A Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), em São Vicente, quer empoderar meninas e mulheres estudantes com electricidade em casa. O projecto “Luz Para as Meninas” pretende equipar 50 casas de lata, com painéis solares para auxiliar no processo educativo e evitar o insucesso escolar. Em entrevista ao A NAÇÃO, a responsável da OMCV em São Vicente, Fátima Balbina, explica os meandros do projecto que tem como parceira a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Como surge o projeto “Luz Para as Meninas”?
A OMCV, no âmbito das actividades e do programa que desenvolve, está sempre preocupada com o bem-estar de jovens meninas e mulheres e das famílias no geral. Em conversa com um colaborador nosso notamos que durante a pandemia muitas pessoas não podiam sair de casa e as que não tinham luz em casa não conseguiam estudar. Apesar de terem oferecido computadores, televisores e tablet’s, mas tinha um senão: não tinham electricidade em casa e estavam impedidas de sair. Neste sentido notamos uma grande fragilidade que se incrementou nesta época.
Isto tudo afectou e tem afectado a educação de jovens meninas/mulheres?
Apesar de ser um problema que afecta muitas famílias em situação de pobreza, as meninas foram as mais afectadas e é por isso que o projecto contempla as casas de lata que tenham uma menina que estuda. Queremos que seja um projecto que traga luz de esperança em melhores condições de estudo.
50 meninas com painéis solares
De que forma vai funcionar o projeto?
O objectivo é numa primeira fase contemplar 50 meninas com pequenos painéis solares e que permitam ter em casa uma lâmpada e uma entrada USB para carregar aparelhos electrónicos. Se o impacto do projeto for grande pretendemos lançar uma segunda fase e contemplar mais meninas e famílias. Queremos que outras instituições como a Eletctra, por exemplo, entrem como parceiro no projeto.
Já começou a ser implementado?
Estamos ainda no processo de selecção das meninas. Tivemos um grande número de inscrições e continuamos no processo de selecção/triagem. O projecto já foi financiado há já três meses e estamos à espera dos fornecedores para arrancar com a efectiva implementação. Temos de analisar as questões de segurança nas casas e instalar os painéis da melhor forma. Agora em Outubro prevemos iniciar a instalar os equipamentos.
Qual é o custo da iniciativa?
Em termos de equipamentos custou mais de mil contos, mas ainda temos a fase de formação e instalação que vai ter outro custo. Prevê-se que seja à volta de mil e 600 contos. Temos um parceiro que é a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias que também tem financiado o projeto.
Meninas empoderadas
Quais são os resultados que a OMCV espera conseguir com este projecto?
Queremos como resultado meninas empoderadas, com perspectivas de estudo e com melhores condições de vida e melhoria das condições de vida da família onde esta menina estiver inserida. Esperamos que as meninas selecionadas tenham bons resultados escolares para analisar se a melhoria nas condições de estudo ajudou a melhorar os resultados. Queremos continuar a seguir essas meninas, independentemente do projeto, e apoia-las em outros aspetos com formações, criação de autoemprego…
Qual é o diagnóstico que a OMCV faz da habitação em São Vicente e de que maneira este déficit habitacional tem afetado o sucesso escolar?
Das visitas que temos feito às comunidades sentimos que falta muita dignidade nas habitações, com famílias sem condições e sem autoestima e tudo isto afecta o rendimento escolar e incentiva o abandono. Temos feito intervenções junto dessas famílias, mas há algumas casas clandestinas em que não podemos actuar, no que toca ao melhoramento da habitação. Em São Vicente podemos dizer, sem margem de dúvidas, que há famílias a viver numa situação precária, altamente precária. Cabo Verde precisa de uma intervenção maior junto da população que vive na pobreza extrema.
Famílias na clandestinidade
Há muitas casas de lata clandestinas na ilha?
Há muitas casas clandestinas, mas não é um motivo para não se fazer nada nestas famílias. A intervenção sempre acaba por acontecer, independentemente de ser uma casa legalizada ou não. Somos contra construções clandestinas e nem incentivamos essas construções, mas no que for possível ajudar, a OMCV sempre estará disponível.
Provavelmente vocês incentivam as famílias a adquirirem um terreno legal junto da Câmara Municipal.
Todas as famílias têm direito a um terreno, mas muitas vezes passam muito tempo a aguardar resposta por um pedido de terreno e acabam por construir casas clandestinas. Sem interferir no trabalho da Câmara, acreditamos que a autarquia poderia analisar a hipótese de legalizar esses terrenos, já que essas casas já estão numeradas. Se legalizarem esses terrenos e fornecerem um pequeno projeto já seria um primeiro passo para ajudar muitas famílias, através de incentivos.
Políticas assertivas
Está a falar de uma política mais assertiva da Câmara?
Vê-se que as Câmaras Municipais não têm se preocupado em demasia com a franja mais pobre. Vejo que a pobreza aumentou, juntamente com as casas de lata e a dignidade das pessoas diminuiu. Se estamos a falar em desenvolvimento, porquê temos mais pobreza?
Cada vez mais tem surgido ONGs que tem apoiado famílias, nomeadamente na habitação. Qual tem sido o papel destas associações no combate à pobreza?
As ONGs são parceiras do desenvolvimento local e tem uma palavra a dizer para ajudar na eliminação da pobreza extrema no país. É de enaltecer o papel das ONGs e o trabalho que todas tem feito para melhorar as condições de vida dos cabo-verdianos nos diversos níveis.
OMCV ajuda a seleccionar 100 trabalhadores para Portugal e Espanha
A Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), em São Vicente, está em processo de selecção de cem trabalhadores para a construção civil e turismo em Espanha e Portugal.
Essa tarefa surge devido a pedidos de agências de recrutamento para identificar e seleccionar uma centena de trabalhadores. Um fenómeno que, de repente, parece ter tomado conta do país. Ainda esta semana, na Praia, centenas de condutores de auto se apresentaram para irem trabalhar em Portugal. Houve inclusive candidatos vindos de outras ilhas.
No caso da “missão” assumida pela OMCV, a maioria (75) dos seleccionados deverá ser encaminhada para Espanha, para a construção civil, enquanto que os 25 deverão seguir para Portugal, para o sector turístico e restauração.
“Quando nos contactaram tivemos a curiosidade de pesquisar sobre as empresas para onde disseram que os trabalhadores poderão ser encaminhados, saber do histórico, falamos com proprietários e até com funcionários cabo-verdianos. As condições de trabalho estão a ser colocadas num contrato, elaborado pela nossa jurista, que deverá ser assinado ainda em Cabo Verde”, disse Fátima Balbina.
Diante deste novo desafio, a OMCV criou, entretanto, uma estrutura para realizar este processo, no quadro da sua luta contra o desemprego, pobreza e empoderamento das pessoas.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 788, de 06 de Outubro de 2022