Celestino (Didi) Almeida, 86 anos, conhecida figura da sociedade cabo-verdiana, estava na Praia (Plateau), na altura em que Amílcar Cabral foi assassinado, em Conacry, a 20 de Janeiro de 1973. Anos antes, em 1970, tinha vindo de São Vicente, para ser gerente e técnico da farmácia do Leão. Hoje, volvidos 50 anos, tenta reavivar a memória e recordar como recebeu a notícia do assassinato de Cabral. Daquilo que se pensava ser “um bluff dos portugueses”, a notícia, recorda, caiu depois que “nem bomba”. Contudo, acredita que hoje em dia se está a “recuperar” a memória e o pensamento de Cabral, especialmente entre os mais jovens.
“No tempo colonial, a vida era absolutamente normal. Já estávamos habituados a viver no regime colonial. Não havia criminalidade, havia muita convivência, havia respeito, havia muita coisa boa, antes, no tempo colonial, antes da morte do Amílcar Cabral. Mas havia uma certa restrição da polícia portuguesa, a PIDE não é? Para mim era o único inconveniente que existia nessa altura, era um certo medo de falar, de dizer algumas coisas…”, começa por lembrar Didi Almeida sobre o Cabo Verde de há 50 anos quando Cabral foi assassinado em Conackry a 20 de Janeiro de 1973.
A agricultura, era como recorda, uma actividade “pungente” e meio de subsistência. “Até havia uma grande exportação de produtos para Portugal, como a banana e algumas verduras”.
“Vivia-se e, pronto, havia trabalho, não havia tanta gente, aqui. Quer dizer, as pessoas, cada uma vivia na sua ilha, não havia esta emigração constante que hoje existe, esta concentração de pessoas numa só cidade que é a Praia”, lembra. Porém, admite que se vivia “com alguma dificuldade, é claro”, mas as coisas não eram “caras como agora e vivia-se bem, digamos assim”.
Naquela altura, recorda, havia pobreza em Cabo Verde, como “havia em todo o mundo”, “mas não era tanto como agora”.
“Não era uma coisa acentuada porque o dinheiro valia muito, os produtos eram baratíssimos, mesmo os produtos importados eram baratos, vivia-se bem. Porque tinha-se poder de compra, um poder que se foi desgastando, com a culpa dos anos, depois com a independência e, agora, estamos a viver nesta situação”.
Gerente da Farmácia Leão
Na altura, Didi era gerente e técnico da farmácia do Leão, na Praia, “uma profissão importante”, tendo vindo de São Vicente para o efeito. “Havia poucos médicos na Praia, acho, (se a memória não falha) que havia uns 6 médicos”.
Fazendo fé na sua memória, Didi acredita que estava na farmácia quando ouviu os rumores do assassinato de Cabral.
“A notícia chegou muito muito ténue, muito fragilizado, boatos com pessoas assim às escondidas a perguntar “é verdade”, “não é verdade”? E muitos não acreditavam. Disseram que era um bluff dos portugueses e que a morte não era real, mas muito tempo depois é que se chegou à realidade que ele tinha morrido. Durante muito tempo pensou-se que era um bluff com o intuito de diminuir a potência do PAIGC aqui em Cabo Verde”, recorda.
Confirmação do assassinato caiu que “nem bomba”
Mas, a confirmação do seu assassinato caiu, depois, como uma bomba. “Uma bomba porque havia uma divisão das pessoas. Umas queriam a independência e, outras, nem por isso. Uma boa parte queria, ou pensava em sermos como a Madeira, uma região periférica de Portugal. Muitas pessoas apostavam nessa situação, continuar como ilhas adjacentes, como se dizia na altura. Mas, para outras, foi um pesar mesmo muito grande, a morte de Cabral, porque queriam a independência”, afirma.
Durante muito tempo, recorda, “viveu-se numa incerteza” se o PAIGC “acabaria”, mas até que as coisas, depois, “normalizaram digamos assim”.
“Continuou-se aquela mesma coisa, umas pessoas a quererem a independência outras não, porque não se acreditava realmente na independência. Daí a ideia do Cabral, na altura, como Cabo Verde não tinha possibilidades, ou diziam que era um país inviável, levantou aquela ideia de fazer a unidade Guiné-Cabo Verde, que também desagradou a muita gente, inclusive, àquelas pessoas que pensavam e gostavam mesmo da independência, mas que não gostaram da ideia da união Guiné-Cabo Verde. E, aí, então o PAIGC, que já estava, na altura, implantado em Cabo Verde, reprimia muito e condenava as pessoas que não queriam essa ideia”.
Guiné- Bissau, país “florescente”
Didi, confessa que era uma das pessoas que “não gostavam dessa ideia” da unidade Guiné-Cabo Verde mas, afirma que, “de forma inteligente”, Cabral pensou nisso, exatamente, porque era a sobrevivência de Cabo Verde que estava em jogo.
“Cabo Verde acabava, talvez, atrelado à Guiné Bissau porque a Guiné Bissau tinha condições, na altura. Antes da independência, a Guiné Bissau era um país florescente, era um país que produzia, e até exportava arroz, tinha muita coisa na Guiné Bissau. Daí a ideia de Cabral de, exatamente, levar atrelado Cabo Verde à Guiné Bissau. Mas a maioria das pessoas em Cabo Verde não gostavam da ideia e, por isso, que a ideia, mais tarde, gorou e não se fez esta unidade”, lembra.
País respeitado
Mas, hoje em dia, Didi, não tem dúvidas que a independência foi “uma coisa excelente”.
“A princípio todos temíamos… Internacionalmente falava-se que Cabo Verde era um país inviável, mas o que é certo é que houve uma boa governação, para se chegar no ponto que está, hoje, que é um país já respeitado. Passou de um país inviável, na lusofonia, a um país com um certo crédito”, regozija-se.
Com o passar dos anos, volvidas 5 décadas do assassinato de Cabral, Didi acredita que o sonho de Cabral ainda não está totalmente cumprido, mas defende que está-se a “recuperar” a memória de Cabral, “mesmo na oposição”.
“Os jovens já estudam Cabral, os pensamentos de Cabral… e como Cabral é uma pessoa muito valorizada no estrangeiro, isso tem influência em Cabo Verde. As pessoas respeitam a memória de Cabral e vivem os pensamentos de Cabral. É possível que, no futuro, Cabral venha a ter uma preponderância ideal nesta juventude”, finaliza.