Na entrevista que concedeu ao A NAÇÃO, que se publica no ETC da Edição 786 desta semana, Wladimir Brito passa a limpo vários aspectos relativos aos 30 anos da Constituição da República, reiterando que, de um modo geral, ela cumpriu o seu papel, impondo-se, contudo, uma melhoria em vários dos seus aspectos. Mas é em relação ao funcionamento do Parlamento e da Justiça, que o entrevistado do A NAÇÃO se mostra particularmente cáustico, considerando ilegal a prisão de Amadeu Oliveira.
O MpD, enquanto partido maioritário e no governo, que esteve na génese da Constituição de 1992, faz mal em não ter, neste momento, um projecto de revisão constitucional, entende o académico Wladimir Brito, professor jubilado da Universidade do Minho, tido como sendo o pai da Lei Magna cabo-verdiana.
Confrontado com o facto de o MpD não ter, neste momento, na sua agenda, um projecto de revisão, o nosso entrevistado diz estranhar uma tal posição.
“Não acho normal, porque se o MpD pensasse minimamente no seguinte: entre a última revisão e agora, a globalização consolidou-se como mecanismo sócio-político e económico a nível mundial, as soberanias erodiram bastante”, defende WB.
Caso Amadeu Oliveira
Mas é em relação ao funcionamento do Parlamento e da Justiça, que o entrevistado do A NAÇÃO se mostra particularmente cáustico, com críticas ao Procurador Geral da República, José Luís Landim, a propósito da prisão do advogado e deputado Amadeu Oliveira, preso há um ano e neste momento a ser julgado em São Vicente.
Independentemente dos problemas que aquele advogado e deputado possa ter com a Justiça, entende WB que o PGR “não é titular de nenhum um órgão de soberania” e que por isso “é muito estranho que tenha sido ele a pedir o levamento da imunidade parlamentar do Dr. Oliveira”, daí considerar que a prisão deste cidadão é “ilegal”.
WB considera igualmente “muito estranho” que o Parlamento tenha aceitado o pedido de levantamento da imunidade de Oliveira, “sabendo que só a partir do momento em que há uma pronúncia concreta do deputado é que pode haver levantamento da imunidade”.
“Há um ano atrás, não tendo havido esse processo, o Dr. Oliveira esteve ilegalmente preso. E a prisão ilegal implica a responsabilidade de quem ordenou a prisão”, sublinha WB.
Para o entrevistado do A NAÇÃO, mesmo tendo procurado suprir a falha de há um ano, através finalmente do pedido do PGR, do levantamento da imunidade, junto da Assembleia Nacional, “continua a haver ilegalidades”.
As críticas de WB estendem-se ao bastonário da Ordem dos Advogados, Hernâni Soares, bem como ao Tribunal Constitucional, neste caso por ainda não se ter pronunciado sobre o assunto, sabendo que os direitos fundamentais do cidadão Amadeu Oliveira estão a ser violados.
Em relação àquele bastonário, WB entende que este, logo no início do “caso” Amadeu Oliveira, “foi infeliz”, ao se demarcar desse advogado, “porque ele, como bastonário, deve cuidar dos advogados e não da Procuradoria Geral da República”.
Outras questões
Regionalização, política externa e o problema da oficialização do crioulo são outros temas igualmente abordados, numa altura em que alguns destes temas vêm sendo discutidos pelos cabo-verdianos. Sobre a oficialização da lingua materna, WB entende que “o crioulo só vai passar a língua oficial quando também for língua escrita”, o que neste momento não existe.
E sobre a política externa considera que neste domínio Cabo Verde está à deriva, com risco de perder o capital político e diplomático que conquistou em todos estes anos de independência. “O Governo não tem uma linha de rumo clara relativamente a questões de grande relevância sub-regional ou mundial”, disse.
Pai da Constituição
Referido por vezes como o pai da Constituição, WB não enjeita a apreciação sem deixar, porém, de recordar que se tratou de um trabalho que mereceu a colaboração de várias outras pessoas.
“Se por pai entende-se o autor material do texto inicial assumo essa responsabilidade e legitimo a filha com todas as responsabilidades que possam recair sobre mim…”
Polémica quanto baste, eis uma entrevista que, certamente, não vai passar em brancas nuvens nos 30 anos da Constituição da República.
Entrevista esta que pode ser conferida na íntegra no Caderno Etc, do jornal A NAÇÃO, nº 786, de 22 de Setembro de 2022