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Averiguação à Câmara Municipal de São Vicente (CMSV)! E agora? Que fazer? (IV)

Por: Valdemiro Tolentino

1. A Responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal de São Vicente (CMSV)

À laia de conclusão da abordagem que vimos fazendo sobre a denominada averiguação à CMSV, desta feita, examinemos os actos do Presidente da CMSV susceptíveis de serem enquadrados na Lei nº 85/VI/2005 de 26 de Dezembro CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS.

No CAPÍTULO II Dos crimes em especial:

Artigo 13º (Abuso de poder) 1. “O titular de cargo político que violar os deveres inerentes às suas funções com a intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo a outrem”.

Ora, o abuso de poder tem sido uma característica da actuação do Presidente da Câmara Municipal, a começar na sua relação com a Câmara, tendo esta sido vítima dum autêntico bullyng, isto para não falar dos muitos cidadãos que são privados do exercício dos seus legítimos direitos que o quadro legal só garante de nome.

O Artigo 16º (Omissão ou retardamento de publicação de actos legislativos, resoluções ou regulamentos) estabelece que “O titular de cargo politico que, ilegitimamente, omitir ou retardar, dolosamente, a publicação de actos legislativos, resoluções ou regulamentos emanados de órgão de Poder Político é condenado ….”.,

O exemplo paradigmático desta situação é a retenção deliberada da publicação no BO do Regimento da Câmara Municipal, aprovada em sessão de 12 de Agosto de 2021 e publicada só a 22 de Abril de 2022, ou seja, oito meses depois, em flagrante contraste de empenho com a sessão de 02 de Janeiro de 2022 (a famosa sessão de Domingo) que que viu a sua publicação no BO de 15 de Março, somente dois meses e quinze dias depois.

Mais estabelece o Artigo 18º (Efeito das penas aplicáveis a outros titulares de cargos políticos de base electiva) que “Implica a perda do respectivo  mandato a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das funções de: c) Membro ou titular de órgão electivo de autarquia local”.

A lei estabelece a perda de mandato em consequência de condenação definitiva, ou seja, impõe  o recurso aos tribunais conforme Artigo 25º (Normas especiais de processo aplicáveis a membro ou titular de órgão de autarquia local) “Pelos crimes de responsabilidade praticados no exercício das suas funções, o membro ou titular de órgão de autarquia local responde perante o Supremo Tribunal de Justiça”.

Mas o Estatuto dos Municípios estabelece no seu Artigo 59º (Perda do mandato) que “Perdem o mandato os titulares de órgãos municipais que: c) Incorram por acção ou omissão em ilegalidade grave ou numa continuada prática de actos ilícitos, verificados em inspecção, inquérito ou sindicância, ou expressamente reconhecidas por sentença judicial definitiva”. E esta é, a nosso ver, a possível chave para desfazer este imbróglio .

Pretendemos com esta “viagem” pelo normativo  demonstrar que leis existem . O problema é a sua formulação e sua aplicação, que, de tão complicada, acaba por conduzir, na prática, à sua quase inutilidade.

Desde a independência houve um só processo de perda de mandato contra um Presidente de Câmara, o da Câmara do Maio, e a decisão judicial foi-lhe favorável.

2.  Que fazer?

Chegados a este ponto, fica a questão do que se pode fazer face à realidade actual de sequestro da Câmara Municipal de São Vicente pelo seu Presidente.

Corre neste momento um processo de perda de mandato movido pelos vereadores eleitos da UCID e do PAICV e que constituem a maioria (cinco) dos nove vereadores que compõem a CMSV.

A tentação normal é esperar a resolução deste processo. Pelos fundamentos substanciais existentes, é expectável a condenação e consequente perda de mandato do actual Presidente da CMSV, mas nada garante que a sua absolvição possa ser o desenlace.

E nesse caso que esperar de Augusto Neves, num cenário em que a máxima de que “o crime compensa” bem se ajustaria?

Ele sentir-se-ia, naturalmente, reconfortado nesta sua actuação à frente da CMSV e tentado a persistir nesse seu descaminho.

Devemos ter em conta que a sua absolvição, pode resultar, não por não ser faltoso e incumpridor, mas do entendimento do juiz sobre a formulação do pedido e dos seus fundamentos.

Assim, só temos que esperar que a Tutela assuma de facto o seu papel.

O seu primeiro acto foi uma actuação desastrosa e em que se pode interrogar das suas reais intenções (um fingir que vai …e não vai?)  e que se traduziu, não em assumir a realização dum inquérito, mas sim, duma averiguação, como forma de fugir à responsabilidade.

Mas eis que, reagindo à desconsideração de Augusto Neves em não dar seguimento à sua recomendação de convocar uma reunião extraordinária da CMSV para anular deliberações, e vendo-se obrigada a recorrer ao Ministério Público, já comunicou ao Sr. Presidente da CMSV a sua decisão de “apurar a situação actual da CMSV no que se refere a realização de reuniões ordinárias, o Serviço de Inspecção e Auditoria Autárquica vai propor a abertura de uma inspecção ao funcionamento das reuniões deste órgão municipal“.

Ainda que se possa entender tal como mais um expediente para adiar a questão essencial do papel do Presidente no bloqueio do funcionamento do órgão Câmara Municipal, a proposta de inspecção representa mais uma etapa no processo de responsabilização. Ou seja, continua a Tutela a ter os meios para intervir faltando somente a vontade politica de efectivá-los. Entretanto vai passando o tempo e lá continua o Augusto Neves a fazer das suas.

Caso para dizer, aguardemos os próximos capítulos.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 784, de 08 de Setembro de 2022

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