No arranque de mais um ano lectivo, pais e encarregados de educação queixam-se dos preços mais caros dos materiais escolares em consequência das crises geradas pela pandemia da Covid-19 e da guerra na Ucrânia, num país que tem de importar quase tudo e que, ademais, debate-se com a seca dos três últimos anos. No entanto, a expectativa para mais uma largada académica é boa e esperam bons resultados dos seus educandos para compensar “mais este esforço financeiro”.
Na próxima segunda-feira, 19, os alunos do Ensino Básico Obrigatório (EBO) e do Ensino Secundário (ES) regressam às aulas, num quadro de quase normalidade pós-pandémica.
Nas contas do Ministério da Educação, o país tem um total 113.720 alunos, dos quais 81.222 do EBO e 32.498 do ES.
Desta vez, sem os temores e “chatices” da covid-19, pandemia que nos incomoda desde 19 de Março de 2019, pais, encarregados de educação e toda a comunidade educativa mostram-se expectantes e animados, tendo em conta o lugar que a educação ocupa entre os cabo-verdianos.
Um pouco por todo o país, o Ministério da Educação procurou reparar os equipamentos escolares mais degradados, de modo a que os alunos possam aprender e desenvolver-se num ambiente mais sadio.
Da parte das famílias, a afluência às lojas e papelarias para a compra de materiais escolares tem vindo a aumentar, a cada dia, desde a primeira semana de Agosto, sobretudo na cidade da Praia.
Materiais mais caros
De entre as preocupações, os pais e encarregados da educação queixam-se dos preços dos materiais básicos e essenciais, com excepção dos manuais e outros livros, que sofreram um “ligeiro aumento” em relação ao ano passado.
Esta situação, conforme reconhecem, já era de se esperar com o aumento, também das taxas de importação impostas pela pandemia e pela guerra na Europa. Para um país que importa quase tudo, inclusive materiais escolares, o aumento era de esperar.
“Comparativamente ao ano anterior, os materiais escolares estão mais caros. Excepto os manuais que este ano estão mais acessíveis. Gastei, na papelaria, 1400 escudos sem incluir mochila, bata e manuais. Não é uma subida brusca, mas faz a diferença no bolso dos mais carenciados”, disse Rosilene Vaz, ao A NAÇÃO.
Esta moradora do Porto Mosquito, Ribeira Grande de Santiago, ainda sem filhos, disse-nos que estava a comprar materiais para o seu afilhado que este ano vai frequentar o 2º ano de escolaridade. A jovem, que trabalha como cozinheira, diz que apoia “com muito orgulho” o afilhado que, no ano passado, foi aluno do “Quadro de Honra”.
Avó que assume responsabilidade dos netos
Também na porta de uma das papelarias da cidade da Praia, A NAÇÃO conversou com Hirondina Mendes Cabral, uma avó dedicada que este ano vai ter a seu cargo dois netos (7º e 4º ano de escolaridade), diante de um cenário em que a mãe das duas crianças encontra-se desempregada e o pai dos meninos na prisão.
“Fiz um grande esforço para comprar tudo o que precisam para regressar às aulas. Gastei 1010 escudos em cadernos e canetas, comprando apenas o básico, sem incluir mochila, uniforme, bata e outras coisas também necessárias”, diz a empregada doméstica que, neste momento, sustenta a família.
Residente em Quartel Escola, bairro do Município da Praia, Hirondina diz que esta é a primeira vez que custeia os materiais escolares, pelo que não pode comparar os preços deste ano com os dos anos anteriores. No entanto, admite que “hoje-em-dia, tudo está mais caro.”
Sacrifício da Carla sem ajuda do pai
De São Lourenço dos Órgãos para a cidade capital, com o mesmo propósito, veio Carla Lenira Varela, na companhia do seu filho, entusiasmado para iniciar mais um ano, desta vez para a sétima classe do EBO.
Carla, que tem mais um filho a entrar para o primeiro ano de escolaridade, contou a este semanário que gastou cerca de 2500 escudos em cadernos, lápis, canetas entre outros materiais necessários, sem contar com a bata, o uniforme, mochilas e manuais.
Esta vendedeira ambulante, que diz não pode contar com nenhuma ajuda do pai das crianças, sentiu o peso do preço dos materiais nos bolsos.
“Hoje o meu filho teve a oportunidade de me ver correr dos fiscais e presenciar como é que eu ganho a vida. Espero que isso o leve a valorizar os esforços que tenho que fazer para que ele e o irmão possam ter um futuro diferente”, salientou esta mãe chefe de família que, apesar de tudo, espera um dia poder contar com alguma ajuda, sobretudo do pai das crianças que, desempregado há muito tempo, resolveu, por estes dias, emigrar à procura de uma vida melhor no estrangeiro.
Pais esperançosos num bom resultado no final do ano
Apesar das dificuldades para garantir melhores condições aos educandos, todos os pais e encarregados de educação ouvidos pelo A NAÇÃO, dizem ter boas expectativas. Para muitos deles, uma boa forma de compensar “mais este esforço financeiro” no meio da crise, é ter os seus filhos e educandos com resultados positivos no final do ano.
“A minha filha reprovou no ano passado; já a avisei que este ano ela vai ter que recuperar as notas e seguir adiante. Isto porque o esforço para comprar os materiais escolares tem que valer a pena. Caso contrário, terei que lhe colocar uma banheira na cabeça para que não seja apenas desperdícios”, contou Lizita, uma vendedeira de frutas na Assomada, Santa Catarina.
Ansiosa pelo 1º dia
Se Lizita está preocupada e já pensa em estratégias para fazer a sua filha valorizar os estudos, Karina Rodrigues, da Vila Nova, Praia, diz estar ansiosa para ver a adaptação do filho que este ano se estreia no EBO.
“Estou ansiosa porque, como sabemos, a passagem do pré-escolar para o 1º ano do ensino básico não é fácil. Estou a falar da adaptação das crianças. É necessário um bom professor para entender e incentivar a criança, tendo muita paciência”, contou a mãe mostrando a sua maior preocupação.
Acompanhar a vida académica do filho
No entanto, apesar da correria, aquela nossa entrevistada espera que tudo venha a correr bem, comprometendo-se em acompanhar e ajudar o seu educando nos estudos e em tudo o que venha a precisar na escola Capelinha, Fazenda, Praia, que irá recebê-lo, na segunda-feira, 19.
Esta preocupação de Karina estende-se a todos os pais e encarregados de educação que cumprem verdadeiramente o papel de acompanhar a vida académica dos filhos para estarem em condições de superintender o lema “Resiliência e Confiança por uma educação de Qualidade” proposto pelo Ministério da Educação para o ano lectivo 2022/23.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 785, de 15 de Setembro de 2022