado, a especulação enquanto factor de restrição do acesso aos cuidados de saúde, e outro, que o INPS tenha previsibilidade e margem de intervenção com maior equidade e justiça no tratamento dos seus beneficiários.
Essa lei, entretanto, não agradou a Ordem dos Médicos, que chegou a apresentar uma contraproposta, sem que nunca tenha tido uma resposta da parte do Governo, segundo revelou recentemente o bastonário, Danielson Veiga, por altura da comemoração do Dia Nacional do Médico.
Em declarações à imprensa, Danielson Veiga sublinhou que é preciso investir a favor daqueles que trabalham tanto no público quanto no privado, referindo que a Constituição da República determina que o nosso sistema de saúde é baseado nos dois sectores, ou seja, misto.
“Quer dizer que ambos têm de ter as mesmas condições de trabalho para poder fazer uma boa prestação de cuidados de saúde”, sublinhou.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 805, de 02 de Fevereiro de 2023