Por: Olímpio Tavares
O objetivo destas linhas é mostrar que a espiritualidade não é exclusiva das religiões, e que a espiritualidade religiosa é nociva na maior parte dos casos. Começarei por abordar a tendência da espiritualidade na atualidade, onde vou aduzir alguns argumentos a seu favor. Prosseguirei com argumentos contra a espiritualidade religiosa na atualidade, onde vou mostrar os danos que provoca na vida das pessoas.
O conceito de espiritualidade sempre foi diversificado ao longo dos séculos. Uns o concebem como o cumprimento de um conjunto de mandamentos divinos, ao qual todo o ser humano está sujeito mesmo antes do seu nascimento. Outros o concebem como um conjunto de técnicas de meditação que todo o ser humano pode desenvolver ao longo da sua vida.
O primeiro conceito está ligado à religião e o segundo não tem uma ligação explícita com a religião. O primeiro concebe um Deus que controla e fiscaliza toda a ação humana, o segundo não concebe um deus, e, deste ponto de vista, não é uma religião.
A tendência atual da espiritualidade está muito centrada na meditação, na ciência psicológica e num conjunto de técnicas de aperfeiçoamento humano, que permite a cada indivíduo desenvolver as suas capacidades cognitivas, emocionais e sociais. O desenvolvimento dessas capacidades vai permitir-lhe conhecer a si mesmo, conhecer os outros e o mundo que o rodeia, de uma forma realista. Muitas pessoas ao redor do mundo, sobretudo nos países mais desenvolvidos, já tomaram a decisão de cortar com a espiritualidade religiosa, porque esta não contribui, de forma clara, para se tornarem um ser humano melhor.
Esta tendência atual da espiritualidade podemos chamá-la de espiritualidade humanista. Esta designação deve-se ao facto de basear os seus princípios única e exclusivamente no ser humano. E não num suposto ser superior que fiscaliza e condiciona os nossos atos. A espiritualidade humanista devolve ao ser humano aquilo que é dele naturalmente. Aquilo que o faz realizado de dentro para fora. Ou seja, o fundamento desta espiritualidade é o autoconhecimento. Que é um processo que começa com o nascimento e termina com a morte. A morte, que é o fim da existência, deve ser encarada com naturalidade. Voltamos ao estado em que nos encontrávamos antes do nascimento, a não existência. Aqui as palavras de Epicuro parecem fazer sentido: quando estamos vivos, a morte não está presente; e quando a morte está presente, não estamos vivos. Na prática, não nos encontramos com a morte. Neste sentido, não adianta preocuparmos com a morte, uma vez que se trata de um processo natural. Esta é a realidade que custa aceitar, mas felizmente ou infelizmente é assim, nada a fazer.
A espiritualidade religiosa não contribui para o desenvolvimento do ser humano, para além de ser cruel com as pessoas desde de a tenra idade. Cria um suposto ser, Deus, e, a partir disso escraviza a mente das pessoas até aos fins dos seus dias. A espiritualidade dessas pessoas é baseada no medo de um suposto julgamento após à morte. E os crentes vivem com base nesse pressuposto, controlado pelos dirigentes do culto, que são legítimos representantes de Deus neste planeta.
A vida dos crentes na espiritualidade religiosa é seguir um conjunto de preceitos e rituais, que na maior parte não compreendem. Só seguem esses rituais por tradição cultural ou familiar que lhes foram inculcados desde a tenra idade.
Chegados à idade da razão, idade onde se questiona a maior parte das nossas crenças, os crentes sentem medo de analisar criticamente o modelo da espiritualidade a que estão sujeitos desde a infância, e resignam-se como ovelhas que aceitam tudo o que o pastor lhes diz.
A verdadeira espiritualidade é aquela que faz do homem como centro e fim em si mesmo, um verdadeiro humanismo. Toda a espiritualidade baseada em pressupostos transcendentes ou estranhos à natureza do homem é uma farsa que mais não faz do que enganar as pessoas, fazê-las sentir culpadas perante uma entidade estranha, e condená-las a uma existência frustrada neste mundo. Felizmente, muita gente está a sair dessa teia que envenena a existência, para procurar soluções na sua própria pessoa, com ajuda inicial das pessoas mais experientes, de forma a ter uma espiritualidade fundamentada no autoconhecimento.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 801, de 05 de Janeiro de 2022