A Pró-Garante teve um lucro líquido de cerca de 35 mil contos em 2021. Contudo, o rendimento do capital dessa sociedade é praticamente absorvido pelos gastos gerais administrativos. Só no ano passado foram pagos mais de 25 mil contos em remuneração dos seus órgãos sociais e cerca de 850 mil escudos em honorários.
Com sete meses de atraso, e depois de muita insistência do A NAÇÃO, a Pró-Garante acabou por disponibilizar o seu relatório e contas referente ao exercício de 2021, que estava pronto desde finais de Março.
Da consulta feita ao documento, do lado positivo, constata-se que, com o apoio e no âmbito de um projecto do Banco Mundial, foi montado, em termos profissionais, um esquema de garantia parcial de crédito.
Porém, esse esquema, dotado de um capital de cerca de um milhão de contos provenientes de um empréstimo do Banco Mundial ao Estado de Cabo Verde, vem enjeitando fazer aquilo para que foi essencialmente criado: partilhar no seu balanço o risco do financiamento, sobretudo a pequenas e médias empresas.
Estado assume 90% do risco das operações
Na verdade, quase todo o risco das operações (90%) continua com o Estado, que o mantém como responsabilidade contingente resultante das garantias e avales concedidos.
Por outro lado, o rendimento do capital da Pró-Garante é praticamente absorvido pelos gastos gerais administrativos. Ademais, essa sociedade, sem praticamente assumir risco nenhum, cobra comissões aos beneficiários das garantias, podendo por essa via, registar resultados positivos.
Conforme um economista contactado pelo A NAÇÃO, se a Pró-garante tivesse de constituir provisões de acordo com o risco das operações garantidas, “estaria em causa a sustentabilidade do negócio”.
“A actual arquitetura, embora implementada num contexto extraordinário de crise, não é transparente nem sustentável. Com efeito, a responsabilidade assumida pelo Estado é mantida “off balance sheet” (fora do balanço), não tendo o Estado constituído um Fundo de Contra-Garantia para suportar os custos previsíveis”, salienta.
O nosso interlocutor considera ainda que, dada a “provável elevada sinistralidade” dos créditos garantidos, a materialização dessa responsabilidade contingente “pode vir a causar sérias perturbações na gestão orçamental, já que o financiamento interno do défice orçamental é limitado por lei”.
Incertezas e sistema de controlo interno
A NAÇÃO constatou, igualmente, que tanto a auditoria externa como o Fiscal Único emitiram opiniões favoráveis às Contas.
“Em nossa opinião, as demonstrações financeiras anexas apresentam de forma apropriada, em todos os aspetos materiais, a posição financeira da Pró-garante em 31 de dezembro de 2021, e o seu desempenho financeiro e fluxos de caixa relativos ao exercício findo naquela data, de acordo com as Normas Internacionais de Relato Financeiro e em conformidade com o Aviso nº 2/2007 do Banco de Cabo Verde”.
A auditoria realizada pela AUDITEC realça, no entanto, que 2022 será ainda um ano de “incertezas”, especialmente porque “será o ano onde conseguirão observar o comportamento real dos créditos garantidos, quando finalizar as moratórias dadas pelos bancos devido à COVID-19, e também pela Guerra de Ucrânia que está a gerar os primeiros sintomas de uma estagflação no mundo e coerentemente de maneira específica em Cabo Verde”.
Os auditores avaliaram junto da Pró-Garante os eventuais efeitos dessas incertezas nessa sociedade, tendo concluído que, “embora não seja possível quantificar os efeitos dessas incertezas na posição financeira, no desempenho financeiro e nos fluxos de caixa futuros, a continuidade de exploração da Pró-Garante não se encontra em causa”.
Porém, o Fiscal Único apenas recomendou o seguinte: “implementação do sistema de controlo interno de acordo com o disposto no aviso nº4/2017; nomeação do Conselho Consultivo conforme disposto no artigo nº 8 dos estatutos da Pró-Garante”.
Impacto na economia
Os resultados positivos alcançados pela Pró-garante em 2021, conforme o relatório e contas dessa Sociedade de Garantia Parcial de Crédito S.A, derivam sobretudo do facto de ter atingido “plenamente” todos os seus objectivos, “ultrapassando todas as metas estabelecidas no plano de negócios”.
