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Sociedade

18 anos da CNDHC: Direitos Humanos continuam frágeis

Assinala-se este domingo, 25, o Dia Nacional dos Direitos Humanos. Também, no próximo dia 11 de Outubro, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania de Cabo Verde (CNDHC) completa 18 anos de vida. Quando se fala na extinção dessa comissão, Zaida Freitas, sua presidente, defende que esse organismo continua necessário, dado o nível precário em que ainda se encontram os direitos sociais e económicos de uma franja significativa da sociedade cabo-verdiana.

Em entrevista ao A NAÇÃO, a presidente da CNDHC, Zaida Freitas, avançou que a data de Domingo, 25 de Setembro, dia em que também se assinalam os 30 anos da Constituição da República, suscita um apelo à cooperação e solidariedade nacional de modo a enfrentar as desigualdades e injustiças sociais.

Grande desafios: morosidade da justiça e insegurança pública

“Diria que os ganhos em relação aos direitos civis e políticos estão num nível satisfatório, mas precisam ainda de ser melhor consolidados. Sobretudo em questões que têm a ver com a morosidade da justiça, a perceção da impunidade e a insegurança pública constituem grandes desafios. Mas também quando se refere à liberdade de expressão que é um pilar fundamental da democracia em que temos de estar permanentemente a monitorar”, diz.

Com a crise, primeiro da covid-19 e depois da guerra na Ucrânia, sem falar dos anos de seca, a nossa entrevistada entende que os menos favorecidos da sociedade cabo-verdiana viram a sua situação degradar-se, ainda mais.

“A situação actual colocou em causa alguns direitos fundamentais, devido a situações que têm a ver com a pobreza, o desemprego,  a habitação condigna, acesso à água potável, electricidade, segurança alimentar, saúde”, apontou.

Diante de um tal cenário, a presidente da CNDHC alerta que “alguns grupos sociais precisam ser melhor cuidados”, nomeadamente crianças, pessoas com deficiência e doença mental, idosos, mulheres, LGBTI, migrantes, trabalhadores informais, entre outras da camada mais desfavorecida que tendem a ser deixados para trás.

Prisões: “Há falta de colaboração institucional”

Entretanto, tendo em conta que recorrentemente a situação das prisões é criticada no país, com alertas de entidades internacionais, a presidente da CNDHC confirma que este é um domínio com “muitos problemas”. Nomeadamente, sobrelotação, sanidade, qualidade da água para o consumo, reinserção social, abuso de autoridade, entre outros.

 A nossa entrevistada diz também que a CNDHC tem alertado o Governo sobre esses problemas, através dos relatórios e recomendações, mas que, infelizmente, “tem havido pouca colaboração institucional, o que faz com que o nível da implementação das recomendações seja insatisfatório”.

Nisto, lamenta, de todo, a “falta de diálogo institucional”, algo que, do seu ponto de vista, é “generalizado”, e que “interfere directamente na vida das pessoas e quando nós falamos em direitos humanos, é preciso lembrar que eles estão interrelacionados e que são interdependentes”.

“É preciso que o Estado tenha instituições fortes, em termos de promoção e proteção dos Direitos Humanos e que todos se engajem e colaborem mais com os organismos internacionais e regionais de direitos humanos”, acrescentou.

Projectos futuros

Numa altura em que se fala no fim da CNDHC, com a transferência das suas competências para a Provedoria da Justiça, Zaida Freitas diz ter em agenda a implementação efectiva de uma abordagem baseada nos Direitos Humanos, a nível das instituições. Isso passa, entre outras, por garantir o “pleno funcionamento” do Observatório de Direitos Humanos.

O Dia Nacional dos Direitos Humanos foi instituído pelo Governo em 2018, por proposta da CNDHC, para promover um maior conhecimento, sensibilização e reflexão da sociedade cabo-verdiana sobre o tema.

Este ano, o ponto alto das comemorações será a realização de um fórum sobre o UPR (Revisão Periódica Universal), adiado para outubro, devido a incompatibilidade de agendas.

Já amanhã, 26, para assinalar o dia nacional de Direitos Humanos, essa Comissão promove uma conversa aberta com jovens do 10, 11 e 12 anos de escolaridade sobre os direitos humanos, na Escola Miraflores, na Praia.

