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A Paz Universal

Por: Adriano Miranda Lima

Por ocasião da quadra natalícia, sabe bem revisitar utopias, e no momento a mais sedutora reside na ânsia pela paz universal. Não resolve o problema da guerra em si nem atenua os nossos temores, mas, ao menos, por alguns dias, ecoa auspiciosamente nos labirintos da alma.

A utopia, que significa anseio e premonição do futuro, é uma criação da mente humana, tal como a guerra é uma sua invenção; e se ambas são produtos com a mesma origem, convivendo na intimidade do mesmo espaço, resta almejar que a primeira triunfe sobre a outra, expulsando- a, para que o fim das guerras se concretize como a aspiração mais profunda e mais sentida da humanidade.

Só que a guerra é tão velha como o Homo sapiens. A racionalidade com que este foi dotado, em vez de o tornar, apenas, um ser pacífico e em comunhão perfeita e feliz com a natureza, fez dele, ao mesmo tempo, um ser tendencialmente conflituoso e agressivo.

Explica-o bem Edgar Morin com a afirmação de que o Homo sapiens, a par da sua capacidade de inteligência, contém na sua natureza uma componente incontrolável de loucura e selvajaria que designa como Demens.

Assim, na visão daquele sábio francês, o Homo sapiens é simultaneamente um Homo demens, donde se conclui que a racionalidade será em si mesma responsável por uma mistura estranha, complexa e enigmática que se operou na evolução do animal original.

No entanto, do mesmo modo que o homem possui uma pulsão agressiva que o leva a querer aniquilar ou dominar o seu semelhante, a inteligência reflexiva, por outro lado, permite-lhe o controlo sobre as emoções, os afectos e os sentimentos, possibilitando-lhe a aspiração de uma convivência pacífica com os da sua espécie.

E os impulsos da sua natureza são tão fortes e impositivos que a cultura e o progresso civilizacional não parecem exercer influência determinante na fenomenologia do comportamento humano, como facilmente ilustram os constantes exemplos de desvario irracional que ocorrem nos nossos dias, no plano individual ou no das comunidades humanas.

De momento, o exemplo mais flagrante e assustador desse desvario, que nos faz agarrar à utopia da paz com uma força desmedida e mais revigorada na era em que vivemos, é a guerra injusta e ilegítima que a Rússia resolveu infligir à Ucrânia.

Com os desenvolvimentos crescentes que o conflito vem conhecendo e com a incerteza sobre os caminhos obscuros que o Kremlin vai percorrer na sua política restauradora do imperialismo e irredentismo russo, sobram razões para temer o pior. Em recente artigo publicado na revista The Atlantic, o historiador Yuval Noah Harari escreveu que “Vladimir Putin está a empurrar a humanidade para uma era de guerra que pode ser pior do que qualquer coisa que já vimos antes. Poderá ameaçar a própria sobrevivência da nossa espécie”.

Mas, na quadra natalícia, recuso centrar-me no problema da guerra, alimentando-lhe o ego demencial.

Prefiro ir ao encontro do espaço onírico que os poetas frequentam, à procura de vias balizadoras da utopia de uma paz universal. Para isso, nada como juntar-se aos pássaros no seu longínquo voo espacial.

Asas invisíveis impelem em seu encalço, em busca da íntima unidade entre o espírito e a natureza, entre o real e o imaginário. Ali chegando, extinguem-se as referências físicas que nos lembram a simples condição mortal, porque se descobre o sortilégio que liberta a alma dos seus medos e pesadelos, purificando-a.

Afinal, o segredo para a expulsão do Demens pode estar no reencontro com a voz sublime da natureza.

É com este pensamento que aqui deixo ao jornal A Nação e aos seus leitores os votos de umas Boas Festas, o que só é possível sob os auspícios de uma Paz Universal.

Tomar, 18 de Dezembro de 2022

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