A detenção de Policarpo Carvalho fora do flagrante delito, por suposto envolvimento num caso de violência baseada no género (VBG), parece configurar a tese de cabala política, que o próprio visado alegou ao demitir-se da RTC. Ulisses Correia e Silva pressionou o Conselho Independente a livrar-se desse gestor, esquecendo-se de que tem um ministro com o estatuto de arguido no seu Governo, Paulo Rocha.
Há dois anos e meio presidente do conselho de administração da Rádio Televisão Caboverdiana (RTC), Policarpo de Carvalho diz-se vítima de uma “armação” dos seus “inimigos” no Governo, a propósito do caso da
alegada VGB praticado contra a esposa, Maria Ester de Carvalho, conforme o noticiado esta semana (ver A06).
“Estou a deixar o cargo de cabeça levantada e da outra parte do processo houve claramente um golpe, muito bem montado, contra a minha pessoa”, disse, visivelmente indignado.
O mesmo deixou no ar, ainda, a existência de casos “muito mais terríveis” no Governo daquele de que é acusado, mostrando-se desagrado perante as declarações do primeiro-ministro, que tinha deixado, na segunda-feira, ao critério do Conselho Independente da RTC a tomar uma posição quanto à sua permanência no cargo.
Para Ulisses Correia e Silva, crimes de VBG “não casam com a presença à frente de uma instituição como a RTC”.
“Se enveredarmos por esta via”, reagiu Policarpo de Carvalho, à tarde, “há casos muito mais graves, há elementos do Governo que estariam demitidos e indiciados por casos muito mais terríveis”, acrescentando que o que lhe está a acontecer “foi uma armação” dos seus “inimigos no Governo”.
PM quer nomes
Na sequência das declarações de Policarpo Carvalho, o PM desafiou, no dia seguinte (terça-feira), o denunciante a apresentar queixas, com a devida identificação dos prevaricadores.
“VBG é um crime público, quem saiba de algo deve fazer a denúncia e a denúncia não pode ser genérica, não há VBG praticado por uma instituição abstrata ou geral como Governo, é praticado por pessoas, portanto, se houver indicação de quem, há o dever até de quem denuncia de indicar nome, e a Justiça, a partir daí, toma conta do processo até porque é um crime público”, disse.
Nessa sua segunda declaração UCS apareceu ladeado da ministra da Justiça, Joana Rosa, e do procurador geral da República, Luís José Landim, que foi acenando com a cabeça às palavras do chefe do Governo.
Policarpo, um incómodo?
Há dois anos e meio no cargo, Policarpo de Carvalho vinha gerindo a RTC em permanente situação de sufoco financeiro, e muitas vezes com a recurso a descoberto bancário para pagar salários.
Nos últimos tempos, andava a pressionar a Electra para esta empresa pública honrar os seus compromissos em relação à taxa audiovisual, que cobra aos utentes, mas não as repassa à RTC, como é de lei, criando com isso graves problemas de gestão a esse órgão público de comunicação social. Uma empresa que para acompanhar
certos titulares de cargos públicos nas viagens ao exterior tem que ir à boleia do visitante por falta de verbas.
A cobrança de Carvalho, às reiteradas promessas do Governo para aliviar financeiramente a RTC, segundo uma fonte bem posicionada, não estava a cair no agrado do sistema MpD.
“Parecia que a RTC e a Electra andavam em guerra, deixando mal o Governo”, resumiu umafonte.
Desentendido
A NAÇÃO sabe, entretanto, que a queixa contra Policarpo Carvalho é antiga e que realmente nada tem a ver com a recente estada do casal na Holanda, daí a estranheza dessa detenção fora do flagrante delito.
Para todos os efeitos, ao contrário de outras situações, o PM mostrou-se rápido a emitir uma opinião sobre o caso de Policarpo, numa altura em que ainda não se sabia, ao certo, o que se estava a passar.
UCS esquece-se que no seu Governo há um ministro (Paulo Rocha), que já foi constituído arguido, por alegado envolvimento na execução de Zezito Denti d’Oru. Portanto, parafraseando Policarpo, “um caso terrível” que também nada abona à imagem do Estado de Cabo Verde, quer interna, quer externamente.
Ademais, ainda a propósito de VBG, o país nunca ouviu de Ulisses Correia e Silva, nem como primeiro-ministro e nem como presidente do MpD, a pedir ou a sugerir, como aconteceu com Policarpo, a cassação do mandato do deputado Damião Medina pelo cometimento desse tipo de crime, uma situação comprovada pelos tribunais.
Um político na RTC
Economista de profissão, Policarpo de Carvalho foi candidato do MpD à Câmara Municipal de Santa Cruz em 2008, que perdeu. A sua escolha para dirigir a RTC, em 2020, mereceu duras críticas do maior partido da oposição, PAICV, por entender que se tratava de uma personalidade que não dava “garantias de imparcialidade no desempenho das suas funções”.
Já a esposa, Maria Ester de Carvalho, integra a direcção da Escola de Hotelaria e Turismo, na cidade da Praia, como administradora não executiva, sendo também vogal executivo no Instituto do Turismo de Cabo Verde. Antes esteve no IEFP e foi assessora especial do Ministro da Economia.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 803, de 19 de Janeiro de 2023