“CNDHC deve ser mantida dadas as fragilidades que o país ainda possui”

Em Julho passado, o Governo contava aprovar, no Parlamento, o novo Estatuto do Provedor de Justiça, passando este a ocupar-se das actuais atribuições da CNDHC. Contudo, por falta de consenso, a proposta foi retirada, dado que se trata de um diploma que exige maioria qualificada.

Zaida Freitas entende que, “por trata-se de uma decisão importante para o país”, a ideia da extinção da CNDHC “deve ser amadurecida e analisada através de um processo participativo, consultivo e inclusive”.

Sobre a posição da CNDHC, na matéria, lamenta a situação criada, o que por si cria problemas vários à entidade que dirige.

“Não temos tido qualquer diálogo com o Governo sobre a questão, porque não tem havido abertura da parte dele”, afirma.

Ainda por cima, a possibilidade da extinção da comissão ocorre num contexto “grave de falta de recursos, sobretudo de recursos humanos, o que tem tido impacto negativo no nosso trabalho. Extinguir a CNDHC sem ouvi-la, ou outros sectores da sociedade civil, é uma decisão complicada e ficou a faltar este diálogo antes de se avançar com uma decisão dessa natureza”, considerou.

Razões para manter a CNDHC?

Zaida Freitas defende a manutenção da CNDHC, bem como o reforço de meios para o seu trabalho, dado os problemas que esse organismo é chamado a resolver, no dia a dia, num país com as carências sociais existentes. Como afirma, a comissão recebe queixas de violação de direitos humanos que são investigadas, além de outras formas de actuação.

“Estamos num momento extremamente complicado e estamos a falar de um país onde ainda o nível de exercício da cidadania não é satisfatório. Ou seja, um país onde ainda precisamos dizer às pessoas que elas têm direito, quais são esses direitos, e o que devem fazer para fazer valer os seus direitos”, explicou.

Por isso, “é preciso uma instituição nacional de Direitos Humanos que, para já, seja um órgão plural, onde todos os actores chaves da sociedade estejam fortemente representadas sobretudo a sociedade civil que é o figurino que nós temos neste momento”, salientou referindo que a CNDHC trabalha com comissários das diferentes áreas em que as decisões são tomadas na plenária.

“Taxa de reposição dos direitos alegadamente violados é pouco satisfatória”

Relativamente às queixas recebidas, ou tratadas pela CNDHC, a presidente Zaida Freitas diz que em 2020 houve 108 casos em que as denúncias mais frequentes foram relacionadas com o direito do recluso e detido. Mas também o direito à saúde, com os direitos das crianças, direitos laborais, além de casos de abuso de autoridade e agressão policial. 

Já em 2021, houve, segundo a mesma fonte, 106 casos em que as queixas mais frequentes estavam relacionadas com os direitos das crianças, seguidos dos direitos dos reclusos e direito laboral.

“Neste ano, verificou-se uma tendência para o aumento dos casos de agressão sexual contra menores e de VBG, que poderão estar relacionados à situação pandémica da Covid-19”, indicou.

No ano ora em curso, a CNDHC diz ter recebido 45 denúncias em que a prevalência incide nos direitos dos reclusos com 25,7% dos casos, sendo estes referentes aos direitos básicos (más condições da alimentação, saúde física e psicológica, higiene e alojamento…), enfim, abusos, maus tratos, tratamentos cruéis, desumanos e ou degradantes.

“Este ano, verifica-se uma tendência para o aumento dos casos referentes aos direitos dos reclusos que poderão estar relacionados com o melhor conhecimento dos seus direitos, mais informações e canais de denúncias. Relativamente às outras categorias, o abuso de autoridade e agressão policial se encontra com uma percentagem bastante expressiva em relação ao ano anterior”, constatou.

Diante deste cenário, Zaida Freitas diz que a CNDHC informa, orienta, encaminha e faz recomendações para efetivação dos Direitos Humanos, mas que “as suas recomendações não são vinculativas, devendo ser implementadas pelo Governo”.

“A taxa de reposição dos direitos alegadamente violados é pouco satisfatória, devido à pouca colaboração e diálogo institucional e pouco engajamento nas recomendações feitas pela CNDHC”, lamentou, reiterando uma melhor colaboração entre as organizações, entidades publico-privado e a sociedade civil através de diálogo.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 786, de 22 de Setembro de 2022

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