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Economia

Cabo-verdianos vão continuar a pagar a “factura” da inflação com o poder de compra a diminuir – Agnelo Sanches

Virou o ano e renovaram-se as esperanças na melhoria das condições de vida da população. Contudo, em termos práticos, a situação mantém-se difícil, senão “sombria”, para 2023, como perspectiva o economista José Agnelo Sanches. Este alerta para os impactos do aumento do custo de vida, dos factores de produção com reflexos directos no poder de compra da maioria da população, sem reajustes salariais à altura das necessidades.

As famílias e os empresários, que têm sentido nos bolsos o aumento da inflação, vão voltar a pagar o peso do défice da dívida pública neste ano de 2023 que agora começa. O prolongar da guerra na Ucrânia é, de longe, o factor que neste momento mais preocupa os analistas. E nisso Cabo Verde não foge à regra, como se depreende da leitura de José Agnelo Sanches, diante do desafio para nos ajudar a perspectivar este 2023.

“As perspetivas económicas mundiais para o corrente ano são sombrias com previsões de contração em pelo menos um terço da economia mundial e, para Cabo Verde, as previsões para os principais parceiros, como Portugal (crescimento de 0,7% face a uma inflação esperada de 4,7%), Espanha e mais da metade da União Europeia, deixa antever um crescimento muito abaixa do de 2022, de cerca de 4,5%, face a uma inflação esperada de 4 %”, começa por dizer o entrevistado do A NAÇÃO.

Dívida acima dos 140%

Como antevê, em termos macroeconómicos, destacam-se as perspectivas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,5%, com uma inflação acima dos 4%, um stock da dívida pú- blica acima dos 140% do PIB e o rácio de serviço de dívida sobre receitas de exportação, pela primeira vez, garante “poderá vir estra na proximidade dos 18/20%”. “Espera-se um défice da conta corrente da ordem dos 8,6% e um deficit orçamental de 5,6%”, acrescenta o economista.

Perante o cenário em cima descrito, Sanches alerta para um quadro macroeconómico que “não respeita os nossos compromissos em matéria convergência macroeconómica no quadro paridade da moeda nacional face ao EURO”.

No que à microeconomia diz respeito, este analista adverte que a situação macroeconómica acima descrita condicionará “grandemente” os agentes económicos, no que tange, particularmente, ao acesso a financiamento e aos custos dos factores de produção “em alta”.

Isto, sem contar com o custo de vida a aumentar, como esclarece, “sem nenhuma perspetiva de reajustes salariais, para alem dos já anunciados reajustes para os salários até o limite dos 69 contos”. Isto, alerta, “afecta negativamente o ambiente de negócios no país”.

Custo de vida aumentar

Neste contexto, naturalmente, os cabo-verdianos vão continuar a ver o custo de vida aumentar e a inflação a subir.

“Sim, é um facto com a subida generalizada de preços dos produtos de primeira necessidade, sem que tivesse havido a reposição do poder compra”.

Com a inflação atingir todas as camadas sociais da sociedade Agnelo Sanches dá a entender que a crise também está a chegar aos que têm mais posses, ainda que com impactos diferentes em relação aos que pouco ou nada têm. “Acho que se está também a empobrecer os ricos, mais os pobres estarão a ser prejudicados em maior escala”.

Equilíbrios sociais devem ser privilegiados

Instado se o Orçamento de Estado 2023 (OE) já promulgado, serve, na sua óptica, as necessidades do país, o mesmo acredita que sim, ainda que com algumas advertências.

“Sim, é Orçamento Geral do Estado do país que enquadra as perspectivas de receitas e propõe realização de despesas, na óptica da situação. A alocação de recursos orçamentais dificilmente será objeto de consenso em situações de maioria absoluta, mas deve-se, contudo, privilegiar o princípio de bom senso e de respeito pelas necessidades de investimento em equilíbrios sociais e promoção do desenvolvimento humano. E poderemos estar a ter défices nesses quesitos”, acautela.

Afastamento dos compromissos sociais

Aliás, falando em equilíbrios sociais, no que toca ainda ao OE 2023, quando promulgou o documento, o pró- prio Presidente da República alertou para a “conjuntura de elevada incerteza” e “um quadro económico em mudança e de contornos imprevisíveis”, que vai impactar os mais vulneráveis.

Tendo em conta as palavras do PR, interpelado se fosse ministro da Economia, que  medidas tomaria em 2023, Agnelo Sanches, diz haver sinais de algum “afastamento” dos compromissos sociais por parte do Governo.

“No essencial, as ressalvas de Sua Excelência o Presidente da República são evidências de um forte alinhamento com o sentimento e aspirações do povo do mais Alto Magistrado da Nação, e dá sinais da necessidade de alguma correção à navegação do Governo, que antecipa sinais de algum afastamento dos compromissos sociais e de algum défice de alinhamento com as perspetivas da realização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, nomeadamente o de não deixar ninguém para trás”.

Aprofundar diálogo político com “humildade”

E, nesse contexto, o nosso interlocutor acrescenta que, o “mais aconselhável” para o Governo seria “o aprofundamento do diálogo político, com humildade, o desenvolvimento de políticas de redução de despesas públicas e de maior controlo do endividamento público, particularmente o interno”.

Ao mesmo tempo que procuraria arrecadar “mais receitas e reforçar a capacidade de mobilização de recursos externos em condições concessionais”, nomeadamente através de mecanismos de financiamento climático pela via de programas de transição energética e ecológica.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 801, de 05 de Janeiro de 2023

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