O relatório realça também o facto de a Pró-garante ter registado lucros pelo terceiro ano consecutivo, o que significa que durante as fases de concepção, implementação e arranque das actividades “não provocou quaisquer custos para o Estado.
Segundo a mesma fonte, os resultados também evidenciaram o impacto da actividade da Pró-Garante para a economia do país.
“Com efeito, quando se observam os indicadores de desempenho, montante dos créditos garantidos sobre o PIB, e número de empresas garantidas sobre total de empresas, indicadores utilizados na indústria das garantias, é possível assinalar que são equiparados aos melhores sistemas de garantia do mundo”.
De acordo com o relatório e contas da Pró-Garante, no âmbito das linhas covid-19, em 2021 esta sociedade prestou garantias a 820 microempresas, correspondente a 45 por cento (%) do total das empresas garantidas. Garantias estas prestadas no âmbito do Programa de Desenvolvimento de Microempresas (FME), que “constituíram um valioso instrumento de acesso ao crédito para essas empresas, numa fase particularmente sensível da economia nacional”.
Relativamente ao acesso ao crédito, a Pró-Garante destaca o facto de aproximadamente 70% das microempresas atendidas pelo programa FME terem abertos contas no banco, pela primeira vez, o que demonstra “um bom incremento adicional para o programa”.
Segundo o relatório e contas a actividade da Pró-garante, em 2021, revelou-se “satisfatória” por ter conseguido mobilizar 2.5 milhões de contos em créditos para empresas, o que lhe permitiu atingir uma carteira, ou saldo vivo de cerca de 3 milões de contos e aproximadamente 5.500 milhões em créditos mobilizados de Junho de 2020 atá o final do ano de 2021.
De acordo com a mesma fonte, o custo por riscos afeta apenas uma pequena parte do seu capital, por ter conseguido estruturar a maior parte da carteira, 87,7%, com contragarantias do Estado e com o fundo líquido das Nações Unidas. Ou seja, o risco soberano, em relação à “perda esperada” é “muito baixa”, porquanto as recuperações são consideradas “muito elevadas”.
Desafios e projeções
A participação no programa de retoma proposto pelo Ministério das Finanças, assim como a implementação do modelo individual para atender às médias e grandes empresas, constituem desafios da Pró-Garante.
Um outro desafio dessa sociedade é a elaboração de um novo plano estratégico, aquando da finalização do actual projeto de criação da Pró-garante, com financiamento do Banco Mundial, que terá o seu término em Janeiro de 2023.
Um outro repto está relacionado com a estruturação de um sistema de transferência de riscos, “diferente do actual”, de contragarantias do Estado, “para manter ao crescimento das colocações com um elevado grau de solvência”.
Em relação às projecções, a Pró-Garante considera que 2022 continuará a ser um ano de incertezas para essa Sociedade de Garantia Parcial de Crédito face ao “imprevisível” comportamento dos créditos garantidos após a finalização das moratórias e os efeitos da guerra na Ucrânia, que “começam a gerar os primeiros indícios com o aumento generalizado dos preços no mundo e, concretamente, de forma específica em Cabo Verde”.
Remunerações e honorários
Os membros do Conselho de Administração e os membros da Mesa da Assembleia da Pró-Garante auferiram em remunerações, ao longo de 2021, a quantia de 25.413.845 CVE.
A Mesa da Assembleia Geral é presidida por Patrick Barreto Lopes, tendo Júlio Fortes como secretário. O Fiscal Único é Abílio Rogério Rocha, tendo como suplente Bruno Lopes.
O Conselho de Administração é composto por Pedro Barros (presidente), Andrés Espinosa (administrador executivo), Antónia Cardoso (administradora não executiva) e Lígia Pinto (administradora suplente).
O auditor externo da Pró-Garante recebeu, em honorários em 2021, a quantia de 843 mil escudos, pela auditoria realizada às contas do ano 2020 da sociedade.
Em relação aos resultados obtidos, lucro líquido de 34.662.593 escudos, o Conselho de Administração propôs à Assembleia Geral que o mesmo fosse adicionado à reserva legal, “conforme o estabelecido na lei e capitalizar todo o lucro restante”.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 786, de 22 de Setembro de 2022